Tribunal do Júri e teoria dos jogos
Tribunal do Júri e teoria dos jogos
O tribunal do júri é previsto no ordenamento jurídico brasileiro há muitas décadas, adotado como modelo de julgamento desde 1822, estando presente em todas as constituições brasileiras e possuindo características fundamentais e históricas para sua perpetuação nesse modelo de julgamento.
Ressalta em sua análise histórica BITTTENCOURT (2018, p. 16) que, desde a civilização grega, dois institutos se aproximavam dos julgamentos e fundamentos do tribunal do júri, sendo eles a Heliléia e o Aerópago, no qual todos os cidadãos julgavam os crimes dolosos contra a vida, seguindo suas convicções a respeito do que fora exposto no julgamento. A Heliléia era um tribunal popular com composição de 201 a 2.501 Heliastas, que decidiam o caso de acordo com a gravidade dos fatos apresentados no respectivo julgamento.
Já o Aerópago era composto por membros da aristocracia ateniense, normalmente guerreiros de elite, conforme ressalta BITTENCOURT (2018, p. 16), que era a forma de funcionamento na democracia grega para o julgamento dos crimes de homicídios dolosos contra a vida.
No Brasil, ressalta BRETAS (2017, p. 225), o sistema é fruto de influências britânicas e francesas, vigorando um sistema de conselho de sentença leigo, possuindo como princípio a incomunicabilidade do conselho de sentença, a plenitude da defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos.
Os princípios constitucionais que regem o tribunal do júri estão previstos no artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal, consagrando o júri no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos e nos direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, a previsão como direito e garantia individual no ordenamento jurídico brasileiro é protegido como cláusula pétrea, conforme dispõe o artigo 60, §4º, inciso IV da carta magna, não podendo ser suprimido do ordenamento jurídico.
No tocante as fases, ressaltam (LEONEL; FELIX, 2017, p. 57), a primeira fase é a judicium accusationis, no qual todos os crimes dolosos contra a vida serão apurados na ação pública incondicionada, e encerrando-se a primeira fase e o réu sendo pronunciado, iniciará a segunda fase do júri, também denominada judicium causae, no qual após a apresentação do requerimento das partes, o magistrado decidirá sobre as medidas cabíveis no caso concreto para que o julgamento ocorra em fase posterior as diligências.
No julgamento em plenário, é fundamental analisar a importância da construção discursiva e a forma de transmitir os fatos aos jurados que irão compor o conselho de sentença. A teoria dos jogos relacionada ao tribunal do júri é fundamental para compreender esses mecanismos de interação humana, de forma a facilitar os oradores a transmitir o conhecimento processual da melhor forma possível.
Ressalta BITTENCOURT (2018, p. 87):
o tribunal do júri tem como precípua característica a adoção de um discurso peculiar, com características próximas e comuns aos julgamentos que ocorrem nesse contexto, a princípio adotadas conscientemente, em uma construção típica deste cenário, com o objetivo de convencer os jurados.
Em detrimento disso, na segunda fase do julgamento em plenário, é fundamental analisar diversos aspectos para propiciar o resultado almejado.
Nesse sentido, tanto a acusação quanto a defesa deverão buscar transmitir o conhecimento processual sobre os fatos da forma mais transparente e clara possível, de forma a garantir uma compreensão plena dos membros integrantes do conselho de sentença.
Ressalta (BITTENCOURT, 2018, p. 119) citando Wittgenstein que:
somente a linguagem é capaz de estabelecer a compreensão, e, assim, se não há o domínio da palavra, não há a existência do objeto, sendo a linguagem o instrumento para compreensão, que tem a função de expressar o pensamento.
Em decorrência disso, a relação entre o tribunal do júri e a teoria dos jogos mostra-se fundamental para compreender de forma mais abrangente a importância da interação humana, primordialmente da relação entre o conselho de sentença, magistrado, a acusação e a defesa, de forma a buscar mecanismos mais eficientes para a solução dos litígios.
Conforme (BITTENCOURT, 2018, p. 129):
a racionalidade no caso da teoria dos jogos diz respeito ao fato de que o jogador, consideradas as circunstâncias do jogo e os elementos externos que este influenciam, busca prever qual vai ser a decisão adotada pelos outros jogadores a partir da decisão que ele decidir tomar, tendo por características a aplicação da lógica a premissas dadas para que possa alcançar suas conclusões.
Compreender o funcionamento dessas interações atentando-se a sua dinamicidade é fundamental para prever formas de atingir os objetivos almejados nos casos concretos, buscando conhecer sempre todos os atores envolvidos no jogo processual. A teoria dos jogos é de suma importância nesse aspecto pois levará em conta todas as informações pretéritas e buscará as melhores alternativas e estratégias para adotar nos casos concretos.
Essa teoria foi desenvolvida por John Forbes Nash, ganhador do prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1994, desenvolvendo a teoria dos jogos e enfatizando que cada jogador está adotando a melhor resposta ao que os outros indivíduos estão fazendo e planejando, tornando-se válido para todos os jogadores ao mesmo tempo nas mais variadas situações.
No Brasil, essa teoria vem sendo trabalhada em diversas obras pelo Professor Alexandre Morais da Rosa, demonstrando a importância da compreensão dos mecanismos processuais de forma dinâmica, bem como a importância da compreensão mais ampla sobre a interação humana nos jogos processuais.
Nesse sentido ressalta BITTENCOURT (2018, p. 149):
a ideia de jogo desenvolvida, de interação estratégica e de aplicação da teoria dos jogos é justamente a partir da compreensão do júri como ele realmente é, muito além dos argumentos jurídicos e discursos eloquentes, influenciados por diversos mecanismos inerentes ao seu contexto e que fazem desse procedimento tão peculiar.
Entender esses procedimentos, portanto, é um grande diferencial para encontrar estratégias mais efetivas no trâmite processual.
Isso pois, como aduz ROSA (2017, p. 379), “a teoria dos jogos descreve as possibilidades táticas e estratégicas e, depois, normativamente, prescreve comportamentos dominantes e dominados’’, no qual ao decorrer do julgamento em plenário podem ocorrer situações novas e inesperadas, necessitando de uma compreensão dinâmica e abrangente dos atores envolvidos.
Fundamental, portanto, o estudo dessas interações entre as partes, para entender o jogo processual de forma muito mais ampla, efetiva e abrangente.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Fabiana Silva. Tribunal do Júri e teoria dos jogos. Florianópolis, Emais, 2018.
BRETAS, Adriano. Apontamentos de processo penal. Curitiba, Sala de Aula Criminal, 2017.
LEONEL, Juliano de Oliveira; FELIX, Yuri. Tribunal do Júri, aspectos processuais, Florianópolis, Empório Modara, 2017.
ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 4ª edição, revista, atualizada e ampliada, Florianópolis. Empório do direito, 2017.
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