Tempo, Direito e Nanotecnologias: em busca de novas perspectivas
Por Bernardo de Azevedo e Souza
John Boyd e Philip Zimbardo são dois estudiosos da psicologia do tempo. Há mais de trinta anos dedicam-se a compreender como as condições ambientais e o ritmo de vida de uma comunidade são capazes de influenciar os pensamentos, sentimentos e comportamentos. As diversas investigações experimentais, pessoais e acadêmicas conduzidas durante este período foram publicadas na intrigante obra “O Paradoxo do Tempo” (The Time Paradox), atualmente esgotada no país.
De acordo com os estudos de Boyd e Zimbardo, todos nós fracionamos o fluxo contínuo de nossas experiências em referenciais temporais, que nos auxiliam a dar ordem, coerência e significado aos acontecimentos ao nosso redor. Utilizamos diariamente estas perspectivas temporais – expressão adotada pelos autores – para codificar, armazenar e relembrar nossas experiências; formar opiniões; sentir e ser; bem como dar forma a nossos objetivos, anseios e expectativas.
A perspectiva temporal é uma das influências mais poderosas nas ações, no pensamento e nos sentimentos humanos. Ao mesmo tempo, é a menos compreendida ou valorizada. Nossa forma de agir, de se relacionar com outras pessoas, o interesse que temos por determinados assuntos e temas em detrimento de outros decorrem, em grande parte, da influência destes referenciais. A perspectiva temporal desempenha, portanto, um papel fundamental no modo como vivemos; molda nossas decisões; provoca um profundo impacto na maneira como enxergamos o mundo. E tudo ocorre de forma inconsciente e automática, sem que nos demos conta.
Costumamos adotar um referencial temporal específico e dele fazer uso de modo excessivo durante nossas vidas. Algumas pessoas possuem uma perspectiva temporal orientada para o passado. Para elas, o presente é irrelevante. As decisões tomadas são baseadas nas memórias, nas experiências vivenciadas. O foco é o que foi. Por outro lado, há aquelas que se preocupam somente com a situação imediata, com o que os outros estão fazendo ou sentindo no presente. As decisões são tomadas com base no que está ocorrendo naquele momento. Para estas pessoas, cuja perspectiva temporal é orientada para o presente, o foco está no agora. Para outros, ainda, o importante é o futuro: o passado e o presente são irrelevantes. As pessoas com perspectiva temporal orientada para o futuro buscam antecipar as consequências, analisar a relação custo-benefício. O foco é o que será.
Embora os níveis de imersão possam sofrer variação conforme a cultura, a classe social ou o nível de educação, os referencias temporais apresentam tanto aspectos positivos quanto negativos. Pessoas orientadas para o passado são propensas a honrar obrigações e responsabilidades, mas podem ser resistentes a mudanças; pessoas orientadas para o presente desfrutam melhor o momento, mas podem ter problemas com o planejamento de suas metas; pessoas orientadas para o futuro alocam seu tempo para obrigações a longo prazo, mas podem ser inclinadas a sacrificar as alegrias presentes e os pequenos prazeres que a vida proporciona.
O conceito de perspectiva temporal desenvolvido por Boyd e Zimbardo não se esgota, por óbvio, nesta rápida exposição. Os desdobramentos são muito mais amplos e complexos. O que se busca neste breve texto, no entanto, é introduzir esta concepção temporal para possibilitar um novo olhar em relação aos avanços científicos e, acima de tudo, às nanotecnologias.
Em oportunidades anteriores (aqui, aqui e aqui), sublinhamos que o manuseio e aplicação das novas tecnologias trazem consigo muitas incertezas; referimos que as pesquisas de nanotoxicologia ainda são incipientes; indagamos sobre os riscos que a manipulação nanoescalar poderá ocasionar aos seres humanos e ao meio ambiente; referimos sobre as aplicações militares da tecnologia invisível; e, ainda, elencamos um rol de potenciais utilizações das nanotecnologias, no âmbito da investigação e da persecução criminal, para incrementar a internalização da vigilância e da pena. Pessoas com perspectiva temporal orientada para o passado e/ou para o presente talvez vislumbrem todos esses aspectos como irreais, futuristas, distantes da realidade, em suma, não merecedores de preocupação. E é justamente tal postura impensada em relação à matéria que contribui para que o cenário se agrave.
