Valor probatório dos elementos informativos
Valor probatório dos elementos informativos
A discussão acerca da importância da fase inquisitorial na persecução penal em busca da lúdica “verdade real” é pacífica e supera a dispensabilidade desta quanto à propositura da opinio delict do Ministério Público. É dizer, apesar de dispensável, é importante.
Nesta seara, salutar a reflexão acerca do valor atribuído aos elementos colhidos nesta fase, a qual perpetra-se por meio de inquéritos, os quais podem ser policiais ou ministeriais, este último referindo-se ao controverso Procedimento Investigatório Criminal.
Conforme se sabe, a notitia criminis é comumente levada a conhecimento da polícia judiciária, nos casos de crimes perseguidos mediante ação penal pública, instaurando-se inicialmente um procedimento interno de verificação de informações, como meio de desburocratizar o procedimento e analisar a procedência das informações, a fim de concluir pelo cabimento da instauração do procedimento administrativo adequado, qual seja, o inquérito policial.
Tal procedimento prévio a instauração do inquérito mostra-se necessário com vistas a impossibilidade de arquivamento do inquérito pela autoridade policial, mencionando-se ainda os percalços burocráticos em seu trâmite, que tornam o procedimento demasiadamente custoso, intelectual e operacionalmente, para que o afim se conclua pelo arquivamento do inquérito com vistas a descoberta de improcedências das informações apuradas.
Sendo assim, faz-se necessário que se adquira uma razoável verossimilhança das informações prestadas para que se proceda a investigação policial.
Desta forma, instaurado o inquérito pelo órgão de polícia judiciária, esta inicia a investigação com buscas a elucidar o fato trazido a seu conhecimento e, ao fim, indiciar o agente pela prática da conduta delitiva.
Valor probatório dos elementos informativos
Contudo, para que o indiciamento do agente seja suficiente para que o representante do parquet forme sua opinio delict, imprescindível a validade das informações obtidas no curso do inquérito, as quais não tem a si atribuídas, ainda, o valor probatório, diferentemente dos elementos obtidos em juízo, os quais são chamados de “elementos probatórios”, a diferença daqueles colhidos na persecução pré-processual, os quais denominam-se por “elementos informativos”.
Tal fato deve-se a necessidade de os mencionados elementos serem corroborados na persecução processual, ainda que para ratifica-los, mas desta vez perante o juiz competente, que representa o poder punitivo estatal. Razão pela qual os elementos informativos são insuficientes para o decreto condenatório. Esta é a inteligência do art. 155:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
De acordo com a redação do dispositivo processual retro, a exceção a norma perfaz-se em provas antecipadas, não repetíveis e cautelares.
A vertente da presente explanação é, contudo, a controvérsia em torno do valor probatório atribuído as provas não repetíveis e ao exercício da ampla defesa e contraditório no momento de sua produção.
Neste contexto, entende-se que o exame de corpo de delito é a prova não repetível por excelência, em virtude do rápido perecimento dos vestígios do crime, qualquer que seja.
Portanto, reconhecendo-se a pertinência das provas não repetíveis, sobretudo o exame de corpo de delito, tanto pelo valor material atribuído ao seu conteúdo, tanto pela impossibilidade de repeti-las no contexto judicial, ambiente mais propício para sua análise e valoração, impõe-se a possibilidade que esta seja contraditada em sua produção, ainda que em âmbito policial.
Iguais fundamentos se aplicam as medidas tidas por “invasivas” ou “restritivas”, entendidas aquelas como o afastamento de direitos inerentes a privacidade, como a interceptação telefônica, e estas como as restritas a direitos ambulatoriais, como as restrições de liberdade e de direitos.
A jurisprudência do Excelso Pretório coaduna-se com os mencionados apontamentos, conforme segue:
O inquérito não possui contraditório, mas as medidas invasivas deferidas judicialmente devem se submeter a esse princípio, e a sua subtração acarreta nulidade. Obviamente não é possível falar-se em contraditório absoluto quando se trata de medidas invasivas e redutoras da privacidade. Ao investigado não é dado conhecer previamente — sequer de forma concomitante — os fundamentos da medida que lhe restringe a privacidade. Intimar o investigado da decisão de quebra de sigilo telefônico tornaria inócua a decisão. Contudo, isso não significa a ineficácia do princípio do contraditório. Com efeito, cessada a medida, e reunidas as provas colhidas por esse meio, o investigado deve ter acesso ao que foi produzido, nos termos da Súmula Vinculante 14. Os fundamentos da decisão que deferiu a escuta telefônica, além das decisões posteriores que mantiveram o monitoramento, devem estar acessíveis à parte investigada no momento de análise da denúncia e não podem ser subtraídas da Corte, que se vê tolhida na sua função de apreciar a existência de justa causa da ação penal. Trata-se de um contraditório diferido, que permite ao cidadão exercer um controle sobre as invasões de privacidade operadas pelo Estado. [Inq 2.266, voto do rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 26-5-2011, DJE 52 de 13-3-2012.]
Conforme o exposto, institui-se a figura do “contraditório diferido”, uma equivocada subespécie de contraditório, exercido fora das instrumentalidades processualmente previstas, caracterizado pela ausência de plenitude imediata em seu exercício, em virtude de limitações práticas inerentes a própria natureza dos procedimentos.
O mencionado equívoco quanto a seu entendimento qualifica-se, em realidade, na antecipação do contraditório que seria promovido em juízo, mas que não será possível, em virtude de limitação temporal, que impossibilita aguardar o decurso de prazos e demais formalidades.
Ipsu factu, tendo em vista o elevado valor probatório ou o caráter restritivo de determinadas medidas tomadas no curso investigatório, e a relativa independência formal atribuída ao procedimento administrativo, abre-se a possibilidade de exercício do contraditório no inquérito policial.
Noutro giro, mister se faz pontuar a cerca da contradição contida no ordenamento pátrio, especificamente na jurisprudência.
Trecho do julgamento proferido no HC nº 232.674, emanado do Superior Tribunal de Justiça expõe que:
eventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória, dada a natureza inquisitiva do inquérito policial, não contaminam a ação penal.
Desta feita, extrai-se a notável contradição entre as Cortes tupiniquins quanto ao valor dos elementos informativos que, num momento entendem a importância destes ao ponto de reconhecer a necessidade do contraditório “antecipado” e, noutro, entendem que estes não detém valor suficiente para contaminar a ação penal por motivos de ordem pública.
Isto é, pode haver contraditório porque a perda dos vestígios afeta a justa causa para propositura da ação penal, ante a perda da materialidade do delito, bem como medidas restritivas merecem passar pelo crivo do contraditório. Todavia, se for verificada alguma irregularidade, esta não afetará a ação penal.
Pelas razões expostas e ante a insegurança jurídica verificada no tratamento dos elementos informativos, entendemos por bem concluir pelo reduzido valor das informações colhidas em sede policial e, caso o respeito a trâmites imperativos do devido processo legal – os quais devem ser respeitado em todos os procedimentos de um Estado Democrático de Direito – acarrete o perecimento de vestígios necessário para a continuidade da persecução, ou até mesmo a anulação total dos atos produzidos, alea iacta est.
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