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Utilização de materiais em plenário do júri: limites hermenêuticos


Por André Peixoto de Souza


Apenas para ser didático aos estudantes de Direito e aos interessados na matéria, copio a norma em comento:

Art. 479, CPP. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.

Parágrafo único. Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados.

A principal intenção da regra contida no art. 479 do CPP é evitar surpresa às partes no plenário do júri. Em geral, todo e qualquer material a ser lido, debatido, demonstrado e manuseado na sessão de julgamento DEVE ESTAR nos autos em até três dias úteis (e inteiros) antes da sessão.

Sobre isso, no entanto, algumas questões devem ser postas.

1) O júri no Brasil não é, como diz Aury Lopes Jr., hollywoodiano. Inexiste qualquer possibilidade da parte conseguir uma prova de última hora, capaz de virar o jogo e decidir o julgamento. No Brasil, as provas devem estar encartadas nos autos com no mínimo três dias de antecedência da sessão. Esses três dias dão às partes a oportunidade de estudar a documentação e o material anexados pela parte contrária, evitando surpresas que possam macular a “ampla defesa” e o “contraditório”.

2) Sobre o conteúdo do material a ser referenciado em plenário, a norma jurídica é clara: ”jornais ou qualquer outro escrito, (…) vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado (…). Qualquer material dessa natureza (jornais, vídeos, áudios, fotos, laudos, quadros, croqui etc.) podem ser utilizados em plenário DESDE QUE juntados aos autos mediante observação do prazo do art. 479 do CPP. Afinal, é assim que se retira o elemento surpresa contra a parte (contrária): juntando-se o material (jornais, vídeos, áudios, fotos, laudos, quadros, croqui etc.) no prazo em referência – que é o prazo legal.

3) O legislador definiu três dias, e não mais ou menos, por entender que esse é o tempo hábil à apreciação do material pelas partes, uma vez que quando o processo é pautado para sessão de júri, já se tem postos nos autos todos os elementos de prova. Qualquer material a ser encartado na observância desse prazo legal será meramente complementar a tudo o que já foi posto no processo. Parece-nos razoável o prazo de três dias. Por mais que recebamos uma enxurrada de material – 9 ou 99 documentos! – quem verdadeiramente estudou o processo não se intimidará com qualquer material complementar, como um croqui do local do crime, um estudo balístico ou médico-legal, um conjunto de fotos e vídeos etc. Um dia seria pouco; dez dias seriam exagerados!

4) Um problema que advém da interpretação da regra é a possibilidade de juntada “intempestiva” de material nos autos. Esta é a singela pergunta: após o prazo limite – digamos, há um dia do júri! – pode ser juntado qualquer material (jornais, vídeos, áudios, fotos, laudos, quadros, croqui etc.) nos autos? Resposta: SIM, porque nada obsta! A vedação está contida na leitura de documento” ou na exibição de objeto” sem que tenha(m) sido juntado(s) no prazo de três dias anteriores à sessão de julgamento. A rigor, pode-se juntar materiais a qualquer tempo; o que não se pode é fazer referência aos mesmos se não observado o prazo legal. Sendo assim, não é a juntada “intempestiva” de documentos e objetos nos autos que decretará as consequências do ato (podendo suscitar incidentes como adiamento da sessão, nulidades etc.), e sim a sua utilização – ou não – em plenário!

5) Outro problema que merece debate, e que talvez cause maior perplexidade, é quanto ao conteúdo do material juntado “fora do prazo”, ou mesmo sequer juntado nos autos – e utilizado em plenário!(?). A lei aduz que o material a ser demonstrado em plenário (jornais, vídeos, áudios, fotos, laudos, quadros, croqui etc.), e que para tanto deve ser encartado aos autos naquele prazo, deve possuir conteúdo ”sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados”. Ora, a matéria de fato é o crime em si. Outras questões, outros exemplos, decisões análogas, matérias jornalísticas semelhantes (mas não do caso) – e todo o material daí decorrente – que não tocam diretamente à matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados” não podem ser proibidos de menção em plenário, sob afronta ao princípio da ampla defesa, sem que se configure desrespeito ao contraditório! A lei é nova! (de 2008). O legislador processualista bem poderia ter riscado a parte final do parágrafo único do art. 479, mas não riscou! Logo, nesse ponto, é válida a utilização em plenário de QUALQUER material, mesmo não juntado aos autos no prazo do art. 479 do CPP, desde que NÃO se refira diretamente à matéria de fato em comento.


Para além de toda essa formalidade legal, com ou sem documentos, de um lado ou de outro (acusação ou defesa), o maior sentimento que deve pautar a subida em plenário é a CORAGEM. Coragem para estudar e acessar o caso; coragem para o bom enfrentamento; coragem para um debate ético; coragem para defender – e aceitar! – a justiça.

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André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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