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Dupla imputação pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico

Dupla imputação pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico

Nos delitos de tráfico de drogas, os agentes que comercializam substâncias ilegais dificilmente se responsabilizam por todas as etapas da traficância, isto é, até o produto chegar nas mãos dos usuários. A possibilidade de haver uma ou duas pessoas associadas no comercio ilegal é grande, devido à complexidade da atividade, as etapas de preparo, o transporte da mercadoria, o embalo, o estoque até o destinatário final.  

A associação para o tráfico é tipificada no art. 35 da Lei nº 11.343/06, assim prevendo:

Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

Na associação para o tráfico de drogas é necessário a demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa para a tipificação do crime em comento.

Assim, o crime previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/06 se configura quando duas ou mais pessoas se reúnem com a finalidade de praticar os crimes previstos nos arts. 33 e 34 da mesma Lei, sendo indispensável para a comprovação da materialidade, o animus associativo de forma estável e duradoura com a finalidade de cometer tais delitos. A jurisprudência e a doutrina são majoritárias quanto requisitos para caracterizar o crime do art. 35 da lei de drogas.

O crime de associação para o tráfico não admite tentativa, eis que se trata de um crime obstáculo. Portanto, é um crime que o legislador utiliza um ato preparatório de outro crime e o tipifica de forma autônoma. Cria-se um tipo penal preventivo, antecipando-se a tutela penal.

Quando a polícia prende em flagrante delito duas ou mais pessoas com substancias ilícitas, ao lavrar o boletim de ocorrência, na maioria esmagadora das vezes, tipificam os crimes nos art. 33 e 35 da lei 11.343/2006. E essa tipificação segue do oferecimento da denúncia e até o prolatação da sentença.

Percebe-se que quanto ao crime do art. 35 da lei de drogas, a maioria dos magistrados estão adstritos ao entendimento jurisprudencial, condenando o crime de associação para o tráfico quando há animus associativo de forma estável e duradoura com a finalidade de cometer tráfico de drogas.

A problemática ocorre quando o magistrado absolve do crime de associação para o tráfico e condena pelo art. 33, sem especificar na sentença quem é o proprietário das drogas ou apetrechos para traficância. Se condenar pelo crime de tráfico de drogas e associação para o tráfico, a presente tese não é cabível.

É corriqueiro a polícia prender em flagrante delito agentes que guardam drogas próximas a elas, quando são depositadas em terrenos baldios, em casas desabitadas, no chão, em buracos, no meio do matagal entre outros lugares. Trata-se e uma estratégia de traficância para a não –incriminação.

Diante disso, ao condenar o agente  somente pelo crime de tráfico de drogas (art. 33), o magistrado cria dúvidas quanto a autoria e/ou materialidade delitiva, pois num primeiro momento, todas as drogas apreendidas eram de todos os acusados. Após absolver os acusados do art. 35 da lei de drogas, perguntamos: quem é o verdadeiro dono das drogas?

Autor, segundo a doutrina penalista, é aquele que pratica figura típica do delito, isto é, aquele que pratica do verbo-tipo e, também todo aquele que, com sua atitude, possibilita a ocorre do resultado típico.

Desse modo, se não há a individualização das condutas dos acusados na sentença do magistrado, não existe a possibilidade de determinar quem efetivamente praticou o verbo do tipo do art. 33 da lei de drogas. Heleno Cláudio Fragoso (Jurisprudência Criminal, Editora Forense, 4ª edição, página 506), observava:

Não é possível fundamentar sentença condenatória que não conduz à certeza. Esse é um dos princípios basilares do processo penal em todos os países democráticos. A condenação exige a certeza e não basta, sequer, a alta probabilidade, que é apenas um juízo de incerteza de nossa mente em torno da existência de certa realidade.

Portanto, há de se considerar que a prova da responsabilização penal não se restringe tão somente à ocorrência dos fatos, mas sim dentro de uma análise pormenorizada de todos os elementos circunstanciais que envolvem o fato em sede de instrução de provas.

A falta de motivação e a ausência de indicação de autoria delitiva na sentença lesa diretamente o dispositivo no artigo 93, inciso IX da Constituição Federal, e também o artigo 381, inciso III CPP.

A não observância do art. 93, inciso IV da CF/88 dá ensejo a postular a anulação da sentença, que ocorre em três situações, segundo BELLA VISTA (“Lezioni di Diritto Processuale Penale”, 1975, p.308):

  1. quando o juiz omite as razões de seu convencimento;
  2. quando as tenha indicado incorrendo em evidente erro lógico-jurídico, de modo que as premissas em que a decisão se funda possam ser consideradas tanquan non esset (falta de motivação intrínseca); e
  3. quando, apresentando-se em seu contexto motivada, tenha omitido exame de um fato decisivo para o juízo, de modo a levar a crer que se o juiz o tivesse examinado, teria chegado a diversa decisão (falta de motivação extrínseca).

Desse modo, a sentença deve necessariamente debruçar-se sobre as teses e os argumentos utilizados pelas partes durante todo o processo, sob pena de nulidade absoluta.

Assim, diante da problemática apresentada, quando houver a absolvição do crime de associação para o tráfico e a condenação de traficância e o juiz não indicar o proprietário das substâncias ilícitas, cremos haver falta de motivação e ausência de indicação clara de autoria delitiva, tendo suporte fatídico e fundamento legal o pedido de nulidade absoluta do processo, bem como a aplicação do princípio do ‘In Dubio Pro reo’.


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Rodrigo Urbanski

Professor. Advogado Criminalista. Especialista em Ciências Penais e Direito Constitucional.

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