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Como e quando apresentar a tese de defesa no rito do júri

Como e quando apresentar a tese de defesa no rito do júri

Desde o mais novo estudante de direito a cursar pela primeira vez a matéria processual penal nos bancos da faculdade até o mais experiente operador do direito sabe que o rito descrito do artigo 406 ao artigo 497 do Código de Processo Penal trata especificamente do procedimento que cuida de julgar os chamados crimes dolosos contra a vida. Ou seja, aqueles onde alguém teve deliberadamente a intenção de fazer cessar a vida de outrem.

De plano, fácil perceber que se tratam de pouco mais de noventa artigos, na sua grande maioria contendo diversos parágrafos e incisos, cada um. O que nos leva a crer que se trata, de longe, do procedimento mais elaborado e, portanto, complexo do nosso sistema processual penal. Quiçá, o ritual jurídico contendo o maior número de solenidades no ordenamento jurídico pátrio. Muito mais do que aquele descrito pelo código civil para o casamento, por exemplo.

Mas não é só. Ainda dentro dessa linha de raciocínio devemos observar que conforme também comumente lembrado, o título de tal procedimento relativo aos processos da competência do tribunal do júri – competência essa assegurada desde a Constituição Federal como uma garantia individual inalienável no artigo 5º, inciso XXXVIII -, resta dividido em diversas “fases”, ou, como se depreende da leitura do CPP, em várias “seções”.

Por sua vez, nós trataremos de distinguir esse rito, a “grosso modo”, em duas fases distintas, a fim de tornar mais fácil a percepção do tema aqui exposto.

A “primeira fase” tem o seu iter procedimental muito próximo e, em quase tudo, parecido com o chamado procedimento comum ordinário elencado no artigo 394, § 1º, inciso I, também do CPP, sendo chamada de fase preliminar ou de instrução preliminar.

A “segunda fase”, chamada de fase do plenário ou de julgamento em plenário, tem seu termo inicial após a chamada prolação da decisão de pronúncia e inicia com o ato proferido pelo, agora, juiz presidente ordenando a intimação das partes para, em querendo, oferecerem rol de testemunhas – até cinco – no prazo de cinco dias para deporem em plenário, bem como juntar documentos e requererem quaisquer diligências, tudo quanto determinado pelo artigo 422, também do CPP.

Tese de defesa no júri

Contudo, conforme pontuado, tudo o que descrito até o último parágrafo desse, já quase enfadonho, texto é de sabença comum, e, de acordo com o título apresentado, não condiz com o objeto que se quer apresentar que é como e quando apresentar a tese de defesa no júri.

Porém, antes de adentrar verdadeiramente naquele que deverá ser o nosso tema, será necessária uma breve análise daquilo que se resolveu chamar, na jurisprudência nacional, como sendo o “Princípio do In Dubio Pro Societate”. Este, desde já tratado por anomalia jurídica, pois a um só tempo foi capaz de, não apenas, inverter toda a lógica do Sistema Jurídico Penal, mas também de albergar a inépcia dos operadores do Direito.

Explica-se. Não há dentro da ciência jurídica penal qualquer previsão sobre tal (pseudo)princípio. Resumindo-se, conforme apontado, numa completa inversão da lógica jurídica. Uma vez que cuida de anular sem maiores esforços a Regra de tratamento da Presunção de Inocência, que guia desde o Iluminismo a apontada lógica e dá sustentação a todo o sistema processual penal.

Do ponto de vista da prática, não é sem razão perceber que esta artimanha travestida de princípio foi gestada no ventre da jurisdição com o fito de balizar a falta de capacidade dos operadores do Direito e, no mais das vezes, possibilitar a inércia (preguiça) no momento de decidir sobre o quanto verificado durante a fase preliminar.

Deste modo, não raras são as decisões de pronúncia que contêm chavões de uso comum, tais como: “para a decisão de pronúncia é suficiente apenas prova da materialidade e indícios suficientes da autoria”; “trata-se de competência constitucional de julgamento reservada ao Tribunal do Júri, portanto somente cabe a este juízo singular avaliar a plausibilidade da acusação, a fim de não usurpar a citada competência” e; a mais direta, econômica e desavergonhada menção à “prevalência, nesta fase, do princípio do in dubio pro societate”.

Assim, sob as desculpas dos “meros indícios de autoria” e limitação à fundamentação da decisão de pronúncia, contidas nas normas do artigo 413, caput e § 1º, do CPP, resolveu-se, numa interpretação bastante conveniente ao decisionismo jurídico, erigir o famigerado princípio do in dubio pro societate, que encontra morada nas decisões jurídicas desde o recebimento das denúncias e demais iniciais acusatórias, portanto, desde o nascedouro processual penal.

