Teses de defesa na Lei de Drogas: o usuário (Parte 2)
Olá meus amigos, na coluna de hoje vamos dar continuidade às análises de algumas teses de defesas que podem ser arguidas em determinadas situações.
Na coluna passada (Teses de defesa na Lei de Drogas: o usuário), tratamos de um caso em que um indivíduo é acusado da prática do crime previsto no art. 28 (Usuário) da lei de drogas e analisamos algumas questões que poderiam ser aplicadas.
Hoje (Teses de defesa na Lei de Drogas: o usuário – Parte 2) vamos analisar as hipóteses em que um usuário de droga, mais especificamente um viciado ou alguém que pelo menos em tese alegue ter usado a droga inadvertidamente ou sob coação, pratica algum crime (qualquer que seja o crime) até mesmo como instrumento para sustentar o próprio vício.
O que é possível alegar? Quais os institutos trazidos pelo ordenamento jurídico aplicáveis a essas hipóteses?
Importante ressaltar que o breve discorrer sobre as teses aqui tratadas não deve ser compreendido como uma forma de incentivar quem quer que seja à prática de crimes, mas sim, como uma análise técnico-jurídica dos institutos previstos na lei e que, em algumas situações, devemos arguir em favor dos nossos clientes.
Trataremos da hipótese portanto de um viciado em Crack (registre-se que a hipótese é meramente exemplificativa, podendo aplicar-se a qualquer outra substância), que durante uma crise de abstinência pratica um latrocínio como forma de conseguir algum dinheiro ou um bem para adquirir a droga para consumo pessoal.
Lembrem-se de que o crime de latrocínio está previsto no art. 157, § 3º, in fine do Código Penal e que trata-se de um caso concreto de roubo qualificado pelo resultado morte.
Exemplo: imagine que Paulo (nome fictício) durante uma crise de abstinência de crack, pois estava há 2 dias sem consumir a droga, intercepta Joaquim e bate com uma barra de ferro em sua cabeça para subtrair um par de tênis que seria trocado pela droga para consumo pessoal, com a agressão a vítima vem a falecer consumando-se o crime de latrocínio.
No caso concreto, como já analisamos no artigo anterior, a lei de drogas trata o usuário como alguém que carece de tratamento médico e não de repressão policial. Mesmo nas hipóteses em que esse usuário, sendo viciado na droga, pratica outros crimes em geral para sustentar o próprio vício.
Semelhante às hipóteses de inimputabilidade previstas nos artigos 26 e 28 do Código Penal, a lei de drogas traz alguns institutos que podem ser aplicados equiparando o vício da droga ao doente mental, e o uso da droga às mesmas hipóteses do uso do álcool ou substância de feitos análogos.
O artigo 45 da lei 11.343/06 institui que:
É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Ao analisarmos as disposições previstas, é portanto possível identificar que a dependência da droga foi equiparada pelo legislador à doença mental com a mesma disposição prevista no caput do art. 26 do Código Penal, trazendo assim uma isenção de pena com o reconhecimento da inimputabilidade.
Cumpre destacar que o advogado de Paulo (nosso cliente fictício do caso acima), caso perceba a existência de indícios de que o acusado possui traços de dependência da droga, o que pode ser percebido, por exemplo, com a existência de internações anteriores para tratamento, deverá requerer a realização de exame toxicológico que poderá determinar se o cliente é dependente de drogas.
Caso o resultado seja positivo, abre-se a possibilidade real de que o juízo deva reconhecer a inimputabilidade prevista no art. 45 da lei de drogas na hipótese de ser
isento de pena o agente que, em razão da dependência, (...) de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Esses exames devem ser realizados por profissionais capacitados, geralmente por psicólogos, psiquiatras ou médicos de clinicas de tratamento de viciados, e poderá resultar na aplicação da excludente de culpabilidade.
