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Tempo, Direito e Processo (Penal)  

Por Andreas Stoffels

O tempo é o controlador do universo. É diante dele que a sociedade se projeta. Em se tratando do Direito, o tempo, igualmente, assume importante papel, tendo em vista que regula o Direito e o processo. Dessa forma, neste breve texto, pretendo expor a importância do tempo em si e a sua relação com o Direito, para num próximo artigo expor a relação do tempo com o processo.

Santo Agostinho ressalta que há extrema dificuldade em definir o conceito de tempo, de modo que se ninguém questionasse o que é tempo, todos saberiam a resposta, porém se alguém lhe perguntar, há extrema dificuldade em conceituá-lo, o que o leva a afirmar que se nada sobrevivesse, não haveria tempo futuro, e, se agora nada houvesse, não existia o tempo presente [1].

Nos primórdios, Newton entendia que tudo era previsível, e o tempo era considerado igual para todos os seres humanos, absoluto e universal, em que o relógio era o símbolo que demonstrava isso, como uma máquina repetitiva. Era o tempo regido por Deus, o grande relojoeiro do universo. No período, bastava conhecer o hoje para saber o amanhã. A partir de Einstein e a sua Teoria da Relatividade é que se passou a pensar no tempo objetivo e subjetivo, ou seja, o tempo é para cada um de acordo com o que se está realizando em determinado momento e local. A partir disso foi esquecido o juízo absoluto, pois para cada indivíduo a percepção do tempo se dá de maneira diferente, ao passo que a mesma paisagem podia ser uma coisa para o pedestre, outra coisa totalmente diversa para o motorista, e ainda outra coisa totalmente diferente para o aviador [2].

Passado, presente e futuro são momentos distintos, mas têm um elo muito importante, pois o passado já foi presente, e o futuro um dia também será presente e passado. Portanto, a relação do tempo com o Direito é constante e permanente, pois o tempo tem o poder de determinar a força instituinte do Direito.

Fraçois Ost estabelece três teses centrais na relação do tempo com o Direito. Na primeira tese, o tempo deve ser visto como uma instituição social, ao prever condutas para que seja possível o convívio em sociedade. Isto antecede a questão do tempo objetivo (sucessão do dia e da noite), e do tempo subjetivo (consciência individual do tempo). A segunda tese diz respeito ao Direito, que tem importante papel para a instituição social, ao exprimir o sentido e o valor da vida em sociedade. A última tese se relaciona com as anteriores, pois o Direito é instituído na sociedade com o passar do tempo, e o passar do tempo demonstra a validade, a segurança e o poder instituidor do Direito. Por essa razão, François Ost sustenta que o direito temporaliza ao passo que o tempo institui [3].

Haveria, ainda, na concepção de François Ost, quatro momentos essenciais para a regulação jurídica do tempo social, quais sejam: memória, perdão, promessa e questionamento. A memória se retrata nos cartórios, documentos e arquivos, ou seja, o Direito é a memória da sociedade. Logo o Direito não existe sem a memória, pelo fato de estar ligado a ideia de tradição, passado. O perdão significa esquecer parte do que aconteceu, mas não esquecer o que ocorreu. Seleciona-se o que deve ser esquecido, pois perdoar não é esquecer tudo, mas é um momento de maturidade, e não guarda relação com a vingança, que era fonte de Direito primitivo (exemplo: Lei de Talião). O perdão é realizado por um terceiro, o Judiciário.  A promessa, por sua vez, relaciona-se com o futuro, em que se pretende ligar o Direito e a sociedade com o futuro, como, por exemplo, o constitucionalismo, “[…] um conjunto de promessas, na tentativa de construir uma nova sociedade no futuro”. O questionamento, por fim, tem a importante função de ligar o Direito com a memória, o perdão e a promessa. Ele não é o rompimento com a memória, pois se não houvesse memória, não haveria passado, não teria história. Da mesma forma ele não rompe com a promessa, pois nesse caso não haveria perspectiva do novo, do futuro. Por essa razão, conforme ensina Leonel Severo da Rocha, O questionamento tem que possuir a capacidade de ligar o Tempo e o Direito com a memória, com o perdão e com a promessa [4].

A sociedade globalizada exige do Direito contemporâneo a produção de novos institutos num curto lapso temporal, a fim de acompanhar o tempo social, tendo em vista que a sociedade vive no tempo instantâneo, marcado pelo imediatismo. Assim, os quatro momentos essenciais para a regulação jurídica do tempo social devem estar sempre presentes, de modo que devem estar inseridos numa velocidade maior, diante da exigência da globalização. Por essa razão, O Direito tem que ter a capacidade de construir, reconstruir e desconstruir o Tempo e a si próprio [5].

Dessa forma, para se pensar no futuro do Direito, o tempo assume importante papel. Deve-se analisar o passado para entender como tudo ocorria nas sociedades antigas, a fim de verificar quais eram as normas vigentes, e entender a evolução social. A partir disso, utilizar tudo que o foi útil, e criar novas regras para enaltecer e fortalecer a ordem jurídica atual, pois o futuro está por vir. O tempo, portanto, acaba definindo os rumos que o Direito deverá adotar para manter a ordem social e garantir um Estado Democrático de Direito.

Em suma, o Direito não está imune ao tempo (e a velocidade com que este passa). Que dizer, então, do processo? De igual forma, não escapa ao tempo, pois está arraigado na sua própria concepção enquanto concatenação de atos que se desenvolvem, duram e são realizados numa determinada temporalidade. A sociedade esquece-se, contudo, que o tempo do direito não acompanha o tempo social, que está em constante mutação. E a problemática reside justamente quando a demanda por justiça instantânea atropela os direitos e garantias do acusado. Sem respeitar o tempo devido do processo (penal), que demanda um tempo próprio mas diferente do (acelerado) ritmo social (uma vez que deve dar oportunidade às partes oferecerem suas armas), os procedimentos são acelerados e as garantias do acusado vilipendiadas.

O tempo reflete diretamente no Direito e, sobretudo, no âmbito do processo penal. Daí por que devemos estudá-lo e buscar compreendê-lo.

Referências

[1] AGOSTINHO, Santo. Confissões. OLIVEIRA, J.; DE PINA; A. Ambrósio (trad.). 26. ed. Petrópolis: Vozes de Bragança Paulista Editora Universitária São Francisco, 2012. (Coleção Pensamento Humano). p. 295-296.

[2] LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao processo penal no prazo razoável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 1.

[3] OST, François. O tempo do direito. LISBOA, Maria Fernanda de Oliveira (Trad.). Instituto Piaget, 1999. p. 12-14.

[4] ROCHA, Leonel Severo. Tempo e Constituição. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; BOLZAN DE MORAIS, José Luís; STRECK, Lenio Luiz (Org.). Estudos Constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 201-202.

[5] ROCHA, Leonel Severo. In: BARRETO, Vicente de Paula (Coord). Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Unisinos, 2006, p. 803.

AndreasStoffels

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