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Três julgamentos


Por André Peixoto de Souza


Eu estava preparando um material de aula e me dei ao trabalho de “degravar” três vídeos do YouTube. Achei que poderia ser útil como “material de estudo”, e por isso vai aqui aos amigos do Canal Ciências Criminais.

No primeiro vídeo a cena se passa numa sala de audiência, e o diálogo se dá entre acusado e magistrado.

– O senhor está sendo acusado pelo Ministério Público de praticar o crime de coação no curso do processo. O senhor tem o direito de permanecer em silêncio, mas se quiser pode utilizar essa oportunidade para apresentar a sua versão, pra se defender sobre os fatos. (…) O senhor teria dito que mataria um tal de Rafael, e mataria também a vítima daqui do qual o senhor é acusado, que o senhor mataria ele se fosse condenado. O senhor quer dizer alguma coisa?

– Ah, dizer… é isso mesmo aí… demorô! Pode condenar aí, não tem problema nenhum não, meu. E outra, deixando bem claro também, meu… vocês me tirou de lá de Presidente Venceslau lá, pra fazer 12 horas de viagem pra escutar essa palhaçada aqui, eu não vou ficar escutando isso daí não.

– O senhor tá me chamando de palhaço?

– Eu falei mesmo e não quero saber de nada não. Pode ser o senhor (inaudível)… aqui vocês não me intimida não, rapaz. Aqui é o Primeiro Comando da Capital aqui, inimigo número 1 de vocês, rapaz!

– Tá. O senhor tem mais alguma coisa a acrescentar?

– Tenho nada não e, por favor, quanto menos (inaudível)… 

– Então o senhor disse isso lá?

– Disse mesmo e digo pra ele na frente dele aí quanto aos disparo lá na casa do Rafael lá quantas vezes for necessário eu mandar meus moleque lá vô dá tiro mesmo. Quero nem saber de nada não. Já tão me processando já, né? Por atentado…

Esse diálogo verídico entre um preso e um magistrado, já visualizado centenas de milhares de vezes no YouTube, bem ilustra a “organização” dos partidos ou comandos de crime no Brasil.

O segundo diálogo – ou “conferência” – se dá entre uma estimativa de 7 presos que falam ao telefone, promovendo o “julgamento” de um caso, com debates e oitivas! Veja-se o diálogo interceptado:

 – O Fabrício já entrou na linha irmão, pedindo uma oportunidade, entendeu irmão?

– Se ele já chegou pedindo uma oportunidade ele sabe que cometeu um erro grave aí e saiu totalmente fora da ética aí… e está, sei lá né irmão, pedindo uma oportunidade de vida.

– Não… eu fecho nessa mesma opinião sua aí cara, porque os moleque é novo irmão… pô mano…

(…)

– Dá um cambau de louca, aquele que manda lá na porta da UTI, entendeu irmão?

E a principal testemunha, namorada da vítima Adriano, depõe nesse “Juízo”:

 – Nós tava saindo da escola, aí o Adriano passou no meio da lombada e ele não aguentou com a moto e caiu.

– Hã…

– Aí o Adriano levantou a moto e o cara falou assim pro Adriano: que foi, que foi? Aí o Adriano falou: que foi você. Aí eu falei assim: Adriano, vamo embora, vamo embora. Não precisa disso, vamo embora. O Adriano tava montando na moto pra ir embora e ele chutou o Adriano, na costela do Adriano ele chutou.

– E transpareceram que tava dando risada?

– Tavam tirando sarro. Tavam tirando sarro. E o cara puxou a arma.

– Mas chegou a puxar a arma e apontar ou ficou só na mão só?

– Ele apontou. Na hora que o Adriano subiu na moto ele atirou.

– O Adriano não chegou a colocar a mão no peito de nenhum deles e nem dar um tapa na cara de nenhum deles?

– Não. Ele tomou o tiro, aí eu peguei e entrei no apavoro né, vendo ali o Adriano escorrendo sangue pra tudo que é lado. Aí ele pegou, me puxou pelos cabelos, começou a me chamar de vadia e falou: você também quer? você também quer? você também quer? E deu outro no Adriano, na cabeça.

Instruída a “causa”, sai a sentença:

– Os outros ficam, mas o menino que tirou a vida do Adriano, ele não volta mais não, irmão.

E a intimação da sentença, assim como a sua execução, é imediata. Sem recurso, sem carimbo de trânsito em julgado.

O terceiro telefonema ocorre muito provavelmente com um dos mais notórios e temidos criminosos do País, em outro “julgamento”. Veja-se:

– Opa…

– Alô. Eu tô sem os dois pés, os dedo, tá tudo pendurado. A orelha direita arrancaram tudo, não dá pra ouvir não.

– Hã…

– Tô escutando só um barulho. Na orelha esquerda arrancaram um pedaço só pra mim tentar ouvir, ver se eu consigo falar com você.

– Mas você tá falando ainda. Já tiraram os teus dois pés já também?

– Tá tudo pendurado. Dá pra ver só o calcanhar.

– Caramba. E os dedinhos?

– Os dedinhos tá tudo pendurado.

– É mesmo é? E a orelha? Orelha é gostoso?

– Hã?

– Orelha é gostoso?

– É muito grande. Desceu na boca. Quase que eu não engoli.

– E aí? Tem mais alguma coisa pra falar pra mim ainda, ou não?

– Falei tudo. Se eu soubesse eu nunca tinha me envolvido.

– É mesmo é? Caramba…

– Tô falando de coração pro senhor. Eu não tô conseguindo nem andar. Eles tentaram colocar eu pra andar, não dá não.

– Garanhão, né?

– Pô não, não senhor. Minhas duas costelas acho que tá fraturada. (inaudível)

– Não, mas eu não vou deixar eles fazerem isso contigo não. Costela tem que tá inteira, pô? Costela tem que tá inteira. Quando você for embora pra casa, vou mandar um táxi te levar até a porta de casa. Você quer ir primeiro pro Duque ou quer ir primeiro direto pra tua casa?

– Seu Fernando?

– Hã…

– Pro Duque. Pede só um táxi pra avisar minha mãe, por favor.

– Ah, tá bom. Então vou mandar o táxi te levar até o Duque, aí o mesmo táxi que te levou, mandar na tua casa, pra avisar a tua família, tá legal?

– Tá legal.

Em seguida a vítima passa o telefone para um desconhecido, que ouve de Fernando:

– Fala! Demorou, já é!

Dois segundos depois se ouvem 5 tiros.

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Conceptual photography Misha Gordin

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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