Para mais, melhores e aprofundadas críticas ver os estudos do Professor Aury Lopes Jr., porquanto este não é o objetivo do presente artigo.

Tese de defesa no júri: como e quando apresentar

Tomando todo o dito como base, passamos à análise do objeto tema deste breve estudo da prática forense, qual seja, como e quando apresentar a tese de defesa no rito do júri.

Pois, cabe ao operador do Direito, notadamente o defensor, diante de tamanha distorção dos apontados Princípios, cuidar de, em face do melhor interesse do réu, enxergar a estratégia que mais convém para a defesa.

O que se quer dizer com isso, a bem da verdade “nua e crua”, é que ante a quase certeza da pronúncia do réu por força da pouco exigida necessidade de elementos probatórios convincentes para o recebimento da inicial acusatória e, posteriormente à instrução da fase preliminar, decisão de pronúncia determinando o julgamento do réu pelo Tribunal do Júri, não deve, ao menos não na maioria dos casos, o defensor, revelar qual tese pretende mais acertada para a defesa do seu constituinte.

Enquanto não for sanada tal mentalidade inquisitória que permite a acusadores e julgadores decidir sobre a vida de seres humanos sem uma profunda análise fática condizente com a Regra basilar da Presunção de Inocência e o seu corolário que é o Princípio do In Dubio Pro Reo, deve o defensor cuidar de ter o elemento surpresa, portanto, também “artimanha”, a fim de somente deflagrar a tese defensiva no momento dos debates orais quando da sua fala, após a acusação, e, eventualmente, após a réplica, no decorrer da tréplica, quando a acusação não poderá mais debater.

Contudo, não existe aqui qualquer pretensão de predeterminar regra universal e infalível de atuação pelo defensor.

Conforme se trata de coluna cujo recorte temático deve estar direcionado à prática forense o que se quer é demonstrar um importante método que poderá ou não auxiliar no dia a dia do defensor. Assim, a decisão de apresentar a tese antes da decisão de pronúncia, seja na resposta à acusação ou nas alegações finais vai de cada caso específico e das circunstâncias que o cercam.

Cabe ao defensor avaliar cada um dos fatores que compõem e influenciam o processo, notadamente o grau de contundência do corpo probatório e do entendimento do juiz responsável pela instrução e prolação da decisão de pronúncia. O que, conforme dito, varia de caso para caso.

E mais. Trata-se de estratégia que tem o intuito de turbar a inquisitoriedade que permeia o procedimento do júri. Contudo, de acordo com o quanto escrito, trata-se de estratagema que possui respaldo em regra constitucional, qual seja, aquela contida no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “a”, da Constituição da República.

Desta feita, antes que quaisquer aguerridos acusadores sistemáticos ou julgadores inquisitoriais bradem contra a presente tática, cabe, inclusive ao leitor, rememorar a grafia da palavra artimanha acima, pois, uma vez ter sido utilizada durante todo o decorrer do texto na sua forma pejorativa, a mesma fora grafada entre aspas intencionalmente como forma de – agora se explica – demonstrar não estar se falando, em relação à defesa, por força da Plenitude de Defesa, de qualquer tipo de recurso sorrateiro.

Muito pelo contrário é permitido e será sempre estimulado quando da atuação defensiva durante o plenário de julgamento do Tribunal do Júri, o advento de teses defensivas que encontrem respaldo nos fatos da vida e não estejam vetadas pelo Direito ou possuam qualquer contorno antiético. Este último a gerar inclusive sanções disciplinares de natureza administrativa junto ao tribunal de ética profissional da respectiva seccional a qual o defensor esteja filiado.

Uma última advertência se faz necessária, pois não será incomum encontrar magistrados que em nome da paridade de armas e da dialética processual tendam a reabrir os debates quando eventualmente a defesa apresenta nova tese defensiva ainda não discutida durante qualquer fase do processo somente durante a tréplica.

Porém, ainda assim, será uma enorme vantagem para a defesa arguir tal novidade. Basta pensar que a acusação, muito provavelmente, não se preparou para rebater tais argumentos de forma adequada, o que certamente não surtirá o efeito desejado no tocante ao convencimento do corpo de jurados.

Ainda assim, faz-se necessário ao defensor insistir em falar mais uma vez após a reabertura dos debates, pois é prerrogativa natural da defesa rebater todos os argumentos apresentados pela acusação e, com isso, atuar por último no processo. O que não deixa de ser mais uma vantagem para a defesa já que terá ainda mais tempo para discorrer sobre os temas apresentados.


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Gianluca Sá Mantuano

Pós-graduando em Ciências Criminais. Advogado criminalista.

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