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Tempos Líquidos

Tempos Líquidos (resenha do livro de Zygmunt Bauman)

Em “Tempos Líquidos”, Bauman elenca a insegurança como o grande mote que conduz a obra. O medo é um fator presente principalmente nas grandes cidades, de modo que, dado o constante fluxo de globalização, tem-se a liquidez que se observa nos tempos atuais como um fenômeno decorrente desse processo, a saber, o choque das identidades locais com os poderes globais, fazendo com que os aspectos locais da cidade se percam.

Isso gera uma nova roupagem à noção de identidade, além de acarretar numa nova forma de individualismo, onde os vínculos humanos e a solidariedade se esvaem, o que é caracterizado principalmente por uma face obnubilada da “globalização negativa”, globalização essa que é conceituada pelo autor, em sua forma atual e puramente negativa, como sendo “um processo parasitário e predatório que se alimenta da energia sugada dos corpos dos Estados-nações e de seus sujeitos”.

Disso que se advém a insegurança generalizada, fenômeno esse que é analisado e trabalhado no livro em suas pouco mais de cem páginas.

Dividido em cinco capítulos, o livro traz as reflexões do autor sobre a insegurança presente nas grandes cidades, expondo os fatores determinantes para esse fenômeno.

“A vida líquido-moderna e seus medos”, capítulo inaugural da obra, trata das pressões da globalização para que toda e qualquer barreira de identidades locais seja quebrada. Nada mais acontece isoladamente em algum lugar do mundo, pois o planeta deve estar aberto para a livre circulação de tudo.

A insegurança e o medo que disso resultam na formalização do capital do medo, em que lucram aqueles que se propõem a fornecer a segurança pessoal através do discurso “lei e ordem”, acarretam num círculo vicioso exposto por Bauman.

O segundo capítulo, “A humanidade em movimento”, traz uma fala de Rosa Luxemburgo contextualizada para a atualidade, salientando alguns fatores que levam a submissão à pressão global para que haja toda e qualquer abertura de territórios. Os refugiados, sua condição e o modo com o qual o mundo os vê são questões analisada nesse capítulo pelo autor.

“Estado, democracia, e a administração dos medos”, terceiro capítulo, trata de como se desencadeia a insegurança moderna, que é apontada pelo autor como sendo da suspeita com relação a outros seres humanos e suas intenções, uma vez que não há mais espaço para a confiança no companheirismo humano dada a ausência de disposição para uma relação duradoura e confiável.

Cabendo ao Estado administrar o medo, isso passa a ser um discurso a ser sustentado e trabalhado para determinados fins, o que, dentre outras consequências, tem-se a figura dos excedentes (os que não se enquadram, os que não fazem parte, os que não consomem…) que devem ser mantidos “fora” para que o discurso seja sempre mantido.

“Fora de alcance juntos”, o quarto capítulo do livro, fala de como as cidades se transformaram em abrigos e ao mesmo tempo fontes do perigo que se visa proteger. Os condomínios fechados, anunciados como autossustentáveis e funcionando como comunidades fechadas, criando-se uma espécie de “fora” estando “dentro” de algo, seriam o maior exemplo desse fenômeno observado.

“A utopia na era da incerteza”, capítulo que encerra a obra, trata da utopia sob dois pontos de vista, construindo o autor figuras ilustrativas para metaforizar as formas de se enxergar esse modo de encarar o mundo, a saber, o guarda-caça e o jardineiro, dialogando entre essas posições para refletir se estaríamos testemunhando o fim da utopia.

O livro é pontual e bastante reflexivo. Escrito ao estilo do autor, é bastante claro e compreensível, possibilitando acompanhar o raciocínio de Bauman para se chegar à conclusão de ser a insegurança a marca dos nossos tempos líquidos. Os grandes fenômenos dessa era seriam o desemprego, a criminalidade organizada, a solidão, o terrorismo e o medo sempre presente e insuflado por aqueles que vendem a ideia de segurança pessoal.

As grandes cidades seriam o principal palco onde tudo isso é facilmente observável – e Bauman demonstra as razões disso, dentre as quais, a própria globalização, que acaba por pressionar identidades locais a se abrirem, constituindo essas em estranhos para os outros – que agora juntos coercitivamente convivem direta ou indiretamente, ocasionando, cada vez mais, um ambiente de constante insegurança que se retroalimenta.

“Tempos Líquidos” é um livro que merece ser lido, possibilitando uma maior compreensão dos tempos atuais na perspectiva de Bauman.

Paulo Silas Filho

Mestre em Direito. Especialista em Ciências Penais. Advogado.

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