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Tráfico de drogas: liberdade provisória e prisão preventiva à luz do pacote anticrime

Tráfico de drogas: liberdade provisória e prisão preventiva à luz do pacote anticrime

A atual lei de drogas brasileira (Lei n. 11.343/2006), em seu art. 44, caput, proíbe a concessão de liberdade provisória aos acusados de tráfico de drogas, vejamos:

Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, em 10 de maio de 2012, ao julgar o HC n. 104.339/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória” constante do art. 44, caput, da Lei n. 11.343/2006.

Em 18 de maio de 2017, a Suprema Corte, em julgamento de recurso extraordinário sob a sistemática da repercussão geral, reafirmou sua jurisprudência e fixou a seguinte tese: “é inconstitucional a expressão ‘e liberdade provisória’, constante do caput do artigo 44 da Lei 11.343/2006” (RE n. 1.038.925/SP, rel. Min. Gilmar Mendes).

Nos casos de acusados de tráfico de drogas, portanto, apesar de se tratar de crime inafiançável (art. 5, XLIII, da CRFB/1988 e art. 323, II, do CPP), os princípios constitucionais do devido processo penal e da presunção de inocência enquanto dever de tratamento impõem que eventual prisão preventiva tenha sua necessidade e adequação devidamente demonstradas à luz do que disciplina o art. 312 do CPP.

A redação do art. 312 do CPP, a propósito, sofreu recentes alterações promovidas pela Lei n. 13.964/2019 – que ficou conhecida como “pacote anticrime” – para expressamente exigir a demonstração do “perigo gerado pelo estado de liberdade do acusado” para a decretação da prisão preventiva.

Trata-se de inovação legislativa muito bem-vinda tendo em vista a praxe forense de justificar a necessidade de decretação da prisão preventiva exclusivamente na gravidade abstrata do tipo legal de tráfico de drogas, afrontando o caráter instrumental da medida cautelar para, à margem do devido processo penal, impingir verdadeira pena processual – expressamente vedada pela nova redação do §2°, do art. 313, do CPP, ao dispor que

não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena.

É fundamento da prisão preventiva, portanto, a demonstração do periculum libertatis, consubstanciado no perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, i.e., a indicação, a partir de fatos concretos e contemporâneos, de que o acusado, em liberdade, criará embaraço ao regular conhecimento e julgamento do caso penal; ou, ainda, que no momento da sentença, se furtará ao cumprimento de eventual pena privativa de liberdade aplicada.

Não basta à imposição da prisão preventiva, todavia, a demonstração, em decisão devidamente fundamentada, de sua necessidade. É preciso que na decisão que decreta-la conste fundamentação suficiente acerca de sua adequação, em respeito ao seu caráter de ultima ratio, i.e., que nenhuma medida cautelar alternativa é suficiente para garantir o resultado pretendido pela segregação cautelar – conveniência da instrução criminal; assegurar a aplicação da lei penal; etc.

Apesar de expressamente previstas no CPP desde a reforma parcial promovida pela Lei n. 12.403/2011, a Lei n. 13.964/2019 promoveu nova alteração no §6°, do art. 282, do CPP, determinando que o eventual não cabimento da substituição da prisão preventiva por outra medida cautelar seja justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada, visando coibir decisões que, invocando motivos que se prestariam a justificar qualquer outra, decretam a prisão preventiva em que pese as medidas alternativas elencadas no art. 319 do CPP (comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; proibição de manter contato com pessoa determinada; etc.) igualmente se mostrarem suficientes para assegurar a finalidade pretendida pela constrição cautelar, a revelar sua inadequação no caso concreto.

Por fim, ainda que demonstradas a necessidade e adequação para sua decretação, nenhuma medida cautelar pessoal, especialmente a prisão preventiva, pode submeter o acusado a restrição mais severa que aquela que poderá advir a partir de eventual sentença penal condenatória, em homenagem ao princípio da homogeneidade (proporcionalidade em sentido estrito).

Em outras palavras, a decretação da prisão preventiva será desproporcional em sentido estrito, ferindo o princípio da homogeneidade, quando, p.ex., adotada em desfavor de acusado que, se condenado, provavelmente terá direito a substituição da pena privativa de liberdade por penas alternativas (art. 44 do CP).

É o que acontece no caso de acusado de tráfico de drogas que é primário, portador de bons antecedentes, que não se dedica à atividades criminosas e não integra organização criminosa – o conhecido tráfico “privilegiado” de drogas (art. 33, §4°, da Lei n. 11.343/2006).

Nesse caso, se condenado por tráfico de drogas com a incidência da referida causa de diminuição de pena, provavelmente terá sua pena privativa de liberdade substituída por penas alternativas (limitação de fim de semana; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; etc.), de modo que a decretação da prisão preventiva se revelará ilegal, em razão da ausência de proporcionalidade entre meios e fins, conforme a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

a prisão preventiva não é legítima nos casos em que a sanção abstratamente prevista ou imposta na sentença condenatória recorrível não resulte em constrição pessoal, por força do princípio da homogeneidade (Jurisprudências em Teses n. 32).


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