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Temos um novo paradigma para o homicídio na condução de veículo automotor?

 


Por Bruno Espiñeira Lemos


Pretendia iniciar este breve trabalho com minha crítica severa à categoria do dolo eventual, ocorre que apenas estaria esvaziando a questão de fundo aqui levantada. Vamos, pois, ao cerne.

A sociedade veloz, líquida (muitas vezes pastosa), que demanda respostas rápidas do aparato penal, com antecipações de penas (preventivas) e mesmo de condutas antecipadamente consideradas criminosas, hoje se depara com as mortes no trânsito e já não sabe ao certo o que fazer, ou pensa que sabe.

Não é novidade que os tribunais brasileiros, recentemente com o aval de uma tímida e impensada decisão do STF, começaram um movimento de imposição do rito especial dos crimes dolosos contra a vida para os motoristas de veículos que transitam nas vias terrestres pátrias sob efeito de álcool e causam acidentes com morte.

A voz rouca das ruas, decerto, dirá: – Estão certos estes julgadores!

Preocupado com este cenário, sem saber ao certo se dava razão à voz rouca das ruas (a mesma que, não faz muito, representava o são sentimento do povo alemão de triste época e memória) ou se ficava com a boa teoria do delito, me pus a estudar.

Comecei com o causal-naturalismo e seu referencial ontológico, segui com o positivismo jurídico, passei pelo modelo valorativo do neokantismo, no qual me detive um pouco diante da ideia dos “critérios sociais” relacionados com a antijuridicidade e o juízo de reprovabilidade valorado na culpabilidade, adentrei com leveza no finalismo, referencial básico do nosso Código Penal e com Welzel recordei-me que os valores, ou seja, o elemento axiológico deve ser limitado pelo sentido ontológico prévio e nesse caso, parti da premissa de que essa era a referência a ser utilizada pelo ordenamento brasileiro.

Ou seja, lembrei-me que no finalismo, o dolo não é senão a “vontade final que rege o acontecimento causal”, no caso, evidentemente, a vontade de realização do fato típico. Ora, seguindo esse raciocínio, todo delito doloso pressupõe a realização da vontade. Por tudo isso, cheguei à conclusão que os tribunais brasileiros estão todos errados!

Não que eu goste dos indivíduos que dirigem embriagados e causam mortes! Apenas constatei que o nosso ordenamento jurídico, tal qual construído não ampara as decisões tomadas com base no prostituído conceito de dolo eventual.

Eis então que descubro uma tentativa de se trazer para nossa realidade, institutos, se não inadequados, ainda não adequados.

Em nome de uma política pública legítima de combate aos acidentes com morte advindos da condução de veículos sob influência de álcool, nossos Juízes passaram a “indignar-se” e se não criaram, passaram a adaptar teorias a tais casos, diante do que julgam ser a falência dos antigos fundamentos dogmáticos.

E como fazem? Pegam a ideia de uma função social do Direito Penal, diante da qual não se contenta com o campo ontológico adentrando no campo axiológico e diante de uma pluralidade interpretativa, evidentemente, funcionalista (em leitura teleológico-racional e não normativa), e aqui, inspirado no amigo Paulo BUSATO (2015, p. 238), quando se refere a Hassemer e Muñoz Conde, temos a ideia das funções e missões do Direito Penal.

Vejo com bons olhos a importação de teorias no caminho da ultima ratio. A questão que surge, é que se está a executar precisamente o oposto e a abertura que se propõe com o próprio modelo de sistema significativo de imputação sob o pálio de socorrer a contemporaneidade, parece necessária e ao mesmo tempo preocupante.

Quando Busato inspirado em Hassemer, se refere à pedagogia social utilizada para justificar a aplicação do sistema penal como forma de afirmação pública da necessidade de respeito e proteção de determinados bens ou interesses, convertendo o discurso punitivo de ultima ratio em prima ratio, vislumbro o retrato da atual utilização das teorias jurídico-penais em matéria de acidentes de trânsito com vítimas fatais.

Isso é bom ou ruim? Correto ou incorreto? Com a palavra os doutos…


REFERÊNCIAS

BUSATO, Paulo César. Direito Penal. Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

_Colunistas-BrunoLemos

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