Com isso, não se está afirmando que o referencial voltado ao passado e/ou presente sejam equivocado, mas que é necessário, no contexto dos avanços científicos, que cada pessoa construa uma perspectiva balanceada, de modo a possibilitar a transição flexível entre orientações temporais e a estar preparada para o novo, para o diferente, para o desconhecido. É dizer: necessário que não sejamos voltados preponderantemente para o passado, resistindo à tecnologia (tecnofobia) tampouco sejamos orientados somente para o presente, preocupando-se com o agora.
Desde cedo somos ensinados a pensar linearmente, mas as revoluções tecnológicas da contemporaneidade demandam uma nova ótica, pois evoluem em padrão diverso: o exponencial. A sociedade tecnocientífica em que vivemos exige uma perspectiva temporal orientada para o futuro. A capacidade de projetar-se no amanhã, antecipando, realizando planos e organizando possibilidades vindouras representa uma das mais incríveis características individuais e demonstra como podemos nos comportar em contextos e situações diversas.
Iniciativas como o curso de futurismo oferecido pela Singularity University atentam para este cenário. O projeto, capitaneado pela Nasa em parceria com o Google, pretende formar novas lideranças para a humanidade. Dentre os professores estão Steve Wosniak – sócio-fundador da Apple –, Larry Page – sócio-fundador do Google – e Dan Barry – astronauta com três missões espaciais no currículo. Durante dez semanas, jovens estudantes assistem palestras sobre interessantes temáticas, como engenharia espacial, genética, nanotecnologias, nanorrobótica e inteligência artificial. Após o curso retornam ao país renovados, com novas perspectivas para os problemas decorrentes do contexto tecnológico atual.
O atual desafio imposto pela realidade das nanotecnologias exige novos olhares; demanda respostas ao estabelecimento de limites e à solução de conflitos que venham a surgir. O Direito, como ciência social e de impacto, precisa igualmente atentar a esta (r)evolução, para que não fique em descompasso às transformações que ocorrem no mundo e nas demais áreas do conhecimento, bem como para que não se permita que a regulação das nanotecnologias seja feita por outras áreas do saber.
O Direito deve buscar ocupar um novo espaço em relação às demais ciências, especialmente no tocante às nanotecnologias. Os mais diferentes ramos do conhecimento estão debatendo sobre como será possível regular as questões atinentes aos riscos ambientais e à saúde humana trazidos pelas nanotecnologias. E, enquanto todos os demais setores discutem a questão, o Direito segue em sua tranquilidade, escondendo-se atrás da invisibilidade dos riscos (ENGELMANN; HOHENDORF; SANTOS, 2015).
Para que o Direito (Penal e Processual Penal) possa enfrentar os desafios trazidos pelos avanços das novas tecnologias deverá, necessariamente, abrir-se para dois caminhos. Primeiro, perpassar outras áreas do conhecimento para auxiliá-lo a compreender a complexidade das realidades a que as novas tecnologias viabilizam. Segundo, permitir o ingresso de ideias oriundas de outras áreas e saberes. Somente desta forma surge a possibilidade de construção do jurídico penal e processual penal em condições de aliar o desenvolvimento científico com o respeito aos direitos fundamentais do ser humano.
O Direito precisa, em síntese, de uma perspectiva temporal orientada para o futuro. Cabe a todos nós, enquanto cidadãos, enquanto atores judiciários, enquanto sociedade, preocuparmo-nos com as nanotecnologias e, acima de tudo, com os riscos que seu manuseio e aplicação poderão ocasionar. Afinal, como bem destacou o brilhante cosmólogo e astrônomo real britânico Martin Rees, quando o que está em risco é nosso futuro, quem é capaz de decidir qual risco pode ser considerado aceitável?
REFERÊNCIAS
BOYD, John; ZIMBARDO; Philip. O paradoxo do tempo. Tradução de Saulo Adriano. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
ENGELMANN, Wilson; HOHENDORF, Raquel Von Hohendorff; SANTOS, Paulo Júnior Trindade dos. A inovação nanotecnológica e suas consequências nas Ciências de Impacto: a necessária inovação e adaptação do Direito para dar respostas jurídicas adequadas. In: Caderno de Resumos da III Semana de Ciência Política da UFSCarlos. São Carlos: Editora da UFSCarlos, 2015.