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Suspensão da prescrição e imprescritibilidade

A regra do art. 366, do CPP, prevê que “se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional (…)” A partir do conteúdo da regra, indaga-se: há prazo máximo em que o curso do processo ficará suspenso? A pergunta é oportuna pois a suspensão ad eternum, com fundamento no art. 366, do CPP, enquanto não for localizado o acusado, tem o efeito prático de gerar hipótese de imprescritibilidade para todo e qualquer crime, quando a Constituição apenas prevê que são imprescritíveis a prática de racismo e a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLII e XLIV, da CR/88).

Estando as hipóteses de imprescritibilidade expressas no texto constitucional – inclusive com status de direito fundamental – e não havendo previsão de delegação constitucional (para que outras leis criem hipóteses novas de não prescrição), isso significa que a Constituição veda à legislação infraconstitucional disciplinar situações de imprescritibilidade.

A seguir esse raciocínio, a hipótese seria de se construir, pela via hermenêutica – enquanto se não o faz pela via legislativa -, mecanismo de compatibilização da regra do art. 366, do CPP com o texto constitucional, para efeitos de determinar um prazo máximo de suspensão do prazo prescricional, nas hipóteses em que o acusado não for localizado para citação.

Não foi essa, porém, a orientação do Supremo Tribunal Federal quando a matéria chegou à análise da Corte Constitucional. Com efeito, quanto à interpretação específica da regra do art. 366, do CPP, consignou-se, em precedente de 2007, o seguinte:

II. Citação por edital e revelia: suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, por tempo indeterminado - C.Pr.Penal, art. 366, com a redação da L. 9.271/96. 1. Conforme assentou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ext. 1042, 19.12.06, Pertence, a Constituição Federal não proíbe a suspensão da prescrição, por prazo indeterminado, na hipótese do art. 366 do C.Pr.Penal. 2. A indeterminação do prazo da suspensão não constitui, a rigor, hipótese de imprescritibilidade: não impede a retomada do curso da prescrição, apenas a condiciona a um evento futuro e incerto, situação substancialmente diversa da imprescritibilidade. 3. Ademais, a Constituição Federal se limita, no art. 5º, XLII e XLIV, a excluir os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição, sem proibir, em tese, que a legislação ordinária criasse outras hipóteses. 4. Não cabe, nem mesmo sujeitar o período de suspensão de que trata o art. 366 do C.Pr.Penal ao tempo da prescrição em abstrato, pois, "do contrário, o que se teria, nessa hipótese, seria uma causa de interrupção, e não de suspensão. 5. RE provido, para excluir o limite temporal imposto à suspensão do curso da prescrição. (STF - RE 460.971, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.3.2007)

Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça possui precedentes diametralmente opostos à orientação firmada no STF. Com efeito, já no ano de 2003 havia julgado admitindo a necessidade de estabelecimento de prazo máximo de suspensão da prescrição positivada na regra do art. 366, do CPP:

HABEAS CORPUS. CONTRAVENÇÃO PENAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DA PRESCRIÇÃO. ART. 366 DO CPP. LEI N.º 9.271/96. LIMITE DA SUSPENSÃO. MÁXIMO DA PENA. REGRA DO ART. 109 DO CP. ORDEM CONCEDIDA. A necessidade de manter a congruência com os princípios constitucionais relativos à seara penal, além de se evitar a odiosa idéia da imprescritibilidade de condutas conhecidamente incluídas no rol de menor potencial ofensivo, tem levado esta Corte a impor limites ao prazo de suspensão da prescrição, a partir do que determina o art. 109 do Código Penal, impedindo a consecução eterna da pretensão punitiva. (STJ - HC 25.734, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 9.12.2003)

Em 2009, o STJ reafirmou sua posição, quanto à interpretação constitucionalmente adequada a ser atribuída ao art. 366, do CPP:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. 1. ACUSADO CITADO POR EDITAL. NÃO COMPARECIMENTO. ARTIGO 366 DO CPP. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA A SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. LAPSO PRESCRICIONAL PREVISTO EM RELAÇÃO À PENA EM ABSTRATO DO DELITO. MEDIDA ADEQUADA. ENTENDIMENTO PACÍFICO. 2. ORDEM CONCEDIDA. 1. A fixação do prazo máximo de suspensão do prazo prescricional no caso em que o paciente, citado por edital, não comparecer nem constituir advogado, é matéria pacífica no âmbito desta Corte, e se pauta pelo prazo prescricional máximo previsto para o crime, de acordo com a pena em abstrato. (STJ - HC 69.377, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 31.8.2009)

No mesmo ano de 2009 a questão foi pacificada no STJ – no sentido de se fixar prazo máximo de suspensão da prescrição -, através do enunciado da Súmula 415/STJ, referido em diversos precedentes recentíssimos:

2. Não sendo o recorrente encontrado para ser citado pessoalmente, foi citado por edital, tendo o Magistrado determinado ainda a suspensão do processo e do prazo prescricional em 1º/3/2002, nos termos do art. 366 do CPP. Entretanto, a suspensão não pode se dar por prazo indefinido, porquanto não se admitem hipóteses de imprescritibilidade não previstas na Constituição Federal. Dessarte, o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado sumular n. 415, dispondo que "o período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada". Implementado o prazo máximo de suspensão do prazo prescricional, verifica-se que este voltou a correr, implementando-se a prescrição, encontrando-se, portanto, extinta a punibilidade do recorrente. (STJ - RHC 38.984, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 22.6.2016)

Em nome da estabilidade dos diversos precedentes e do enunciado sumular construídos no Superior Tribunal de Justiça, é oportuno que o Supremo Tribunal Federal se manifeste novamente sobre a matéria, superando o precedente de 2003 e encampando a tese pacífica do STJ, que soluciona a questão a partir de interpretação adequada não apenas ao texto constitucional – o que já seria suficiente -, mas também à proporcionalidade e razoabilidade.

Bruno Milanez

Doutor e Mestre em Direito Processual Penal. Professor. Advogado.

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