A (in)aplicabilidade da teoria da causa madura no processo penal
A (in)aplicabilidade da teoria da causa madura no processo penal
A teoria da causa madura é um instituto processual, em especial do processo civil, que tem por finalidade primordial dar maior celeridade ao processo, um dos objetivos do atual código de processo civil desde sua última alteração advinda pela Lei nº 13.105/2015, na qual o Tribunal julgará o mérito do processo em causas exclusivas de direito ou instruídas e prontas para julgamento.
Pretende-se, em razão da finalidade proposta, apresentar sucintos apontamentos encontrados na legislação pátria, o cerne da teoria da causa madura no ordenamento jurídico brasileiro, para, após, metodologicamente, apresentar sua possível aplicabilidade no âmbito processual penal, tendo em vista que o presente texto tem como escopo a tentativa de firmar um entendimento jurídico coerente, servindo-se da experiência de outros autores, citados ao final, nas referências, para prover uma construção doutrinária própria e, assim, melhor exteriorizá-la.
1. A teoria da causa madura
Antes de apresentar o tema proposto para a área processual penal, objeto de interesse do presente texto, convém articular sucinto apontamentos sobre o princípio da razoável duração do processo e da primazia do julgamento do mérito, fundamentais para compreender o instituto processual da teoria da causa madura.
Para que a parte consiga sua pretensão jurisdicional no processo, o gerenciamento temporal do mesmo é fundamento que liga, necessariamente, ao princípio constitucional da duração razoável do processo, amparado pelo inciso LXXVIII do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, do qual se extrai a necessidade do processo iniciar, desenvolver e findar em tempo razoável e adequado.
Outrossim, o atual Código de Processo Civil por meio do §3º do art. 1.013, elenca quatro incisos em que demonstra as hipóteses quando o Tribunal poderá julgar o mérito do processo no momento em que este estiver em perfeito estado de julgamento, em nome do princípio da duração razoável do processo, resguardado que os fatos e fundamentos estejam em consonância pelo amplo contraditório, isso porque seria um desperdício de tempo o processo retornar ao primeiro grau de jurisdição para o cidadão que já procura o Poder Judiciário buscando satisfazer sua pretensão.
Além disso, o cuidado com o lapso temporal está atrelado em buscar a solução integral do mérito da demanda, trazendo à tona o princípio da primazia do mérito. Este, por sua vez, encontra respaldo primordialmente no art. 4º e art. 6º do Código de Processo Civil, ambos com o intuito de otimizar o processo.
A combinação desses dois princípios são de significativa importância ao jurisdicionado, uma vez que dá a ele o que realmente pretende quando promove ou se defende numa demanda: o decisivo desfecho de sua ação. É como se o deslinde do feito devesse dar
quanto for possível praticamente a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir (CHIOVENDA, 2000).
Assim, a teoria da causa madura vem a ser o agrupamento dos dispositivos legais acima transcritos e seus respectivos princípios, em que envolve a possibilidade de encurtar o curso do processo, em razão da desnecessidade de retorno ao juízo de primeira instância. Isso implica dizer que o Tribunal enfrentará desde logo a questão meritória, pois está diante de uma causa madura, ou seja, um processo em perfeito estado para julgamento.
2. (In)aplicabilidade da teoria da causa madura no processo penal
Analisando o art. 3º do Código de Processo Penal, verifica-se que as regras do Código de Processo Civil podem ser aplicadas subsidiariamente no processo penal, isso se dá porque é no processo civil que se encontram os princípios gerais do ordenamento jurídico brasileiro, além de ser considerado a parte técnica mais aperfeiçoada no âmbito processual, podendo o intérprete utilizá-lo, de uma maneira subsidiária, desde que não tenha previsão legislativa divergente no código de processo penal.
Embora com o advento da Lei nº 13.105/2015 que legitimou a chamada teoria da causa madura, o código de processo penal adota um sistema de controle recursal das apelações no tocante às sentenças e decisões com força definitiva, nos termos do art. 593, I e II do CPP, sempre mediante um duplo grau de juízo de admissibilidade, isso porque consoante o art. 581, XV do CPP, caberá recurso em sentido estrito da decisão que denegar seguimento do recurso para o juízo ad quem, o que, fica perceptível a disposição expressa no código de processo penal quanto ao duplo juízo de admissibilidade.
Ademais, existe no processo penal uma situação especial envolvendo procedimento do Tribunal do Júri, quando, tendo por base o princípio constitucional da soberania dos veredictos – art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal – o recurso de apelação for interposto por causa de nulidade posterior à pronúncia (art. 593, III, a, CPP), ou quando o Tribunal ad quem for provocado para ser convencido de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d, CPP), deverá, imperiosamente, ser determinado novo julgamento perante o Conselho de Sentença, como expressamente previsto no art. 593, §3º, CPP.
Buscou-se averiguar na jurisprudência por intermédio do julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo – AP nº 0000571-61.2003.8.08.0003 – em que a turma de desembargadores acordaram em não admitir a aplicação da teoria da causa madura no processo penal em caso de anulação da sentença por ausência de fundamentação da análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, vez que implicaria em reformatio in pejus ao acusado, ou seja, um agravamento da situação jurídica do réu, o que não é admitido na seara penal, bem como por violação ao princípio do duplo grau de jurisdição.
Assim, na seara processualística penal, a aplicação imediata da teoria da causa madura – art. 1.013, §3º, do CPC da Lei nº. 13.105/2015 – encontra forte resistência com o princípio do devido processo legal, consequentemente com os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, limitando à defesa do acusado, o que poderá surtir efeito devastador a sua própria liberdade.
Conclusão
A utilização dessa técnica de julgamento na seara processual penal ainda é vacilante, embora careça de maiores estudos acerca do tema, sua aplicação não pode ferir direitos e garantias daquele que espera por um julgamento justo, com respeito ao princípio do devido processo legal e de todos os princípios que nele encontram-se submetidos.
A posição seguida neste texto é a de que a possível aplicação da teoria da causa madura no processo penal se restringiria às situações que sejam apenas favoráveis ao acusado, como decretar extinção da punibilidade quando o Tribunal ad quem deparar-se com crime prescrito, isso não impediria a regular tramitação processual, ao contrário, daria mais celeridade de decisão para aquele que é a parte mais vulnerável no processo penal e clama por liberdade.
REFERÊNCIAS
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Bookseller: Campinas, vol. I, 2000, p. 112.
DA SILVA, Clarice Santos. A teoria da causa madura no novo código de processo civil: análise da necessidade de requerimento para a sua aplicação. Revista do CEPEJ, Salvador, vol. 20, pp 88-132, jul-dez 2017.
NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 4ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.
POLASTRI, Marcellus. A apelação no processo penal e possíveis influências do CPC de 2015. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 25/05/2019.
TJES, Classe: Incidente de Assunção de Competência. Ap Nº0000571-61.2003.8.08.0003 (003030005718), Relato: Des. Jorge do Nascimento Viana. Orgão Julgador: Tribunal Pleno. Data do julgamento: 09/08/2018. Disponível aqui. Acesso em: 26/05/2019.
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