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Uma nova hipótese para a Revisão Criminal


Por Bruno Milanez


Em decisão recentíssima, nos autos de habeas corpus sob nº 126.292/SP, o pleno do STF, por maioria de votos – vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio de Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski –, entendeu por minimizar o alcance da sagrada garantia da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CR/88), para possibilitar que, mesmo na pendência de recurso especial e/ou extraordinário em face de sentença penal condenatória confirmada em segundo grau, o cidadão seja preso cautelarmente e passe a cumprir provisoriamente a pena.

A decisão reaviva posição anterior da Corte Suprema (cf.: HC 68.729, Rel. Min. Néri da Silveira, julg. 28.6.1991; HC 74.983, Rel. Min. Carlos Velloso, julg. 30.6.1997; RHC 85.024, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 10.12.2004, dentre outros) que havia sido suplantada pelo STF no julgamento do HC 84.078 em 5.2.2009.

Em que pese a decisão do STF no HC 126.292/SP não possuir efeitos erga omnes ou mesmo vinculantes, aparentemente a sensível redução da extensão da garantia da presunção de inocência será seguida por alguns setores da jurisprudência, como se pode observar, exemplificativamente, da decisão da 5ª Vara do Júri de São Paulo nos Autos de Processo Crime sob nº 0001722-74.2004.8.26.0052 (Caso Gil Rugai), da decisão do Juiz da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo nos Autos nº 0002335-92.2016.403.6181 (caso Luiz Estevão) e da decisão do STJ nos autos do REsp 1.484.415 (caso Benedito Domingos).

Meu objetivo não é realizar uma crítica à decisão do STF. Isso outros fizeram e com muita qualidade (como é o caso do texto de Fauzi Hassan Choukr, publicado aqui). A intenção é identificar, a partir do voto do Relator do caso, Min. Teori Zavascki, uma nova hipótese de cabimento para a revisão criminal. Afinal, o ordenamento processual penal deve ser pensado como um sistema e, por evidente, uma mudança de orientação desse jaez (redução da extensão da garantia da presunção de inocência) espraia efeitos em diversos outros sentidos. Nesse contexto, um dos argumentos centrais do Ministro Teori Zavascki, no HC 126.292, para limitar a presunção de inocência, foi o seguinte:

“Realmente, antes de prolatada a sentença penal há de se manter reservas de dúvida acerca do comportamento contrário à ordem jurídica, o que leva a atribuir ao acusado, para todos os efeitos – mas, sobretudo, no que se refere ao ônus da prova da incriminação –, a presunção de inocência. A eventual condenação representa, por certo, um juízo de culpabilidade, que deve decorrer da logicidade extraída dos elementos de prova produzidos em regime de contraditório no curso da ação penal. Para o sentenciante de primeiro grau, fica superada a presunção de inocência por um juízo de culpa – pressuposto inafastável para condenação –, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso, à revisão por Tribunal de hierarquia imediatamente superior. É nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e prova da causa, com fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha ela sido apreciada ou não pelo juízo a quo.” – g.n. –

Segundo este trecho do voto do Ministro Relator do HC 126.292 – e que foi, talvez, o principal fundamento para atenuar a presunção de inocência –, justifica-se a prisão cautelar após confirmação de sentença penal condenatória em segundo grau de competência, pois no primeiro e no segundo grau são exauridas as discussões a respeito de matéria de fato. É possível afirmar, a partir da compreensão externada no voto, que a discussão fática se torna definitiva a partir do julgamento em segundo grau.

Pois bem. Ainda que se possa questionar severamente o entendimento contido no voto – mesmo porque o julgamento de questões estritamente de direito em sede de recursos especial e/ou extraordinário podem alterar (e de regra alteram) a compreensão e a interpretação dos fatos –, a vingar o que disse o Ministro Teori Zavascki, tem-se nova hipótese de cabimento para a revisão criminal.

É que segundo a regra do art. 621, I e III, do CPP, a revisão dos processos findos será admitida quando a sentença penal condenatória for contrária a evidencia dos autos [art. 621, I] e quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena [art. 621, III].

Como se vê, a ação impugnativa autônoma, dentre suas hipóteses de cabimento, presta-se a rediscutir fatos: (a) quando a sentença condenatória for contrária à prova dos autos (ou seja, quando se tinha evidente hipótese de absolvição e o cidadão foi condenado) e; (b) quando surgirem provas novas benéficas ao acusado.

O caput da regra do art. 621, do CPP, prevê o cabimento da revisão criminal apenas e tão somente em face de processos findos. O que se entende por processos findos? É unânime que os processos findos são aqueles transitados em julgado, ou seja, os que formaram coisa julgada material.

Contudo, se a leitura do art. 5º, LVII, da CR/88 (ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória) no julgamento do HC 126.292/STF permite a execução provisória de pena, o mesmo precedente serve para reinterpretar o instituto da revisão criminal nas hipóteses dos arts. 621, I e III, do CPP, para se concluir que processos findos são aqueles nos quais a discussão da matéria fática se encontra encerrada.

Assim, admitir-se-ia o cabimento de revisão criminal de processos com sentença penal condenatória ainda não transitada em julgado – mas com a apreciação de matéria fática finda em segundo grau de competência –, em hipóteses nas quais a ação de impugnação fosse ajuizada para discussão de questões probatórias, tendo-se em vista que “É nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e prova da causa.” (Trecho do Voto do Min. Teori Zavascki, no HC 126.292)

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Bruno Milanez

Doutor e Mestre em Direito Processual Penal. Professor. Advogado.

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