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Provas ilícitas e a teoria da exceção da descoberta inevitável

Provas ilícitas e a teoria da exceção da descoberta inevitável

Nas últimas semanas os artigos tiveram como escopo teorias aplicáveis em discussões envolvendo a legalidade de provas no processo penal, em ações cuja ilegalidade se conecta em delitos de corrupção em sentido amplo, tendo como principais os crimes de corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Inevitavelmente, devemos destacar que a teoria da exceção da descoberta inevitável, assim como a teoria da fonte independente, origina-se em derivação da teoria do fruto da árvore envenenada, razão pela qual a análise daquelas acaba se misturando com discussões sobre essa.

A teoria da exceção da descoberta inevitável, também oriunda do direito norte-americano, consiste na descoberta da prova derivada de forma independente da forma ilícita, não havendo envenenamento da prova, portanto.

Ela originou-se por meio do caso Nix vs. Williams, em um julgado do ano de 1984, cujo cerne do respectivo case consistiu em uma acusação de homicídio de uma criança. No início do processo criminal buscaram a ajuda de 200 voluntários, dividindo regiões em zonas de busca, de modo a encontrar a localidade do corpo da criança morta.

Contudo, durante a fase de buscas, o réu acabou confessando o delito, detalhando-o melhor e, em decorrência, revelando o paradeiro do corpo do menor. Contudo, tal confissão fora obtida ilegalmente.

Por meio da confissão ilegal, suspenderam as buscas realizadas pelos voluntários, dirigindo-se a polícia para o local detalhado pelo assassino, encontrando o corpo momentos depois.

Veja que, no caso em comento, se inexistissem voluntários buscando o corpo na região que o mesmo fora deixado, certamente entenderiam pela aplicabilidade da teoria do fruto da árvore envenenada sobre a descoberta do corpo e da confissão, a qual chegou a ser discutida em sede processual.

Desse modo, a corte acabou considerando a confissão ilegal, mas, diante da realização de buscas pelos voluntários, a descoberta do local do corpo restaria inevitável, dando origem a teoria objeto do artigo.

Nesse diapasão, independente de outras provas juntadas legalmente, haveria a obtenção inevitável da mesma prova, de forma legal, afastando a inadmissibilidade desta, desde que o ônus probatório fique para a acusação, conforme decidiu a corte americana em 1984, perdurando até os tempos atuais.

É certo que o Brasil inspira-se nas legislações e teorias internacionais, tais como teorias e legislações alemãs, americanas e até mesmo italianas, trazendo-os para o país, de modo a auxiliar em pontos controvertidos existentes, imperando destacar a necessária análise das problemáticas, certificando-se que elas serão adequáveis ao modelo nacional…

Estudo este que não ocorre pelo legislativo/judiciário previamente, pois usualmente são trasladadas após pressões para a instituição de mecanismos hábeis para certas problemáticas, tais como a Teoria da Cegueira Deliberada, utilizada nos EUA sobre a mens rea e trazida ao Brasil para tratar sobre o dolo, claramente diferentes sob o ponto de vista common Law e civil Law, por exemplo.

Contudo, a teoria da exceção da descoberta inevitável foi “vítima” de confusão de redação no ordenamento jurídico brasileiro. Neste ponto, devemos dar atenção a utilização errada do conceito trazido pelo Art. 157, §2º do Código de processo penal.

O legislador buscou delinear sobre a teoria da fonte independente, mas acabou abordando sobre a teoria da exceção da descoberta inevitável, usando mecanismos diversos com designações diferentes, claramente tentando buscar o afastamento da inadmissibilidade da prova ilícita por derivação.

Agora, ultrapassando as barreiras de explicação e delineação da teoria de um modo geral, verifica-se a utilização desta como uma atenuante da teoria do fruto da árvore envenenada, excluindo o envenenamento das provas por conta de situação hipotética que desvelasse a descoberta da prova ilícita ou de certo objeto encontrado ilicitamente.

Realizando a contextualização com a criminalidade econômica, assim como nas outras teorias citadas nas semanas anteriores, ignorando aqui a aplicabilidade dela ou não no ordenamento brasileiro, incumbe destacar sua utilidade em delitos cujo cerne envolva agentes de colarinho branco, corrupção e lavagem de dinheiro.

Não é necessário possuir amplos estudos sobre os delitos econômicos para verificarmos a dificuldade probatória destes casos atualmente. Existem diversos mecanismos tecnológicos atuais, bem como novas modalidades de praticar estes delitos sendo empregadas para a realização destes de forma escondida e de difícil descoberta.

In casu, a teoria da exceção da descoberta inevitável poderia ser aplicadas em casos onde, por exemplo, muito embora a polícia tivesse obtido ilegalmente uma conversa realizada entre dois agentes por telefone, cuja conversa consistia na negociação de pagamento de suborno a agentes públicos, um outro grupo policial poderia ter colocado escuta ambiental na sala onde a conversa fora realizada por telefone e no viva-voz um dia antes e estivesse monitorando.

Veja que, muito embora este exemplo pareça de difícil ocorrência no campo prático, note que a equipe que instalou escuta ambiental constataria a negociação realizada por telefone, de forma independente da interceptação ilegalmente obtida.

Sendo assim, mesmo sendo objeto de confusões legislativas e independente de sua aplicabilidade ou não, não é forçoso reconhecer seu caráter atual como uma atenuante da teoria dos frutos da arvore envenenada posto que o combate à criminalidade econômica cada dia mais é enrijecido por teorias trasladadas, normativos novos e até mudanças jurisprudenciais.

Por esta razão, almeja-se com o presente artigo a continuidade de estudos e montagem de problemáticas envolvendo esta e outras teorias já explanadas, posto que a tendência brasileira, em período de esforços para o combate da corrupção, cada vez mais se aproximam da internalização de teorias e leis estrangeiras, sem verificar o encaixe destas em nosso ordenamento, o que tende a ensejar problemáticas basilares básicas, como a atenuação da teoria dos frutos da árvore envenenada, podendo ferir expressamente a legislação constitucional e infraconstitucional no cerne dos direitos humanos, do direito criminal e do direito processual.


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Suzana Rososki de Oliveira

Advogada criminalista

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