Terrorismo e a Lei 13.260/2016
Terrorismo e a Lei 13.260/2016
Terrorismo:
Substantivo masculino
1. Modo de impor a vontade pelo uso sistemático do terror.
2. Emprego sistemático da violência para fins políticos, esp. a prática de atentados e destruições por grupos cujo objetivo é a desorganização da sociedade existente e a tomada do poder. (grifos nossos).
A Lei 13.260 de 16 de março de 2016 veio regulamentar o artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, trazendo um conceito jurídico para “terrorismo” e os tipos penais e suas sanções concernentes à prática de atos terroristas.
O conceito brasileiro dado a terrorismo está no art. 2º:
Art. 2º. O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
A conceituação jurídica de atos terroristas vem a seguir:
§ 1º. São atos de terrorismo:
I – usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
II – (VETADO);
III – (VETADO);
IV – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
V – atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
Antes que passemos a uma análise jurídica e a uma crítica à maneira rasa com que a referida lei aborda o tema, convém compreender que grupos terroristas são um fenômeno histórico. A conotação política é a base de qualquer movimento terrorista. Um grupo terrorista existe com o fim de tomar o poder político à força, ou abalar o governo existente através do caos. Alguns grupos terroristas agregam às intenções políticas uma dose de fanatismo religioso:
No dia 30 de maio de 1972, após descer no aeroporto de Lod, em Telavive, três homens pegaram suas malas, tiraram delas fuzis e granadas e indiscriminadamente atacaram os passageiros na sala de bagagens. Eles mataram 24 pessoas – principalmente peregrinos cristãos porto-riquenhos – e deixaram outras 72 feridas. A polícia matou um dos terroristas. Outro suicidou-se. O terceiro foi capturado e fez uma confissão.
(…)
O massacre no aeroporto de Lod, embora não tenha sido único – atentados semelhantes se seguiriam -, teve um impacto excepcional nessa época, pois deu um primeiro quadro completo do terrorismo moderno, operado com total impiedade em escala internacional.” (VÁRIOS AUTORES. A era nuclear. – 1950-1990. Pg. 112).
Grupos que se utilizam de atos de terror sempre existiram na história. O que os tempos atuais trouxeram foi o que Margareth Tatchter (1925-2013) chamou de “oxigênio da publicidade”. A mídia, antes no formato da televisão e agora com o advento da internet, deu um novo impulso a esses grupos.
Na atualidade, o chamado “Estado Islâmico”, com atuação no Oriente Médio, tem sido o foco das atenções da mídia, com atrocidades cometidas na longeva guerra na Síria. Longe dos constantes conflitos do Oriente Médio, a história registrou grupos terroristas como os Tupamaros no Uruguai, os Weathermen nos E.U.A, a Angry Brigade na Grã-Bretanha e a Action Directe da França. (Idem, pg. 116).
A maneira encontrada pelas superpotências (leia-se Europa Ocidental e E.U.A.) de lidar com a ameaça de ataques terroristas foi o maior controle de seguranças em fronteiras, aeroportos e portos marítimos, juntamente com maior efetivo de segurança para líderes e eventos políticos. Mesmo assim, vez por outra, lemos nos jornais que o pior aconteceu.
Feita essa introdução histórica, vemos que o conceito trazido pela lei, ao ignorar a motivação política por trás do terrorismo, é, portanto, um tanto quanto raso.
Os tipos penais trazidos pela lei tampouco trazem precisão.
O modus operandi de grupos terroristas são ataques aleatórios em espaços públicos ou privados, com o objetivo de matar ou ferir o maior número possível de civis, seja através de armas de fogo ou uso de artefatos explosivos. A conceituação do Art. 2º, § 1º e seus incisos é imprecisa.
Um dos poucos aspectos positivos da lei é excluir de seu âmbito de aplicação manifestações sociais de protesto:
Art. 2º.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.
Recentemente, a Operação Hashtag causou controvérsia ao prender dez suspeitos de “planejar ataques contra as Olimpíadas”. A operação, nas palavras do periódico El País, foi marcada por um espetáculo midiático, poucas certezas e um dos presos morto por linchamento dentro da cadeia:
Segundo inquérito da Polícia Civil de Mato Grosso, Valdir foi espancado por cerca de 20 detentos na Cadeia Pública de Várzea Grande, por “ser terrorista”, como disse à Pública o delegado Marcelo Jardim: “Existe um código dentro da unidade prisional de Várzea Grande de que terrorista mata crianças e mulheres, que mata gente inocente. O mundo do crime não aceita”. (Reportagem El País)
Do ponto de vista do respeito ao devido processo legal, uma ação desastrosa. Nas palavras de um dos procuradores que acompanhou o caso:
O que existe é uma troca de mensagens”, disse à Pública o procurador Rafael Brum Miron, do MPF de Curitiba, que apresentou a denúncia contra os suspeitos de terrorismo em setembro de 2016. “Dá para perceber uma intenção muito forte de fazer isso. Mas o que não se tem é ‘ah, comprou arma, comprou explosivo’. Um ato concreto disso não existe”, afirmou. E de fato, ao sumarizar sua denúncia de 328 páginas, o promotor circunscreveu a disposição dos suspeitos em praticar um atentando terrorista no Rio ao campo da ‘intenção.” (Reportagem El País). (grifos nossos).
A ação de grupos terroristas e de “lobos solitários” tem sido um desafio às autoridades em Segurança Pública. Mas prender dez civis, com base em trocas de mensagens de Internet e, nas palavras do procurador responsável pelo caso, sem nenhum ato concreto, soa como um absurdo. Nas palavras de George Orwell, crime de pensamento. Uma ação orwelliana.
Esses são os detalhes gerais da primeira aplicação da “Lei Antiterrorismo” no Brasil, país que, até então, registrava poucos casos reconhecidos pela História como atos de terrorismo.
REFERÊNCIAS
VÁRIOS AUTORES. A era nuclear – 1950-1990. Editora Abril Livros: Rio de Janeiro, 1993.
REPORTAGEM EL PAÍS.
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