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TV Justiça e o STF: a Justiça refém do poder econômico!

TV Justiça e o STF: a Justiça refém do poder econômico!

A tentativa de (re)democratização do Brasil pela Constituição da República de 1988 incumbiu ao Supremo Tribunal Federal, textualmente, a “guarda da Constituição”, conforme se extrai do seu artigo 102, caput.

Já no que toca às leis federais infraconstitucionais, como se sabe, coube aos Tribunais Superiores a uniformização jurisprudencial, nas causas penais – salvo algumas exceções que desembocam no TSE ou no STM –, especialmente ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105, CR/88).

Especialmente no que toca à referida “guarda da Constituição”, encaminhávamos para uma efetiva melhoria institucional do nosso Poder Judiciário, até a edição da Lei 10.461/02, que criou a “TV Justiça” e, gerenciada pela Secretaria de Comunicação Social do Supremo Tribunal Federal, se tornou a oficial porta-voz midiática do STF para com a sociedade.

É que, por mais que à época pudesse soar uma boa ideia, as coisas não aconteceram como prometido…

Enquanto o discurso oficial de criação desse canal de estreitamento de laços entre a Corte mais alta do Poder Judiciário e a sociedade civil brasileira se justificou por uma maior transparência e viabilização de fiscalização popular, esqueceu-se que o papel constitucional do Judiciário prescinde de que “o povo saiba os nomes dos ministros do STF”.

Isto porque, diferente dos demais Poderes da República, o Poder Judiciário não pode ceder à “vontade popular” – seja genuína, seja manipulada por instituições interessadas – mas, especialmente no chamado “Direito Público”, à estrita aplicação das leis e da CR/88.

Infelizmente, no que diz respeito aos ramos das ciências criminais, o STF não tem observado os reclamos da defesa de aplicação da CR/88, chegando ao ponto de proferir julgamentos que configuram verdadeiros absurdos jurídicos, como a relativização do Estado de Inocência, a extensão de tipos penais para atender “anseios populares” – como a criminalização da homofobia e da transfobia, estendendo o crime de racismo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, ADO 26 –, o desrespeito às exigências cautelares para banalizar a prisão preventiva etc.

Mas afinal, para além da questão da “vontade popular”, onde foi que a TV Justiça essencialmente prejudicou a Democracia? Ou seja, qual é a grande causa de o STF se afastar da CR/88 após a TV Justiça?

Muito bem, o modelo processual constitucional, à evidência, preza pela imparcialidade do julgador, atributo que exige posturas serenas, ponderadas e discretas, para, assim, a um só tempo, tanto preservar a equidistância entre as partes, quanto não ceder a pressões externas à interpretação legal dos autos do processo.

Não obstante, o que se tem observado na atuação de alguns ministros do STF pós-TV Justiça – especialmente nos últimos anos – é exatamente o oposto do script constitucional, de tal sorte a ser forçoso convir com o Prof. Virgílio Afonso da Silva quanto à crítica de que a preocupação dos julgadores com a audiência é um grande problema.

O desejo de exposição leva ministros a estenderem seus votos desnecessariamente, acabando por tratar questões simples de forma complexa e até prolixa, em busca de uma imagem erudita. A TV Justiça transformou os ministros em verdadeiras celebridades nacionais!

Carentes de atenção, as celebridades do STF, não raro, deixam a CR/88 e toda a tecnologia jurídica para se sobressair diante dos colegas de corte – num individualismo incompatível com o papel que ocupam – e estampar as manchetes da grande mídia.

Esta desinstitucionalização em benefício da personificação de celebridades da Corte, como se observa, retira qualquer possibilidade de garantia da imparcialidade, levando alguns inclusive a adotar posturas baixas, com xingamentos e palavrões indecorosos, retirando a credibilidade que, em outros períodos, era o grande trunfo da Corte constitucional brasileira.

 A grande questão é que essa busca pelo status de celebridade não é de todo consciente, na medida em que a grande mídia, servindo a interesses econômicos, encurrala os ministros numa caverna que não entra a luz da Constituição da República, mas, tão somente as suas proposições pautadas.

Assim, com a função de formação de consensos coletivos sobre pautas de interesses dos donos do poder (notadamente o sistema financeiro), a grande mídia, de maneira desleal e sórdida, edita as transmissões da TV Justiça para focar em trechos dos votos dos ministros que ratificam os pré-julgamentos já anunciados, seja ridicularizando os ministros que se apegam às leis, seja enaltecendo aqueles mais vaidosos que cedem às pautas midiaticamente impostas.

Aí facilita uma formação consensos populares binários, personificando os ministros com uma simplificação inocente e infantil em dois grupos: o dos bons ministros, que ratificaram o julgamento já realizado pelo editor da redação (da revista ou do jornal, televisionado ou escrito); e o dos ministros ruins, aqueles pejorativamente enquadrados como “legalistas”, quando não acompanhados com uma mensagem subliminar de corrupção.

Neste sentido, a TV Justiça é, ao fim e ao cabo, nem de interesse da “vontade popular”, e muito menos de aplicação transparente da Constituição da República, mas, antes, dos donos do poder econômico, exatamente para “sequestrar os ministros” e covardemente controlar os seus votos, de tal sorte a garantir direitos apenas quando lhes convém.

É por isso que as mais notáveis Democracias não adotam esse modelo de exposição da Suprema Corte e personificação dos ministros, mas, ao contrário, se limitam a divulgar as decisões com suas fundamentações pelos seus “diários oficiais”, e algumas sequer expõem os votos individualizados dos juízes, já que o importante é o veredito da corte, e não os entendimentos pessoais de cada um para saciar a manipulação midiática.

Da mesma forma que há um sintoma de irregularidade quando ao fim de uma partida de futebol – ou de qualquer outro esporte – os árbitros recebem mais atenções midiáticas do que as equipes, o juiz que foge daquele lugar da serenidade e da descrição para posar para holofotes arranha o Estado de Direito e deslegitima o exercício da judicatura.

É por isso que “o tiro saiu pela culatra” com a TV Justiça, se tornando um mero instrumento de manipulação das decisões a serviço do poder econômico, e jogando a Constituição e as leis “para escanteio”, num verdadeiro sequestro da Democracia!


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Núbio Mendes Parreiras

Mestrando em Direito Penal. Especialista em Ciências Penais. Advogado.

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