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Transferência para estabelecimentos penais federais

Transferência para estabelecimentos penais federais

A transferência difere-se da remoção em termos de execução penal. Chama-se de remoção a transferência do preso ou da presa para o regime de cumprimento de pena correto, utilizando-se o termo transferência quando da remoção do preso ou da presa para outro estabelecimento prisional, diferente, por certo, do que se encontra, ainda que no regime correto de cumprimento de pena. Sinale-se que a própria Lei de Execuções Penais determina uma espécie de estabelecimento penal para cada tipo de regime de cumprimento de pena, nesse sentido.

Não há dispositivo legal, por outro lado, na Lei de Execuções Penais que discipline a transferência, embora essa possibilidade encontre amparo dentro das atribuições da Defensoria Pública, que é órgão da execução penal, conforme dispõe a própria Lei de Execuções Penais.

Dessa forma, o fundamento legal e normativo a tanto diz com a efetivação de um dos objetivos da execução penal, conforme artigo 1º da LEP, que é proporcionar a efetiva reinserção social do apenado ou da apenada, daí a razão do cumprimento da pena se dar próximo da família e dos laços sociais do preso ou da presa, bem como na normativa internacional, tais como as regras de tratamento do preso da ONU, Regras de Mandela e de Bangkok.  

Diferente, portanto, é a hipótese de transferência de presos para estabelecimentos penais federais, isso por que nesse âmbito, cumpre a aplicação do disposto na Lei Federal de nº 11.671/2008, bem como do Decreto Federal de nº 6.877/2009, os quais disciplinam esse procedimento. Vejamos, então.

Já escrevi nesse mesmo espaço que a Lei de Execuções Penais tratou superficialmente dos estabelecimentos federais em seu artigo 86, o qual prevê a sua construção e utilização para receber condenados quando a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio condenado. O que significa ‘interesse da segurança pública’ a lei não nos disse!

Pois bem, mas a Lei nº 11.671/2008 dispõe sobre a transferência e a inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima, dando outras providências, assim como o Decreto nº 6.877/2009, regulamenta a referida legislação federal.

A normativa já inicia dando conta de que a atividade jurisdicional de execução penal desses estabelecimentos será desenvolvida pelo juízo federal da seção ou subseção judiciária em que estiver localizado o estabelecimento penal federal de segurança máxima ao qual for recolhido o preso, sendo que apenas serão recolhidos a esses estabelecimentos os presos cuja medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso, que poderá ser condenado ou provisório.

Mais uma vez, no entanto, não há especificação do que seja ‘interesse da segurança pública’, pois, quiçá, temos a delimitação do que se conceitua por segurança pública, cabendo, portanto, dentro dessa generalização, uma infinita discricionariedade na análise e no enquadramento.

Mas, o Decreto de nº 6.877/2009 determina que para a inclusão ou transferência de preso ao presídio federal deve este possuir uma das seguintes características: ter desempenhado função de liderança ou participado de forma relevante em organização criminosa; ter praticado crime que coloque em risco a sua integridade física no ambiente prisional de origem; estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado – RDD; ser membro de quadrilha ou bando, envolvido na prática reiterada de crimes com violência ou grave ameaça; ser réu colaborador ou delator premiado, desde que essa condição represente risco à sua integridade física no ambiente prisional de origem; ou estar envolvido em incidentes de fuga, de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional de origem.

A lei aduz que a admissão do preso dependerá de decisão prévia e fundamentada do juízo federal competente, conforme apontamos acima, sendo legitimados para requerer o processo de transferência, cujo início se dá com a admissibilidade pelo juiz da origem da necessidade da transferência do preso para estabelecimento penal federal de segurança máxima, a autoridade administrativa, o Ministério Público e o próprio preso, sendo ouvido nesse processo o DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, ao qual é facultado indicar, inclusive, o estabelecimento penal federal mais adequado.

Essa decisão, no entanto, a qual admitir o preso no estabelecimento penal federal deverá indicar o seu período de permanência, pois, saliente-se que existe previsão expressa no sentido de que esses estabelecimentos não poderão abrigar o preso para fins de cumprimento regular da pena, ou seja, até o seu final, pois a transferência é medida excepcional e temporária, sendo que o período máximo de permanência não poderá ser superior a 360 dias, renovável, excepcionalmente.

