Teses sobre homicídio (parte 11)
Por André Peixoto de Souza
Homicídio passional clássico: “triângulo amoroso”. Comunidade pequena, pequeníssima. Interiorzão do Brasil. O acusado vai a júri, por crime ocorrido há duas décadas – quando a comunidade conseguia ser ainda menor! Em formação… terra virgem, pioneiros desmatando e erguendo as primeiras construções. Todos se conhecem, no passado e no presente.
Algumas hipóteses para o crime, e o acusado se encaixa numa delas. Outros dois suspeitos complementam importantes hipóteses, mas as investigações param no acusado. Não se sabe, sinceramente, o motivo dessa “parada” (também existem hipóteses!). Processo também “parado”, pois o acusado havia há muito saído da comunidade. Não exatamente foragido, mas em busca de outras oportunidades de vida: a capital… cidade grande! Trabalho, família.
O retorno a uma origem perdida é sempre emblemático. Quem encontrará? (pessoas); como estará? (geografia); onde pousará? (relações)… E as pessoas são as mesmas, os locais são os mesmos, as relações permanecem – ao menos na memória, no afeto. Crianças evidentemente desconhecidas correm pela [ainda única] praça da cidade, veículos automotores ainda que modestos substituem os tratores e carroças do princípio, e os dentes e cabelos daqueles amigos de antigamente já se foram; amigos também já se foram.
O júri é apregoado.
A formação do Conselho de Sentença é curiosíssima! Todos, absolutamente todos conhecem o réu; todos, absolutamente todos conhecem o crime; todos conhecem as três hipóteses para o crime; todos conhecem os destinos dos três envolvidos nas três hipóteses do crime. Juiz e Promotor rodam a região, dividindo-se entre quatro ou cinco Comarcas. Dois ou três Advogados na cidade. E todos, absolutamente todos eles pertencem a um mesmo clube social ou religioso ou filantrópico ou como quer que se chamem esses clubes sociais franceses ou ingleses ou americanos que se espalham pelo mundo, mesmo no interiorzão do Brasil.
Uma singela reflexão acaba sendo inevitável para esse caso: em que condições poderia ser o réu levado a julgamento? Não se fala em suspeição, em desaforamento, em prescrição etc. A pergunta remete às condições interiores de toda uma comunidade à qual o réu pertenceu, a uma história – não a limitada história do crime, mas à história da comunidade, na qual “pertence” o crime e o réu e os jurados e as testemunhas e os serventuários e todos os atores do júri.
Como o réu poderia ser julgado? Não existiriam momentos ou conjunturas em que o réu simplesmente não mais – nunca mais – poderia ser levado a julgamento? Circunstância, por exemplo, como a sua notoriedade, como a sua teia relacional, como a exacerbação midiática do crime, como o tempo do crime… (há que se lembrar de Carnelutti: ”a história de um homem (…) não é composta apenas pelo seu passado, mas também pelo seu futuro. Eu não sou apenas o que já fui, mas também aquilo que tenho sido e tenho possibilidades de ser” – e, assim, o tempo do crime se torna deveras relevante, pois passadas duas décadas sem que o réu tenha delinquido é boa demonstração de não ser o réu um delinquente, seja culpado seja inocente do caso em apreço…).
A notoriedade de um acusado macula QUALQUER decisão [prévia] a seu respeito. O acusado altamente sociável recebe tratamento diferenciado desde a especulação sobre o crime. Causa perplexidade, é verdade; mas causa uma piedade incompatível com a isenção de espírito que se traduz na principal característica do jurado.
As relações sociais do acusado igualmente maculam a predisposição dos jurados. A apreciação do processo se torna mais uma questão psicológico-relacional do que técnico-jurídica (ou mesmo retórica).
A superexposição midiática macula – e muito! – o resultado de um julgamento, pois os jurados submetem-se ao compromisso legal plenos de conhecimento sobre a causa, havendo debatido a natureza do crime nos lares, nos bares, na vizinhança, nas escolas, nas instituições.
Sim, existem crimes e respectivos acusados que não podem jamais ser julgados! QUALQUER resultado terá sido injusto.