ArtigosDireito Penal

Uma noite de crime

Uma noite de crime

Marcos, Rato e Palito eram moradores de rua. Viviam no centro da capital, onde passavam dia e noite acomodados em marquises de bancos e lojas: um canto improvisado com papelão e jornal, vários outros mendigos, condições insalubres…

Comiam, bebiam, gritavam e lá estavam a praticamente qualquer hora do dia. Poucas vezes não eram exatamente ali vistos cantarolando, conversando, rindo, bebendo, discutindo, xingando, dormindo.

A cada um deles se dirigia uma triste história de vida. Álcool, drogas e outras patologias psiquiátricas estavam no cerne das três histórias. O abandono de um lar já dilacerado – se e quando havia um lar – era consequência lógica.

Seu cotidiano agora não era tão diferente de como era antes.

Noite dessas, completamente embriagados, os três discutiram – como, aliás, faziam praticamente todas as noites. Marcos quebrou a garrafa de pinga e estocou-a no pescoço de Palito, matando-o no mesmo minuto. Gritaria, choradeira, polícia, prisão, inquérito e ação penal.

Marcos, mendigo que era, sem saber que diabos significava ação penal ou prisão preventiva, foi a júri “sem defesa”. (Afinal, convenhamos: o Estado e o Direito não se importam tanto assim com os mendigos; importavam-se mais nos tempos das galés, quando precisamente essa era a pena para o “crime” de mendicância).

Não sabia nem responder ao interrogatório. Dizia que “não matou”, ou até que “não foi ele” (“- Não fui eu!”) – embora essa era a cena mais que comprovada do crime: garrafa e sangue nas mãos, sangue na roupa, testemunho de Rato e de outros mendigos e transeuntes que por lá passavam no exato instante da briga.

Por homicídio, Marcos foi condenado a cumprir pena em regime fechado. Já estava sendo transferido para o sistema penitenciário estadual: cela pequena, muitos presos, condições insalubres…

Seu cotidiano agora não era tão diferente de como era antes.


Para mais ler mais textos de André Peixoto de Souza, clique AQUI.

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo