Tráfico de animais: uma atividade ilegal baseada no sofrimento
Tráfico de animais: uma atividade ilegal baseada no sofrimento
Graças a uma denúncia anônima, no dia 19 de abril de 2018 foram apreendidos pela Polícia Ambiental de Guarulhos (SP) 562 animais vítimas do tráfico de vida silvestre.
Foram encontrados, esmagados dentro de caixas de papelão e de sacos plásticos, 427 jabutis, 87 iguanas, 21 saguis, dois falcões, duas corujas e 23 pássaros de várias espécies, sendo que 16 já chegaram mortos ao Centro de Recuperação de Animais Silvestres (Cras), localizado no Parque Ecológico do Tietê.
Os animais vieram da Bahia e seriam vendidos em mercado clandestino. Estavam no bagageiro de um ônibus de turismo e viajaram dois dias até chegar a São Paulo. Três pessoas foram detidas por violarem os artigos 29 e 32 da Lei 9605/98, que se referem a manter em cativeiro animais silvestres e maus-tratos, porém foram liberadas em seguida.
A coordenadora do Cras afirmou que muitos animais não suportarão os ferimentos e calcula que de 30 a 50% não sobreviverão. Alerta, ainda, que o mais importante é as pessoas evitarem comprar animais sem a certificação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e que é preciso ter consciência.
A apreensão do dia 19 de abril conseguiu barrar a comercialização desses 562 animais, mas, muitas vezes, os traficantes obtêm sucesso em seu intento. O comércio de vida silvestre, na qual se inclui a fauna, a flora e seus produtos e subprodutos, é considerada a terceira maior atividade ilegal no mundo.
Fica atrás, apenas, do tráfico de armas e de drogas. Levando-se em consideração apenas o tráfico de animais silvestres no Brasil, é estimado que cerca de 38 milhões de exemplares sejam retirados anualmente da natureza. O Ibama calcula que para cada animal silvestre que chega a um dono pelo mercado ilegal, nove são mortos. As causas variam de ferimentos e sufocação até falta de comida e água.
A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Extinção (CITES) é um tratado para proteger e conservar a fauna e a flora selvagens. Foi adotada em 1973 para garantir a sobrevivência a longo prazo de qualquer espécie que esteja ou possa estar ameaçada pelo comércio.
Seus 181 Estados-Membros, até o momento, regulam estritamente o comércio internacional de fauna e flora silvestres cobertas pela CITES, por meio de um sistema de permissões e certificados. Pode-se afirmar, portanto, que a CITES é uma das ferramentas mais poderosas do mundo para a conservação da biodiversidade por meio da regulamentação do comércio de vida selvagem.
Ela regula o comércio internacional em mais de 35.000 espécies de plantas e animais, incluindo seus produtos e derivados, garantindo sua sobrevivência na natureza com benefícios de subsistência para a população local e o meio ambiente global.
Seu sistema de licenças procura assegurar que o comércio internacional de espécies listadas seja sustentável, legal e rastreável. O Brasil é membro da CITES por meio do Decreto nº 3.607, de 21 de setembro de 2000.
Mas, apesar das medidas destinadas a combater o tráfico de espécies ameaçadas, o tráfico de animais silvestres cresce em nível global. Isso acontece porque o tráfico de animais selvagens é muito atraente para os criminosos, sendo altamente lucrativo.
Na maioria dos países há uma baixa prioridade na aplicação da lei em comparação com outras formas de tráfico. Portanto, o risco de detecção e a aplicação de penalidades são muito limitados. Há, também, ligação entre o tráfico de animais e outras formas de crime organizado, e pode-se dizer também que o tráfico local e o internacional de animais selvagens estão interligados.
No Brasil, por exemplo, o tráfico doméstico de animais é muito praticado por pessoas humildes que, devido à sua condição social e econômica – e por não terem acesso à educação ambiental –, consideram a venda ilegal de animais uma forma de sobrevivência.
O Brasil é um dos principais países do mundo que comercializa e exporta ilegalmente fauna e flora. Sua condição de país periférico no cenário econômico mundial, aliada à riqueza de sua biodiversidade, às dificuldades operacionais, à ineficiência do governo e às más condições de vida prevalentes na maior parte de sua população contribuem para perpetuar e reforçar essa situação.
A maioria dos animais e seus subprodutos originários do Brasil e contrabandeados regularmente para a Europa, EUA e Japão são enviados primeiramente para Bolívia, Paraguai, Colômbia, Argentina, Guiana, Venezuela, Panamá e México, onde geralmente são legalizados com documentação falsa.
Entre as principais cidades europeias importadoras e receptoras da vida selvagem brasileira estão Antuérpia, Bruxelas, Amsterdã, Roma, Milão, Frankfurt, Stuttgart, Viena e Londres.
No Brasil, a ineficiência das agências encarregadas de aplicar a legislação de controle e controle ambiental está diretamente associada à falta de vontade política para implementar políticas públicas que conciliem o crescimento econômico do país com programas de conservação de recursos naturais.
O controle do tráfico de animais silvestres no Brasil ocorre, em sua maioria, por denúncias anônimas. Há vigilância nas rotas já conhecidas como utilizadas pelo crime, com a ajuda da Polícia Federal, mas os animais são transportados, muitas vezes, em veículos pequenos, para não atrair a atenção dos agentes.
Utilizam-se técnicas que levam muitas espécies à morte, como malas ou fundos falsos de carros falsos, e os traficantes preferem filhotes porque dão pouco trabalho e atraem menos a atenção.
A atual Constituição Brasileira, promulgada em 1988, inclui um importante instrumento legal para a proteção das espécies que compõem a nossa biodiversidade.
Em seu Capítulo VI, art. 225, § 1º, inciso VII, determina como responsabilidade do Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade”.
E a Lei 9605/98, a chamada “Lei dos Crimes Ambientais”, que, em seu art. 29, tem a seguinte redação: “Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”, sujeita o infrator à pena de detenção de seis meses a um ano e multa.
Porém, a pena e a fiscalização não são suficientes para inibir o tráfico. Percebe-se que o controle, tanto nos países de origem quanto nos países de destino, não é efetivo, pois o tráfico de animais silvestres continua crescendo.
Mesmo que os países-membros da CITES não coloquem esse crime ambiental no mesmo nível das outras formas de tráfico, pelo menos as sanções penais para o comércio ilegal da vida selvagem precisam ser revistas, e as punições, aplicadas.
O combate ao tráfico de animais selvagens necessita de campanhas para mudar as atitudes sociais em relação ao consumo de animais selvagens. Deve haver imposição e repressão, mas a informação, a educação e a consciência ambiental são essenciais.
Os cidadãos devem conscientizar-se para fazer escolhas individuais que não ameacem as espécies, como apoiar empresas ambientalmente responsáveis e não comprar animais silvestres protegidos por lei. Somente com a participação de todos o tráfico da vida selvagem será algo do passado.
REFERÊNCIAS
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