Cumpre ressaltar que a negativa de realização do exame por parte da autoridade judicial, sobretudo quando há histórico de internações, segundo o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus nº 118.320 – DF, configura nulidade processual que pode ser sanada inclusive pela via mandamental, tendo a corte ementado sua decisão nos seguintes termos:
Diz o art. 45 da Lei nº 11.343/06 ser isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. É certo que o pedido de diligências – no caso, realização de exame de dependência toxicológica – pode ser indeferido pelo Magistrado, desde que o faça em decisão devidamente motivada. Na hipótese, carece de efetiva fundamentação a decisão do Juízo singular, principalmente diante dos elementos que evidenciam a necessidade da perícia. Ordem concedida com o fim de anular o processo-crime originário, com a determinação de realização do exame de dependência toxicológica.
Ou seja. É imprescindível o pedido de realização do exame por parte da defesa para que, caso haja negativa infundada por parte do juízo de 1º grau, possam ser propostas as medidas cabíveis para atacar tal negativa.
E assim, caso se reconheça que Paulo praticou o crime de latrocínio para sustentar seu vício, já que ele estava em uma crise de abstinência, provavelmente será reconhecida a excludente absolvendo-o da prática do latrocínio.
Registre-se que absolvição poderá ter o encaminhamento para tratamento médico nos termos do § Único do artigo 45 da lei 11.343/06.
Outra hipótese prevista na lei é o caso em que Paulo, sob o efeito do uso da droga, desde que isso decorra de caso fortuito ou de força maior, também deverá ter direito à excludente de culpabilidade acima citada, pois o art. 45 também afirma ser
isento de pena o agente que, (...) sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Imagine que seu cliente tenha sido forçado ao uso da droga (como pode acontecer num trote universitário, ou mesmo em outras circunstâncias), ou ainda, que a utilização tenha ocorrido de forma acidental, já que é possível que o agente acabe consumindo a droga sem sequer saber de que substância se trata, e sob o efeito dessa droga tenha praticado um crime qualquer.
Há também a aplicação da excludente nessa hipótese, caso na realização do exame fique constatado que o cliente, no momento da ação ou omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Registre-se que aqui não há elementos que justifiquem, como regra geral, a aplicação do § único do art. 45 da lei de drogas já que não seria necessário, ao menos em tese, o encaminhamento para tratamento médico. Nosso cliente deverá ser simplesmente absolvido.
Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.
Claro que é possível que o resultado do exame toxicológico apresente resultado positivo para a dependência ou para o uso da substância mas não indique que o agente, no momento da ação ou omissão, seria incapaz de compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Mesmo assim abriríamos a hipótese de reconhecimento da causa de diminuição de pena prevista o artigo 46 da lei de drogas que institui que:
As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Essa portanto seria uma hipótese em que o cliente teria praticado a infração penal (lembrem, qualquer que tenha sido, não importa) em razão da dependência ou sob o efeito da droga, mas sem perder a plena capacidade de compreensão.
Claro que o simples reconhecimento da dependência ou de que tenha o cliente usado a droga, trará uma perspectiva boa de reconhecimento ao menos da causa de diminuição de pena, e servirá como fundamento para os recursos caso o juiz de 1º grau não reconheça.
É importante ter em conta que a lei de drogas traz a excludente para os casos em que o agente pratica qualquer crime, pois como se vê na fórmula “qualquer que tenha sido a infração penal praticada”.
Assim, caso o agente pratique um roubo, um latrocínio, ou tráfico de drogas, um furto, ou mesmo um estupro, é sim possível arguir as teses de defesas citadas já que o legislador deixou clara a aplicação do instituto a “qualquer infração penal”, ou seja, mesmo às contravenções penais ou crimes previstos em qualquer lei.
Outro fundamento que pode ser usado para corroborar essas teses é de que a política criminal adotada pelo legislador passa pelo reconhecimento de que o usuário de drogas não deve sofrer represália policial, mas sim, tratamento médico, como se vê no artigo 1º da lei de drogas que afirma que:
Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Bem meus amigos, na nossa próxima coluna, vamos tratar das teses de defesas aplicáveis aos crimes contra a ordem tributária, previstos no Código Penal e na lei 8.137/90.
Um abraço e até a nosso próximo encontro.