Teses defensivas no crime de estelionato
Teses defensivas no crime de estelionato
Olá amigos, espero que estejam bem.
Seguindo o nosso compromisso de apresentar teses defensivas para os nossos leitores, hoje iremos abordar o crime de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal.
Teses defensivas no crime de estelionato
Primeiro, importante descrever o tipo penal, para que se possa analisar com maior profundidade. Não se pretende exaurir o tema, tampouco sugerir “modelo padrão” de defesa, até porque o caso concreto e os elementos do processo serão o norte do defensor, do MP e do julgador, na análise do fato.
Vejamos o artigo 171 do CP:
Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
§ 1º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.
Nesse quadrante, temos que são cinco os elementos necessários para a pratica delituosa supra, a saber:
1) obtenção de vantagem;
2) causar prejuízo a outrem;
3) utilização de meio ardil,
4) induzir alguém a erro.
5) dolo.
Para caracterização do delito previsto no art. 171, caput do CP, é imperiosa a comprovação de que o agente tinha por objetivo concretizar todos os elementos contidos no tipo do art. 171 do CP.
Nos dizeres de Paloma Costa:
O estelionato é caracterizado pela fraude. Onde, a partir dela, o sujeito passivo da relação jurídica é induzido ou mantido em erro para a obtenção da vantagem ilícita, em prejuízo alheio. Ou seja, consegue-se um benefício ou lucro ilícito em razão do engano provocado na vítima e essa colabora com o agente sem perceber que está se despojando de seus bens.
(…) A fraude, que ludibria o sujeito induzindo-o ou mantendo-o em erro, pode ser empregada por meio de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. A doutrinação jurídica não concorda quanto a diferenciação dos termos artifício ou ardil, dessa maneira, incluir outras fraudes no texto do artigo faz com que: se não se concordar se se trata de artifício ou ardil, caracteriza-se como outras fraudes. Assim, a tipificação do crime de estelionato não se encontra comprometida por interface dessa discordância doutrinária.
(…) É indispensável que o meio empregado para enganar a vítima seja idôneo. Dessa maneira, em se tratando de relativamente idôneo, se configurará como tentativa de estelionato. Contudo, se se configurar como absolutamente idôneo será um caso de crime impossível, por absoluta ineficiência do meio empregado. Consuma-se o estelionato, em sua forma fundamental, no momento e no lugar em que o agente obtém o proveito a que corresponde o prejuízo alheio.
Nesse cenário, é possível que o acusado da prática do estelionato, na verdade, tenha incorrido em erro de tipo, pois, por exemplo, não sabia que estava induzindo alguém a erro (acredita na legalidade de sua conduta), o que excluiria o crime. Vejamos uma decisão nesse sentido:
ERRO DE TIPO CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO DO RÉU. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Da análise do art. 171 do CP , inferem-se cinco requisitos necessários ao cometimento do crime de estelionato: a) obtenção de vantagem ilícita; b) prejuízo alheio; c) induzimento ou manutenção de alguém em erro; d) emprego de artifício, ardil ou outro meio fraudulento; e) dolo. 2. O fato de o réu ter percebido valores atinentes a benefício de aposentadoria por invalidez devido a homônimo no período de novembro/2007 a março/2009, por si só, não caracteriza o emprego de dolo, sobretudo levando-se em consideração a crença de que as quantias lhe eram devidas e as condições pessoais do acusado – trabalhador rural, humilde e sem escolaridade. 3. O erro de tipo (art. 20 do CP ) exclui o dolo da conduta e, não havendo previsão para a modalidade culposa em nossa legislação, não se caracterizado o crime de estelionato majorado previsto no art. 171 , parágrafo 3º , do CP . 4. Apelação desprovida.
De outra sorte, quando o Ministério Público não obter êxito em comprovar, sem sombra de dúvidas, que o réu tinha o dolo específico de causar prejuízo alheio quando da consumação do suposto delito, estaríamos diante de fato atípico.
Não é toda conduta que poderá ser considerada estelionato, em homenagem ao princípio da intervenção mínima (ou da subsidiariedade). É dizer que a lei penal só deverá intervir quando for absolutamente necessário para a manutenção da ordem e do bem estar social, como ultima ratio.
A este respeito já julgou o STJ:
PROCESSUAL PENAL. DEPUTADO FEDERAL. ESTELIONATO. QUESTÃO INERENTE À ESFERA PRIVADA. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. I – Denúncia pela suposta prática do crime de estelionato (art. 171, caput, do Código Penal). II – Obtenção de vantagem ilícita mediante alegada simulação de contrato de natureza civil. III – Simples descumprimento de dever contratual, em contexto que deveria ter permanecido circunscrito à esfera cível. IV – Atipicidade (art. 386, III, do Código de Processo Penal). V – Ausentes elementos de prova aptos a propiciar condenação. VI – Absolvição por deficiência de provas, com base no art. 386, V, do CPP. Processo:AP 612 RS Relator (a):Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgamento:22/05/2014 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014 Parte (s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MARCO ANTÔNIO FELICIANO RAFAEL NOVAES DA SILVA.
Importante falar sobre a aplicação do princípio da insignificância no crime de estelionato.
Como se sabe, o princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
O princípio da insignificância poderá ser aplicado ao crime de estelionato, fulminando a tipicidade material. Contudo, quando o crime é cometido contra a administração pública, os Tribunais Superiores tem negado aplicação do aludido princípio.
O princípio da insignificância é inaplicável ao crime de estelionato quando cometido contra a administração pública, uma vez que a conduta ofende o patrimônio público, a moral administrativa e a fé pública, possuindo elevado grau de reprovabilidade (RHC 056754/RS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Julgado em 03/05/2016, DJE 12/05/2016).
O Supremo Tribunal Federal, ainda exige, para a aplicação do princípio da insignificância, além do aspecto objetivo, que não se trate de criminoso habitual (requisito subjetivo). Nesse sentido o RHC 123901 / RS.
Mesmo que não se entenda pela aplicação do princípio da insignificância, vale lembrar que ao crime de estelionato se aplica o previsto no artigo 155, parágrafo 2° do CP, ou seja, “se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
Outrossim, é perfeitamente aplicável o instituto do arrependimento posterior (artigo 16 do CP). Dito de outra forma, se o agente reparar o dano ou restituir a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário, a pena será reduzida de um a dois terços. Contudo, se o agente não reparou o dano ou restituiu a coisa até o oferecimento da denúncia ou queixa, por qualquer que seja o motivo, poderá, posteriormente, buscar minorar ou reparar o dano, ocasião em que será agraciado com a aplicação da atenuante do artigo 65, III, b do CP.
Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
III – ter o agente:
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
Ademais, em caso de condenação, deverá ser analisado, pelo magistrado, as circunstâncias judiciais (culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime – artigo 59 do CP).
Deve-se ficar atento, ainda, a aplicação do artigo 44 do CP, substituindo a pena privativa de liberdade por restritivas de direito.
REFERÊNCIAS
COSTA, Paloma. Análise do art. 171 do Código Penal. Disponível aqui. Acesso em: 21 jun. 2019.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Arrependimento posterior e privilégios nos crimes patrimoniais não violentos em caso de ressarcimento de dano. Disponível aqui. Acesso em: 18 ago. 2019.
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