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Transferência de estabelecimento prisional

Transferência de estabelecimento prisional

Se analisarmos a Lei de Execução Penal não encontraremos dispositivo legal condizente com a transferência de estabelecimento prisional, é certo que compete a Defensoria Pública, enquanto órgão de execução, requerer o cumprimento da pena ou da medida de segurança em outra comarca, aduzindo o art. 86 da referida legislação, que as penas privativas de liberdade aplicadas pela justiça de uma Unidade Federativa podem ser executadas em outra Unidade, em estabelecimento local ou da União, nesse último falamos dos presídios federais, casos em que a transferência, no mais das vezes, está vinculada a disciplina e a prática de faltas disciplinares, o que não abordaremos por ora.

Vamos nos focar, portanto, na transferência de estabelecimento prisional, mormente aquela que se dá no âmbito da mesma Unidade Federativa, ou seja, dentro do mesmo Estado.

Em regra, a execução de uma pena privativa de liberdade, a qual se inicia no regime fechado, por exemplo, se dá no estabelecimento prisional da Comarca pela qual restou condenado o apenado, ou, condenada à apenada.

Vejamos. Acaso o crime tenha sido apurado na Comarca de Uruguaiana/RS, após o seu trânsito em julgado, quando não mais cabível recurso, e solto o condenado, por exemplo, será expedido mandado de prisão, sendo no mais das vezes removido o condenado até a Comarca de Uruguaiana/RS, para que lá, no estabelecimento prisional adequado a tanto, de acordo com o regime de cumprimento da mesma, inicie o seu cumprimento.

É verdade que existem Comarcas que não possuem estabelecimentos prisionais, logo, a execução da pena nesses casos restará vinculada a outras Comarcas, portanto.

Não nos esqueçamos de que no caso do Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, contamos com Varas de Execução Criminais Regionalizadas, como é o caso da Comarca de Novo Hamburgo/RS.

Assim, nitidamente, no mais das vezes, diversos são os pedidos formulados pelos presos e pelas presas para que possam ser transferidos para outros estabelecimentos prisionais, ainda que no mesmo Estado da Federação, caso em que o Defensor ou a Defensora deverá formular o pleito por meio de petição nos autos do Processo de Execução Penal, o qual tramita na Vara de Execuções Criminais onde se encontra vinculado o respectivo estabelecimento prisional onde se encontra o apenado ou a apenada naquele momento.

Embora a lei não diga expressamente, ao referir que um dos objetivos da execução penal é proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado ou do internado, deixa claro que o cumprimento da pena, para que possa surtir os efeitos ao menos esperados pelo texto legal, requer a proximidade dos laços familiares e sociais do condenado ou do internado, haja vista que o fortalecimento dos referidos vínculos será de fundamental importância para quando do seu regresso definitivo à sociedade, eis que nitidamente a não reincidência encontra alicerce nas maiores possibilidades de inserção e de oportunidades quando do retorno ao convívio social.

Nesse sentido, também é direito do condenado ou do internado às visitas dos parentes e amigos próximos, razão pela qual a proximidade dos seus familiares, bem como do seu meio social, revela-se de fundamental importância, o que gera fundamento jurídico ao pleito de transferência, no mais das vezes, a qual, em determinadas Comarcas vem vinculada a permuta, determinações impostas pelos Juízos e Administrações Prisionais, dadas a superlotação, a qual, no âmbito do nosso Estado já atingiu a marca do hiperencarceramento, inclusive.

As Regras de Mandela, de 2015, as quais atualizaram as Regras Mínimas para o Tratamento de Presos da ONU, deixam claro que o encarceramento e outras medidas que excluam uma pessoa do convívio com o mundo externo são aflitivas pelo próprio fato de ser retirado destas pessoas o direito à autodeterminação ao serem privadas de sua liberdade. Portanto, o sistema prisional não deverá agravar o sofrimento inerente a tal situação, exceto em casos incidentais, em que a separação seja justificável, ou nos casos de manutenção da disciplina.

Sendo assim, a regra de nº 59 é precisa ao referir que os presos devem ser alocados, na medida do possível, em unidades prisionais próximas às suas casas ou ao local de sua reabilitação social.

Além disso, no caso de remoção dos presos, consoante regra de nº 73, os presos enquanto estiverem sendo removidos de ou para uma unidade, devem ser expostos ao público pelo menor tempo possível, e devem ser adotadas as devidas salvaguardas para protegê-los de insultos, curiosidade e qualquer forma de publicidade, sendo proibido o transporte de presos em veículo com ventilação ou iluminação inadequada ou que possa submetê-los a qualquer forma de sofrimento físico e o transporte de presos deve ter as despesas pagas pela administração e ser feito em condições iguais para todos.

No caso dos presos sentenciados, as Regras de Mandela são explícitas ao referir que atenção especial deve ser dada para a manutenção e o aperfeiçoamento das relações entre o preso e sua família, conforme apropriado ao melhor interesse de ambos, sendo que desde o início do cumprimento da sentença de um preso, deve-se considerar seu futuro após a liberação, e ele deve ser incentivado e auxiliado a manter ou estabelecer relações com indivíduos ou entidades fora da unidade prisional, da melhor forma possível, para promover sua própria reabilitação social e os seus interesses e de sua família.

Dessa forma, é evidente, portanto, que o melhor estabelecimento prisional para o cumprimento da pena será aquele mais próximo dos laços familiares e sociais do apenado ou da apenada, o que, evidentemente, justifica o pleito de transferência a ser formulado.

No caso das mulheres e das adolescentes em conflito com a lei, as chamadas Regras de Bangkok, da ONU, também são explicitas ao asseverar que as autoridades prisionais deverão incentivar e, onde possível, também facilitar visitas às mulheres presas como um importante pré-requisito para assegurar seu bem-estar mental e sua reintegração social.

E, tendo em vista a probabilidade desproporcional de mulheres presas terem sofrido violência doméstica, elas deverão ser devidamente consultadas a respeito de quem, incluindo seus familiares, pode visitá-las, assim como as autoridades penitenciárias concederão às presas, da forma mais abrangente possível, opções como saídas temporárias, regime prisional aberto, albergues de transição e programas e serviços comunitários, com o intuito de facilitar sua transição da prisão para a liberdade, reduzir o estigma e restabelecer contato com seus familiares o mais cedo possível.

Além disso, as autoridades prisionais, em cooperação com os serviços de sursis, liberdade condicional e/ou de assistência social, grupos comunitários locais e organizações não governamentais, deverão formular e implementar programas amplos de reinserção para o período anterior e posterior à saída da prisão, que incluam as necessidades específicas das mulheres, sendo que após sua saída da prisão, deverá ser oferecido às mulheres egressas apoio psicológico, médico, jurídico e ajuda prática para assegurar sua reintegração social exitosa, em cooperação com serviços da comunidade.

As Regras Mínimas para Tratamento de Presos da ONU, bem como as Regras de Mandela e de Bangkok são instrumentos internacionais, ratificados pelo Brasil, fundamentais, portanto, para fundamentar pleitos de transferência de estabelecimento prisionais, mormente no caso que ensejamos maior destaque, qual seja, aquele de proporcionar ao preso ou a presa maior aproximação dos seus laços familiares e sociais, pois se a pena é uma realidade, nesses casos, a redução de danos deve ser a meta, diante dos nefastos efeitos que a pena produz e que já tivemos oportunidade de AQUI elencar em outra ocasião.  

Mariana Cappellari

Mestre em Ciências Criminais. Professora. Defensora Pública.

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