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Se você tem ou quer ter tatuagem, não deixe de ler esse artigo! (Parte 2)

Se você tem ou quer ter tatuagem, não deixe de ler esse artigo! (Parte 2)

Conforme prometido, darei continuidade ao tema das tatuagens. Tenho por hábito verificar os comentários dos leitores como feedback (como dizem na cadeia, verificar a “febre”).

Observei comentários muito interessantes na primeira parte do texto (leia AQUI). Uns dizendo que “isso não existe mais”; outros mencionando exatamente o que eu escrevi, ou seja, que a tatuagem é uma homenagem à mãe; outros que é bobagem e etc.

Bom, se infelizmente um dia você chegar a uma “cadeia”, até pode tentar dizer aos criminosos de lá que o que eles acham da tatuagem é uma besteira, que isso não existe e etc.

O preso que veio “sumariar” a tatuagem vai se sentir muito ofendido perante o restante da população que está ali presenciando o “sumário” da tattoo. Ele não vai deixar barato, porque “vai ficar ruim para ele” perante a massa carcerária. Ele vai “cobrar a altura”.

E quem chega à cadeia, já chega desarmado, como sempre ocorre via de regra. Vai ser uma covardia, até porque aquele que já está na cadeia já tem seus “trutas” (camaradas, amigos).

Se não vier um “bolinho podre” agredir esse que está chegando, não digo nada, porque não tem cabimento um pessoa que está chegando na cadeia querer mudar as “leis” daqueles que vivem no cárcere há anos.

Outro fato interessante é que esses presos antigos vão “isqueirar” (inflamar) a população carcerária. E, na cadeia, “abraçador” de causa furada é “mato” (empregado na cadeia, quando querem se referir a grandes quantidades).

Então, esse novo morador do cárcere vai ter que ir para o seguro, lembrando que, quando tem rebelião, as primeiras pessoas no cárcere que são procuradas pelos demais presos para se “divertirem” são os moradores do “amarelão”[1].

Mas voltemos às tatuagens.

TATUAGEM 1 – CARPA

carpa

Essa é uma das tatuagens que mais vejo pelas ruas. E há muitas também no cárcere. A carpa possui o significado que aqueles que a usam são membros do PCC. Sei que há pessoas em liberdade que as possuem e que não são membros e nem sabem seu real significado. Mas eu pergunto:

Como você vai explicar isso se estiver em “um lugar errado”?

Afinal, há decisões judiciais que caracterizam o tráfico somente pelo local…

Como você vai explicar isso se estiver com a pessoa errada e com a coisa errada?

Afinal, podemos estar com pessoas e não sabermos se elas tiveram ou têm “passagem na polícia”…

Como você vai explicar isso se a pessoa ao seu lado estiver portando uma “coisa errada” sem o seu consentimento?

Exemplo típico: você está dando carona para um colega de aula, que transporta ou traz consigo uma quantidade pequena de maconha. E você nem imaginava – não tinha como saber – que ele portava a substância.

Se você (ou seu “amigo”) tiver uma tatuagem de carpa e ambos estiverem, por exemplo, em um carro, podem ter certeza que seu carro será muito bem revistado. Talvez vocês ainda tenham uma “conversa especial” com os policiais – se é que me fiz por entender.

Mas será que é somente a “polícia” que os rotula assim? Vejamos o que alguns desembargadores de São Paulo acham sobre a tatuagem tatuagem de algumas pessoas:

“Ademais, admitiu em juízo ostentar uma tatuagem de carpa, notoriamente usada pelos integrantes do Primeiro Comando da Capital, assim, em sendo integrante da organização criminosa em tela e, inexistindo prova de que tem ocupação lícita, é evidente que se solto tornará a delinquir até para cumprir com suas obrigações perante a organização mencionada, portanto, de rigor a mantença da prisão preventiva para garantia da ordem pública.” (Apelação nº 0022945-45.2011.8.26.0050, da Comarca de São Paulo) (g.n.)

Ressaltou que tem uma tatuagem na perna da figura de uma carpa de cabeça para baixo e, ao ser questionado, respondeu ter conhecimento de que tal tatuagem é indicativa de pessoa associada à facção criminosa “PCC” (fls. 193/194). (Apelação nº 0007629-24.2014.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes). (g.n.)

