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Superlotação carcerária e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Por Jean de Menezes Severo

No ar, mais uma coluna deste rábula diplomado que vos escreve. Estou produzindo este texto acamado, frente a uma terrível gripe que em mim se instalou; portanto, se hoje me acusarem de escrever alguma besteira, de pronto culpo a febre que me acompanha há dois dias. Deixando de lado minha enfermidade, gostaria de agradecer o carinho dos leitores, as solicitações de amizades, e os elogios feitos in box no Facebook. Na boa, a força motriz responsável por esta humilde coluna são vocês, amigos!

Cadeia, o “cômodo do inferno”. Ouvi esta expressão a primeira vez na letra de um rap dos racionais Mc’s. Então pergunto: ser o “cômodo do inferno” é uma das funções da prisão no Brasil? É claro que não, cara pálida; mas é como ela se mostra na realidade.

A Constituição Federal de 1988 traz, em seu art. 5º, diversas garantias destinadas especificamente às pessoas processadas e presas, com o fim de assegurar, não apenas aos réus e apenados, mas aos cidadãos de forma geral seus direitos fundamentais. Conhecer nossas armas é o que nos faz mais fortes, daí por que se faz imprescindível a leitura dos dispositivos de nossa Lei Maior (notadamente: art. 5º, III, XLV, XLVI e alíneas, XLVII e alíneas, XLVIII, XLIX, L, LIV, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, LXVII, LXVIII e LXXV).

Tais garantias, por possuírem nível constitucional, compõem a mais alta esfera de direitos no Brasil. Beleza, isso todos nós sabemos; mas, na prática, em quais condições os presos provisórios, e os apenados com reprimenda transitada em julgado cumprem a pena em por aqui? Não vou chover no molhado e repetir o que já escrevi em colunas anteriores. Nossas prisões são as piores do mundo, elas degradam o ser humano.

Aos que esperam presos seu julgamento, e também aos que já cumprem pena é dado o mesmo tratamento indigno. Nesse cenário, falar em recuperação do preso para seu retorno à sociedade é contar história para boi dormir. Contudo, recuperado ou não, ele vai retornar a nossa convivência, isso é fato.

Durante uma aula ministrada no mestrado da PUCRS pelo Professor Doutor Nereu Giacomolli, fui apresentado à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Sempre soubera de sua existência, mas não conhecia o seu funcionamento. Inspirado por esta lembrança, digo-vos, meus amigos, estudar, e estudar muito é o segredo!

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é o órgão judicial que vincula a Organização dos Estados Americanos (OEA), instituição da qual o Brasil faz parte, junto com os outros Estados signatários da Convenção Americana – ou “Pacto de San Jose da Costa Rica.

Sete juízes originários dos Estados membros da OEA compõem a Corte, que aplica a Convenção Americana e outros tratados de direitos humanos, emitindo sentenças – em casos concretos –, ou opiniões consultivas – para perguntas em abstrato, relativas a interpretação e harmonização de leis.

Somente o Estado pode peticionar diretamente à Corte. Para que demais entidades ou pessoas cheguem a este órgão judicial, o mecanismo adequado a acionar é a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão é competente para observar as situações in loco, e solicitar à Corte que tome as medidas cabíveis.

Então, em síntese, a Convenção Americana – Pacto de San Jose –, combinada com outros tratados de direitos humanos são interpretados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem jurisdição reconhecida pelo Brasil e, recebendo informações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, aplica-os aos casos concretos.

São protegidos assim, exemplificativamente: a liberdade de consciência, de religião, de pensamento e de expressão, os princípios da legalidade e da irretroatividade, o direito à vida, à integridade, à liberdade, às garantias judiciais, à proteção da honra, da dignidade, da criança e da família.

Velho, eu fico pensando, se cada apenado deste país, ou “apenas” os mais de quatro mil presos reclusos junto ao Presídio Central de Porto Alegre decidissem ingressar com uma petição junto à Comissão…

Havendo um processo em que todos os recursos judiciais tenham sido esgotados, pode-se peticionar. Um réu condenado após uma revisão criminal, por exemplo, pode tranquilamente ingressar com a petição junto à Comissão, com a intenção de levar seu caso à Corte.

Aos presos que sofrem com a superlotação das cadeias, que sofrem todos os tipos de humilhações diariamente dentro das penitenciárias brasileiras, onde quem comanda são as facções criminosas, aconselharia que ingressassem com HC, informando qualquer das violações sofridas, utilizando como base o art. 5º da Constituição Federal e, após denegada a ordem de soltura, que fizessem uma petição à Comissão, eis que não é necessário ser advogado para tanto, o preso pode fazer de dentro do presídio e enviar diretamente, relatando as violações que vem sofrendo.

A petição deve ser feita até seis meses após a decisão judicial que denegou o pedido derradeiro, aquele que ESGOTOU OS RECURSOS INTERNOS, e deve conter os seguintes dados: Os dados da suposta vítima e de seus familiares, se for o caso; dados da parte peticionária, como nome completo, telefone, endereço e e-mail; a descrição completa, clara e detalhada dos fatos alegados, incluídas informações local e período em que ocorreram, bem como o Estado considerado responsável; indicação das autoridades estatais que considera responsáveis; os direitos que considera estarem sendo violados; se possível, as instâncias judiciais ou as autoridades do Estado a que se recorreu para buscar resolver as violações alegadas, resposta das autoridades estatais, em especial dos tribunais judiciais, se possível; cópias simples e legíveis dos principais recursos interpostos e das decisões judiciais internas e outros anexos considerados pertinentes, como depoimentos de testemunhas e  a indicação de se a petição foi apresentada a outro organismo internacional com competência para resolver o caso.

Não existem custos para o ingresso deste pedido.

E na prática, o que pode ocorrer? O que acontecerá se a Comissão entender que o Estado é responsável pelas violações dos direitos humanos? A Comissão emitirá um relatório sobre o mérito, que pode incluir recomendações ao Estado para: fazer cessar os atos que violam direitos humanos, esclarecer os fatos e realizar uma investigação oficial, reparar os danos ocasionados, introduzir mudanças no ordenamento jurídico ou requerer a adoção de outras medidas ou ações estatais.

A quem for enviar pelo correio, segue o endereço: Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1889 F Street, N.W. Washington, D.C. 20006 –  Estados Unidos.

Na prática, meu amigo, não sei o que aconteceria. Penso que, se vissem aportar uma enxurrada de cartas, remetidas pelos milhares de presos que vivem em condições subumanas no sistema carcerário brasileiro, a situação ganharia visibilidade mundial, tornando-se impossível de ignorar. E seria lindo de ver essa mudança, pois, por ora, ninguém quer saber e tampouco cuidar do que ocorre nas dependências dos presídios.

Estou fazendo minha primeira petição junto à Comissão em favor de um cliente, prometo voltar a falar desse assunto após o seu julgamento!

JeanSevero

Jean Severo

Mestre em Ciências Criminais. Professor de Direito. Advogado.

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