Aliás, de acordo com o artigo 11 da Lei, esses estabelecimentos não poderão ter a sua lotação ultrapassada, sendo que nesses Presídios as vagas giram em torno de 208 (duzentos e oito), conforme Decreto Federal nº 6.049/2007.

Assim, uma vez rejeitada a transferência, o juízo da origem pode suscitar o conflito de competência perante o tribunal competente, que o apreciará em caráter prioritário e deve observar, por determinação legal, também, o disposto no artigo 11, conforme acima mencionamos, no sentido de não ultrapassar a lotação do estabelecimento penal.

Por tratar-se de estabelecimento afeito ao juízo federal, prevê expressamente a legislação que a assistência jurídica ao preso nesses estabelecimentos caberá a Defensoria Pública da União.

Por fim, cabe asseverar que de acordo com o Decreto nº 6.877/2009, a inclusão e a transferência do preso poderão ser realizadas sem a prévia instrução dos autos, desde que justificada a situação de extrema necessidade.

Mas, restando sessenta dias para o encerramento do prazo de permanência do preso no estabelecimento penal federal, o DEPEN comunicará tal circunstância ao requerente da inclusão ou transferência, a fim de solicitar manifestação acerca da necessidade de renovação, a qual segue o prazo que já mencionamos, sob pena de retorno do preso ao sistema prisional de origem, tanto que na hipótese de obtenção de liberdade ou progressão de regime de preso custodiado em estabelecimento penal federal, caberá ao Departamento providenciar o seu retorno ao local de origem ou a sua transferência ao estabelecimento penal indicado para cumprimento do novo regime.

E, mediante requerimento da autoridade administrativa, do Ministério Público ou do próprio preso, poderão ocorrer transferências de presos entre estabelecimentos penais federais.

Pode-se dizer que essas são as causas e procedimento mínimo para a realização da referida transferência, mas cabe referir que em termos sociológicos algumas dúvidas surgem diante a construção de estabelecimentos penais federais, como as suscitadas pela socióloga Camila Nunes Dias, em entrevista ao Sul 21:

Para a socióloga Camila Nunes Dias, que é professora da UFABC e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, ainda que não se possam fazer afirmações consistentes sobre as implicações da construção dos presídios na dinâmica local da segurança pública, há um risco comprovado como causa da reunião de criminosos de distintas regiões e facções do país dentro de prisões federais. “Não há estudos sobre o Sistema Penitenciário Federal, e muito menos sobre o impacto que as penitenciárias têm no onde são instaladas”, explica a socióloga. O impacto mais agudo, diz ela, vem do envio de presos a uma penitenciária federal em outro local. “Pode fazer com que eles tenham contato com detentos de outras facções. Quando retornam, podem inserir grupos locais na dinâmica nacional ou fortalecer os grupos que já existem. Esse impacto do preso enviado é mais claro como negativo, no sentido de uma maior organização do crime”, adverte a especialista. O exemplo utilizado por ela é o da Família do Norte, facção que se aliou ao Comando Vermelho, uma das maiores organizações criminosas do Brasil, dentro do Presídio Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. O grupo, que ficou conhecido no começo deste ano por conta do massacre de 56 presos no Presídio Anísio Jobim, em Manaus, articulou-se nacionalmente como uma facção que se opõe ao Primeiro Comando da Capital, de São Paulo. “É claro que nesse caso a articulação do grupo decorre e tem relação direta com a ida de presos para o Sistema Penitenciário Federal e seu contato com os membros das facções já existentes. Embora a Família do Norte tenha sido criada para evitar o avanço do PCC na região norte, ela segue inclusive seu o modelo de organização e estruturação”, explica a pesquisadora.”

Entretanto, esse é tema para outro espaço e exige maior reflexão, por ora, nos contentamos em apresentar as diferenças entre remoção e transferência, inclusive, no que diz para estabelecimentos penais federais.

Mariana Cappellari

Mestre em Ciências Criminais. Professora. Defensora Pública.

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