“Ficou apurado o vínculo de Luiz com o narcotráfico e o crime organizado, também pela sua tatuagem descrita em fls. 12), como peixe carpa na perna direita (...) (Apelação nº 0001588-64.2014.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos) (g.n.)

“(...) O sentenciado, que nada disse ao ser preso, em juízo alegou que as drogas apreendidas em seu poder não lhe pertenciam, sendo que as encontrara pouco antes 'no escadão'. Disse, também, que 'tem tatuagens de carpa, símbolo do Comando (PCC), mas atualmente está aposentado' (cf. fls. 158), embora estivesse em gozo de regime de cumprimento de pena na ocasião da prisão” (Apelação nº 0075436-58.2013.8.26.0050, da Comarca de São Paulo). (g.n.)

“Confirmou que tem uma carpa tatuada no braço direito e que sabe ser sinal de membros do PCC, contudo só a tem em homenagem ao seu irmão.” (Apelação nº 0017144-20.2013.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes) (g.n.)

“(...) tem tatuagem de uma carpa, feita em Mirandópolis, mas não tem facção, embora seja símbolo do PCC (fls. 108/112). (Apelação nº 0006401-80.2015.8.26.0554, da Comarca de Santo André). (g.n.)

“A tatuagem da carpa refere-se a integrantes do PCC.” (Apelação nº 0055252-03.2012.8.26.0346, da Comarca de Martinópolis). (g.n.)

A reforçar a tese acusatória, tem-se que a tatuagem do braço do apelante (carpa com a cabeça voltada para cima, no ombro), é sinal indicativo de traficância e envolvimento com o Primeiro Comando da Capital, tratando-se de indício que reforça o envolvimento do apelante com as drogas encontradas. (Apelação nº 0000003-44.2014.8.26.0622, da Comarca de Itararé) (g.n.)

“Insta consignar, ainda, como bem pontuado pelo I. representante do Parquet, que o flagrante se deu em torno de meio-dia horário não usual para descanso , bem como ser o apelado reincidente em delito da espécie e ostentar tatuagem de carpa [notório símbolo do “PCC” (Primeiro Comando da Capital)].” (Apelação nº 0012058-37.2014.8.26.0554, da Comarca de Santo André) (g.n.)

“Declarou, na fase policial, que estava traficando há cerca de menos de um mês, afirmando, inclusive, ser integrante de facção criminosa (Primeiro Comando da Capital), por isso tatuou uma “carpa” em sua perna” (Apelação nº 0002173- 95.2012.8.26.0286, da Comarca de Itu) (g.n.)

Será que algum tribunal superior também está decidindo dessa forma?

STJ: “(...) Além disso, FELIPE ostenta tatuagem em forma de uma 'carpa' na perna e estranhamente a senha de acesso ao seu celular é a numeração '1533', símbolos que identificam a facção criminosa PCC. (HC 322963, Ministro NEWTON TRISOTTO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SC).

Vejam só que interessante: um magistrado de Santa Catarina (convocado pelo STJ) decidindo pela mesma ótica dos juízes de São Paulo. A tatuagem da carpa chegou ao STJ!

Sabemos que existe o Jus Sperneandi (Direito de Espernear). Logo, poderá a pessoa que está sendo acusada por integrar o PCC, em razão de ter a tal carpa tatuada, dizer na audiência que o magistrado está errado, que isso não existe e etc.. Contudo, que isso não mudará sua situação, disso não tenho dúvidas!

TATUAGEM 2 – NOSSA SENHORA APARECIDA

nossa senhora

Essa tatuagem indica, via de regra, um preso de altíssima periculosidade. Já vi vários presos que eram homicidas e possuíam essa imagem em seu corpo, matando pessoas no cárcere. Inclusive eu pensava, quando ele matava alguém, que realmente estava fazendo “jus” à tatuagem que portava. Mas ela também pode indicar proteção.

Na próxima semana continuarei com o tema proposto.


NOTAS

[1] Como era conhecido o local onde os presos habitavam, o seguro na antiga Casa de Detenção de São Paulo. Referiam-se à cor amarela porque aquelas pessoas não tomavam banho de Sol em razão de correrem risco de morte e nisso a pele ia amarelando.

Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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