Por André Peixoto de Souza
Matar por dinheiro.
Latrocínio: matar para roubar.
Matador de aluguel, pistoleiro, assassino profissional: contratado para matar.
Morte por disputa de terras: conflito agrário, propriedade privada.
Morte por falta de pagamento de agiotagem, milícia e “taxas e pedágios”.
Traficante que mata ou manda matar porque a vítima não pagou a dívida do tráfico.
Usuário que mata o traficante para não pagar a dívida do tráfico.
Usuário que mata o(s) pai(s) por não lhe dar(em) dinheiro para drogas.
Matou (e se matou) ao contratar/impor o transporte de (ou ao transportar) drogas no estômago.
Execução por ponto de tráfico ou de “negócios” (no caso das máfias).
Perdedor de aposta ou jogo que mata para não pagar a aposta: o clássico motivo fútil.
Empresário mata o fiscal para se eximir da fiscalização e das multas.
Mata o comparsa ou a testemunha para acobertar crime financeiro (do roubo ao colarinho branco).
Sócio de empreendimento lícito ou ilícito que mata o(s) outro(s) sócio(s) para ficar com o saldo integral do empreendimento.
Amigo ou conhecido que mata amigo ou conhecido em discussão ou briga por dinheiro.
Guardador de carro que mata motorista que não lhe deu dinheiro pelo “bem cuidado”.
Herdeiro ou beneficiário que mata para ficar com herança ou seguro.
Engenheiro que mata famílias inteiras para economizar o material da construção civil.
Matar o credor para se aliviar de dívidas financeiras.
Matar-se para se aliviar de dívidas financeiras.
Governantes corruptos que, por dinheiro – a qualquer finalidade – matam governados: de fome, de educação, de dignidade.
Deus tenha piedade de suas almas!
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A razão financeira é um dos pilares de sustentação do crime de homicídio. Invariavelmente, em qualquer nação, no passado ou no presente, está diretamente conectada ao fator desigualdade sócio-econômica.
Ao “homicida financeiro” falta reconhecimento (anerkennung). O processo dialético “do senhor e do escravo” não se completou, e qualquer ideal projetado pelo suposto sujeito (seja senhor, seja escravo) jamais poderá ser atingido. Essa barreira – erigida sob a forma direta da inacessibilidade econômica – gera a frustração pela privação, que conduz o suposto sujeito, detentor do “objetivo de vida” de se fazer sujeito, a matar. Destruir, aniquilar o seu “oponente” no jogo da vida e projetar a condição financeira desse “oponente” na sua própria subjetividade.
Portanto, só há duas maneiras de completar o processo de reconhecimento: equiparando todas as pessoas (a utópica igualdade plena) – os dois partícipes do processo são economicamente iguais; ou anulando o outro (pela morte) – um dos partícipes desaparece e não há mais relação, logo, fica desnecessário o reconhecimento, por emancipação.
O dinheiro conduz à morte!
Foi a gana por dinheiro que inventou a primeira pena moderna. Vide o crime de mendicância; pena: remar nas galés; para cruzar o Oceano e saquear as colônias em favor das metrópoles. O que não se conta é que mais da metade dos condenados morriam no percurso (de exaustão ou de fome e sede ou de doenças). Foi a ganância econômica que inventou o cárcere moderno e a força de trabalho do cárcere moderno, baseado na máxima exploração dos condenados. Foi o mercado de capitais que inventou a privatização dos presídios e a contabilização dos presos como commodities. É o dinheiro que conquista privilégios para presos ricos, desde um canto sossegado para dormir num xadrez lotado até o pagamento de uma fiança ou a liberdade comprada com um Habeas Corpus.
Enquanto o dinheiro estiver no centro de um sistema social (e mesmo econômico), enquanto o dinheiro for o senhor de toda a sociabilidade, enquanto o dinheiro – produto de Mefistófeles, o mestre das ilusões! (Goethe) – ditar a forma do comportamento humano, ainda estaremos permanentemente sujeitos – ATIVOS E PASSIVOS – ao homicídio por razões pecuniárias.