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Uma semana agitada para o processo penal na Câmara dos Deputados


Por Danyelle da Silva Galvão


Encontra-se em tramitação, desde 2009, projeto de lei (PLS 156/2009 – número no Senado Federal) para a reforma do Código de Processo Penal. Após longas discussões e aprovação perante o Senado Federal, o projeto foi remetido à Câmara dos Deputados que, nesta semana, instalou Comissão Especial para a análise (PL n. 8045/10 – número na Câmara dos Deputados).

O Deputado Danilo Fonte (PSB- Ceará), eleito para presidir a mencionada comissão, manifestou-se sobre a tarefa do colegiado da seguinte forma: “A justiça só pode fazer àquilo que está na lei. O Código de Processo Penal precisa estar atualizado e em consonância com a velocidade que o mundo tem hoje. O que a gente espera deste trabalho é construir um novo processo penal que garanta um clima de segurança à sociedade brasileira e que, ao mesmo tempo, responda pela dignidade do ser humano”.

Nesta mesma semana, o Deputado Wadih Damous (PT-Rio de Janeiro) apresentou projeto de lei (PL n. 4577/16) para alterar a lei dos recursos especial e extraordinário (lei 8038/90), bem como o Código de Processo Penal, visando estabelecer, em lei ordinária, que os mencionados recursos, quando versarem sobre a matéria criminal, têm efeito suspensivo e sua interposição e recebimento pelos Tribunais impede a execução da sentença condenatória.

Na justificativa do projeto, o Deputado indica que o CPP e a Lei n. 8038/90 “negam vigência à Constituição da República e se chocam com as leis aprovadas nos últimos anos nesta matéria”, além de indicar pesquisa da Fundação Getúlio Vargas sobre o déficit de vagas no sistema carcerário[1].

A proposta surge em menos de um mês após o julgamento do Supremo Tribunal Federal (HC 126292) que modificou o entendimento quanto ao início do cumprimento da pena, vigente naquela Corte desde 2010[2]. E traz, inclusive, em sua justificativa elementos do voto do Ministro Marco Aurélio de que “quase um terço das decisões criminais oriundas das instâncias inferiores foi total ou parcialmente reformado pelo Supremo Tribunal Federal neste período”.

As duas iniciativas são pertinentes e importantes. Mas algumas considerações devem ser feitas.

Há muito precisa-se discutir e reformar o Código de Processo Penal para que haja harmonia total com os postulados constitucionais relativos às garantias individuais lá previstas. É bem verdade que algumas modificações importantes já aconteceram desde a sua entrada em vigor em 1941, mas sempre pontuais, sem uma revisão geral da íntegra do texto legal.

Há um ditado popular que diz “antes tarde do que nunca”. Concordo! Mas há quem diga também que “quem tem pressa, come cru”! Por isto, é preciso refletir se a retomada das discussões do novo CPP (e eventualmente o ritmo em que se darão as reflexões e discussões na Câmara dos Deputados) não é apenas reflexo de uma ânsia condenatória que tomou as ruas e as redes sociais nos últimos tempos. Prefiro aguardar um pouco para refletir e então concluir, sempre torcendo para que o juiz de garantias previsto no projeto de CPP lá permaneça intacto (falaremos sobre isso nas próximas semanas).

Por sua vez, o projeto de lei sobre os recursos especial e extraordinário causou-me certa estranheza. Não pela sua essência (garantia da presunção de inocência até o trânsito em julgado), com a qual concordo. Mas pela falta de coerência com as demais discussões perante a própria Câmara dos Deputados.

Estes dias postei uma piadinha na internet assim: uma foto daquele boneco do filme Jogos Mortais dizendo “você tem 23 dias para aprender o novo CPC. Que comecem os jogos”. Recebi comentários que sou sortuda que não preciso entrar neste “jogo”. Ledo engano, meus amigos!

Mas, Danyelle, qual a relação disto com o projeto de lei desta semana? Vamos lá. O novo CPC (isso mesmo, Código de Processo Civil – Lei n. 13105/2015) que entra em vigor nesta próxima semana, dispõe em seu artigo 1072, inciso IV, quanto à revogação os artigos 26 a 29 da Lei 8038/90 que tratam dos recursos especial e extraordinário. Ou seja, a partir da entrada em vigor do NCPC, os recursos – mesmo criminais – serão interpostos e processados de acordo com a nova disciplina legal (arts. 1029 e seguintes).

Temos, portanto, um projeto de lei recém apresentado para alterar um dispositivo legal que só tem mais 1 semana de vida. E mais. O projeto para um novo CPP, em discussão no Congresso Nacional desde 2009 e traz disposições próprias para os recursos. E agora, como dito acima, criou-se comissão para discutir o texto na Câmara dos Deputados.

Sem querer ensinar o padre a rezar missa, mas não seria melhor unificar as discussões em um projeto só, de uma vez só?

A semana foi, no mínimo, movimentada para o processo penal no Poder Legislativo. Bom sábado e domingo a todos. 


NOTAS

[1] A íntegra do projeto de lei e seu acompanhamento perante a Câmara dos Deputados disponíveis aqui.

[2] Mais sobre o mencionado julgamento é encontrado em artigo da mesma autora (Está tranquilo, está favorável?).

_Colunistas-Danyelle

 

Foto: Nilson Bastian/ Câmara dos Deputados

 

Danyelle da Silva Galvão

Advogada. Doutoranda em Direito Processual. Mestre em Direito Processual. Professora de Direito.

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