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O médico e a insuficiência de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs)

Um problema que se assola na contemporaneidade é a escassez de materiais hospitalares e mesmo a insuficiência de leitos de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva). Frente a esta realidade, em muitas situações, procura-se responsabilizar os profissionais de saúde pelas consequentes lesões, agravamentos de quadros de saúde ou óbitos dos pacientes.

Deve-se ter em mente, primeiramente, o princípio da reserva do possível, segundo o qual a prestação do Estado (referente à concretização do direito à saúde) é condicionada à existência de recursos públicos disponíveis.

Situação esta que não legitima o descaso do Poder Público frente à população, devendo este sempre garantir o mínimo existencial ao propiciar os direitos básicos do cidadão, assegurando-se a dignidade da pessoa humana. Ou seja, é dever estatal viabilizar, no mínimo, as necessidades essenciais do homem, inclusive a saúde.

Fato é que não pode o médico ser responsabilizado criminalmente por mero descaso público, por mera insuficiência de recursos hospitalares ou de leitos de UTIs. É evidente que ele atua dentro daquilo que está a seu alcance, sempre incorporado à já citada reserva do possível, atuando de maneira a preservar a saúde e a vida de seus pacientes mediante os meios e materiais hospitalares fornecidos pelo Estado.

Ora, caso não seja suficiente a quantidade de UTIs ou não sejam eficazes os equipamentos médicos presentes no hospital, é evidente que não cabe responsabilização penal do profissional de saúde, pois resta ultrapassada sua área de capacidade ou poder. Sua profissão é de meio, e não, de fim, tendo como principal incumbência utilizar todos os mecanismos possíveis e que estejam a seu encalço para garantir a saúde de seus pacientes.

Ressalta-se que no Direito Penal Brasileiro vige a responsabilidade subjetiva do agente, devendo haver dolo ou culpa para caracterização de um crime, jamais reconhecendo a culpa presumida. Em outras palavras, para o médico ser responsabilizado penalmente, é necessário que se identifique em sua conduta comissiva ou omissiva o dolo – uma intenção de provocar o resultado de agravamento de saúde ou morte do paciente ou assunção do risco de cometer tal resultado – ou mesmo a culpa – quando a conduta, apesar de voluntária, é descuidada e causa um resultado involuntário – em alguma de suas três modalidades, quais sejam, imperícia, imprudência ou negligência.

Em outras palavras, para haver a tipificação penal de determinado fato, necessária a presença de uma imputação objetiva e um nível de imputação subjetiva, sendo indispensável o preenchimento de requisitos subjetivos internos ao agente, sendo tais tipos os considerados dolosos (quando presentes a consciência e a vontade de realizar certo tipo objetivo); ou ainda podem haver os tipos culposos, os quais não demandam tal imputação subjetiva, porém possuem, em seu tipo objetivo, a culpa como elemento normativo adicional, ou seja, exigem o desatendimento ao cuidado objetivo exigível do autor do delito.

Deve-se observar, seguindo tal discernimento, que o médico age  de acordo com os cuidados concedidos pelo Poder Público, não agindo de forma descuidada, bem como não detém a vontade de causar mal algum ao enfermo, muito pelo contrário, sua finalidade e vontade única é de salvar a saúde e a vida deste.

Vê-se explícito, pois, que o médico não deve ser responsabilizado em casos de carência de leitos de UTIs ou estrutura hospitalar precária, à medida que não age ou deixa de agir por dolo ou culpa, e sim, encontra-se, devido à inércia do Estado, numa conjuntura absolutamente desfavorável a qual o inviabiliza de se utilizar dos meios necessários para garantir a saúde dos pacientes.

Afinal, o profissional de saúde não é um regulador de leitos ou de estruturas hospitalares, sua função já está sendo cumprida ao tentar, de todas as formas possíveis e disponibilizadas pelo Poder Público, salvar a vida dos pacientes, não cabendo sua responsabilização criminal.

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