As três fases do crime de Lavagem de Dinheiro
As três fases do crime de Lavagem de Dinheiro
A regra do art. 1º, da Lei 9.613/98 tipifica o crime de lavagem de dinheiro, que pode ser praticado mediante diversas ações, como por exemplo, ocultar, ou dissimular.
Em sede doutrinária, a complexa dinâmica do branqueamento de capitais é subdividida em três fases: ocultação, dissimulação e integração dos bens, direitos ou valores à economia formal.
O caminho da lavagem de dinheiro se inicia logo após a obtenção do bem, direito ou valor proveniente da prática do crime antecedente. Com isso, o agente que possui a intenção de lavar pode iniciar a fase de ocultação ou conversão do proveito ilícito (GODINHO COSTA, 2007, p. 32).
Trata-se de momento em que o sujeito ativo busca esconder os ativos derivados da atividade ilícita, com o intuito futuro de mascarar sua origem espúria.
Na ocultação, o objetivo principal consiste em inserir o ativo na economia formal, afastando-o da origem ilícita, de modo a dificultar o rastreamento do crime.
Essa inserção poderá ocorrer, por exemplo, com o fracionamento de grandes somas em dinheiro em quantias menores, a fim de que não haja obrigação de comunicação das transações (CALLEGARI e WEBER, 2014, p. 15).
Segundo parcela da doutrina, a ocultação pode ocorrer de forma mais singela, quando, por exemplo, o cidadão simplesmente esconde o dinheiro, enterrando-o ou guardando em fundo falso (BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 67), mas desde que tenha a intenção futura de conferir aparência de licitude ao ativo.
A simples ocultação, sem qualquer finalidade ou intenção posterior de mascarar a origem do ativo, desconfigura a prática de lavagem de dinheiro na modalidade “ocultar“, ainda que se possa cogitar, na hipótese, da prática de favorecimento real, conforme sustentado em artigo aqui publicado. Nesse sentido:
A guarda e ocultação de dinheiro em espécie, supostamente produto de crime, não configura o delito do artigo 1º, VI, da Lei nº 9.613/98. (TRF-4 - ACR 128322420074047000, Rel. José Paulo Baltazar Junior, D.E. 1.8.2013)
A segunda fase da lavagem, denominada de dissimulação, estratificação ou escurecimento, consiste no ato – ou conjunto de atos – praticados com o fim de disfarçar a origem ilícita do ativo, com a efetivação de transações, conversões e movimentações várias (MENDRONI, 2015, p. 182), que distanciem ainda mais o ativo de sua origem ilícita:
É um ato um pouco mais sofisticado do que o mascaramento original, um passo além, um conjunto de idas e vindas no círculo financeiro ou comercial que atrapalha ou frustra a tentativa de encontrar sua ligação com o ilícito antecedente. São exemplos de dissimulação as transações entre contas correntes no país ou no exterior, a movimentação de moeda via cabo, a compra e venda sequencial de imóveis por valores artificiais (...) (BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 66).
A fase derradeira da lavagem consiste na integração dos benefícios financeiros como se lícitos fossem. Nessa etapa, o dinheiro é incorporado na economia formal, geralmente através da compra de bens, criação de pessoas jurídicas, inversão de negócios, tudo com registros contábeis e tributários capazes de justificar o capital de forma legal (CALLEGARI e WEBER, 2014, p. 23, e também GODINHO COSTA, 2007, p. 32).
Trata-se do último estágio de conversão do ativo ilícito em lícito, aumentando ainda mais a dificuldade de identificação de sua origem, mormente pelas sucessivas e complexas etapas de mascaramento.
Por fim, em que pese se possa dividir, doutrinariamente, a lavagem de dinheiro em três etapas, mister ressaltar que o crime de branqueamento de capitais é de tipo misto ou conteúdo variado, de modo que a prática de qualquer das condutas (ocultação, dissimulação ou integração) configura o crime (BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 27), consoante se reconhece na jurisprudência:
PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. OCULTAÇÃO. SIMULAÇÃO. DEPÓSITO DOS VALORES OBTIDOS ILICITAMENTE EM CONTAS DE TERCEIROS. QUADRILHA. INDÍCIOS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. Para fins didáticos, o crime de lavagem de dinheiro se dá em três fases, de acordo com o modelo do GAFI - Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro, a saber: colocação (separação física do dinheiro dos autores do crime; é antecedida pela captação e concentração do dinheiro), dissimulação (nessa fase, multiplicam-se as transações anteriores, através de muitas empresas e contas, de modo que se perca a trilha do dinheiro [paper trail], constituindo-se na lavagem propriamente dita, que tem por objetivo fazer com que não se possa identificar a origem dos valores ou bens) e integração (o dinheiro é empregado em negócios lícitos ou compra de bens, dificultando ainda mais a investigação, já que o criminoso assume ares de respeitável investidor, atuando conforme as regras do sistema). Todavia, o tipo penal do art. 1º da Lei nº 9.613/98 não requer a comprovação de que os valores retornem ao seu proprietário, ou seja, não exige a comprovação de todas as fases (acumulação, dissimulação e integração). (...)" - g.n. - (TRF-4 - RCCR 50080542920124047200, Rel. José Paulo Baltazar Junior, D.E. 9.4.2014)
REFERÊNCIAS
BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
CALLEGARI, André Luis; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Atlas, 2014.
GODINHO COSTA, Gerson. O tipo objetivo da lavagem de dinheiro. In: BALTAZAR JUNIOR, José Paulo; MORO, Sérgio Fernando (Orgs.). Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007.
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de Dinheiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.