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Teoria do domínio funcional no Mensalão e na Lava Jato

Teoria do domínio funcional no Mensalão e na Lava Jato

O presente resumo visa explicar de forma simplificada a famigerada teoria do domínio funcional, desenvolvida por Roxin e Welzel, bem como explicar o motivo pelo qual fora equivocado o uso dessa teoria no julgamento do Acórdão da Ação Penal nº 470 – vulgo “Mensalão” – e, ao final, espera-se que não se repitam tais erros nos julgamentos que estão por vir envolvendo crimes similares na multicitada “Operação Lava-Jato”.

Esse tema justifica-se na medida em que o julgamento do caso conhecido como “mensalão” trouxe diversas críticas a respeito do uso da Teoria do Domínio Funcional para a condenação de José Dirceu.

Fizemos o uso de vários artigos de diferentes doutrinadores (ALFLEN; PEREIRA et. all.), dentre eles os orientados por Roxin, Luís Greco e Alaor Leite (2015), para que assim possamos esclarecer melhor sobre essa teoria que ainda causa muitas divergências na própria doutrina. Hans Welzel foi um dos primeiros a desenvolver a Teoria do Domínio do fato como critério de delimitação de autoria, ele reconhece ainda três modalidades dessa teoria: autoria direta, autoria mediata e a coautoria, porém por entender que o conceito de domínio do fato é um pressuposto fático da autoria, não faz distinção entre espécies ou formas de domínio do fato (apud BITENCOURT, 2012).

Roxin não aprimorou os estudos de Welzel, mas construiu uma nova perspectiva para essa teoria ao fazer um artigo em 1963 que foi publicado na revista Goltdammer’s Archiv, a publicou com o intuito de oferecer um amparo legal-constitucional em casos excepcionais (como de guerra) como aconteceu com os soldados atiradores do muro na época da divisão alemã. Ele elaborou esse artigo para que militares oficiais superiores fossem condenados como autores do crime e não como meros partícipes, a justiça alemã ao condenar os militares superiores, deixou claro que fez isso porque os soldados eram meros cumpridores de ordens (apud GRECO; LEITE, 2015).

O caso citado é bem diferente do que aconteceu no Brasil, visto que os outros acusados junto com José Dirceu não estavam em uma posição de hierarquia, se cometeram algum crime, fora de livre e espontânea vontade. Para o ministro Lewandowski, a aplicação da Teoria do Domínio Funcional nesse caso foi totalmente equivocada, pois não haviam sequer provas suficientes para a condenação de José Dirceu como “chefe” da quadrilha, e a citada teoria não fora criada com o intuito de afirmar se alguém é ou não culpado, mas sim, definir se a pessoa acusada é autora ou mero partícipe no crime (COSTA, 2014).

Como citado anteriormente, essa teoria deve ser utilizada em casos excepcionais para que não haja uma “banalização”, visto que se formos utilizá-la sempre e para todos os casos, acabaríamos por punir pessoas que nem sequer tinham o domínio do fato como, por exemplo, se observarmos a decisão tomada pelo STF, poderemos facilmente culpar o chefe de uma petrolífera pelo vazamento de óleo no mar, visto que o mesmo tinha o “domínio do fato”?

Pelo visto, na operação Lava-Jato, já vem se pugnando, em sede de alegações finais pelo Ministério Público Federal, pela aplicação da teoria do domínio do fato, como foi feito em relação aos três executivos da Camargo Corrêa: Dalton Avancini, Eduardo Leite e João Auler. Foi justificado, segundo o MPF, o uso da teoria, para apontar a responsabilidade de dirigentes de empreiteiras acusadas de cartel e corrupção “no maior escândalo da Petrobrás – que teria vigorado de 2004 e 2012, em obras de refinarias da estatal” (ESTADÃO, 2015).

Nos memoriais desta ação, o MPF sustentou que “A teoria do domínio do fato possibilita mais acertada distinção entre autor e partícipe, permitindo melhor a compreensão da coautoria e da figura do autor mediato”, transcrevendo-se exatamente o voto da ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, no processo acima citado (Ação Penal 470) como sustentáculo da utilização da teoria. “Tal teoria pode se manifestar pelo domínio da vontade, ou seja, quem pratica o fato criminoso é reduzido por algum motivo à vontade de outrem”, ressaltam os procuradores. “Neste caso, isso pode ocorrer diante do domínio da organização, teoria aceita em nossos tribunais.” (ESTADÃO, 2015)

Ante o exposto, cabe um alerta: nem o Ministério Público Federal, nem mesmo os julgadores, incluindo-se neles o (aclamado) Juiz Sérgio Moro, podem utilizar a teoria definida por Roxin para fins de escolher, casuisticamente, qual versão lhes agrada e qual não, a fim de justificar a condenação de uns autores e de outros não. Coerência é o mínimo que se espera nos próximos julgamentos. Que os erros de aplicação da teoria do domínio funcional, que foram flagrantemente vergonhosos no caso Mensalão, não se repitam nas sentenças da “Operação Lava-Jato”! 


REFERÊNCIAS 

ALFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do domínio do fato na doutrina e na jurisprudência brasileira- Considerações sobre a APn 470 do STF. Revista Eletrônica de Direito Penal. Disponível aqui.

BITENCOURT, Cezar Roberto. A teoria do domínio do fato e a autoria colateral. ConJur. Disponível aqui.

COSTA, Helena Regina Lobo da. A Teoria do Domínio Funcional no Acórdão da Ação Penal nº 470. Crônicas Franciscanas do Mensalão. São Paulo – SP: Quartier Latin do Brasil, 2014.(Comentários pontuais do julgamento da AP 470, junto ao STF, pelos professores de Direito da USP).

ESTADÃO. Lava Jato usa Teoria do Domínio do Fato para pedir condenação de executivos de empreiteira. Disponível aqui. Acessado em: 08.082016.

GRECO, Luís. LEITE, Alaor. A “recepção” das teorias do domínio do fato e do domínio da organização no direito penal econômico brasileiro. Zeitschrift für Internationale Strafrechtsdogmatik. Disponível aqui.

PEREIRA, Samuel Barros. Uma breve análise dogmática da teoria do domínio do fato em face do concurso de pessoas na ação penal 470. Repositório da Universidade Católica de Brasília. Disponível aqui.

TEOTÔNIO, Paulo José Freire; LEONI, Rafaela Aparecida Parizi. Breves  Esclarecimentos Conceituais Sobre Da Teoria Do Domínio Do Fato. Lex. Disponível aqui.

Rafhaella Cardoso

Advogada (SP) e Professora

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