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O verbo ‘ocultar’ e o seu significado para a Lei de Lavagem de Dinheiro

Nos textos que escrevi aqui sobre a Lei de Lavagem de Dinheiro, tratamos da origem da norma e ainda sobre a ampliação do rol dos crimes antecedentes, configuradores do crime.

Como já explicamos, a lavagem de dinheiro vem definida no art. 1º da Lei 9.613/98:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Da leitura do texto legal, se depreende a especial atenção que precisamos dar ao verbo “ocultar”. Muitos perguntam do que ele se trata: o que compreende o ato de “ocultar”? Segundo os dicionários, “ocultar” significa “subtrair às vistas”, “esconder”, “dissimular”, “sonegar”, “não revelar”.

De fato, entender o seu significado é determinante para definir a materialidade do crime de lavagem, pois se a conduta do agente não se adaptar completamente àquilo que foi discriminado pela lei, isto é, ao que realmente significa o ato de “ocultar”, a conduta será atípica.

Por outro lado, sabe-se que o processo de lavagem de dinheiro vem dividido ao menos em três fases: a “ocultação”, a “dissimulação” e a “integração de bens à economia formal”. Há quem acredite ainda em uma quarta fase, como o Juiz Fausto de Sanctis, que é a “reciclagem”, ou seja, o apagamento de todos os indícios anteriores à lavagem.

Como já mencionamos aqui, a ocultação diz respeito à movimentação de pequenas quantias de valores auferidos na prática criminosa, de modo a não chamar a atenção das autoridades. Há ainda o depósito em contas de terceiros, a conversão em moeda estrangeira etc. O mascaramento, a seu turno, tem como sinônimo a dissimulação do capital. É composto por transações financeiras que afastam os valores escondidos da sua origem ilícita. A integração dos bens à economia, por sua vez, é a introdução dos valores na economia formal. Bottini explica ainda que esta operação confere aparência de licitude aos bens, pois se misturam a valores obtidos em atividades lícitas e lavados nas operações de dissimulação.

Diante dessa divisão escalonada, há entendimento de que não basta a mera dissimulação dos valores para a configuração do delito de lavagem de dinheiro, ou seja, o simples ato de “ocultá-los” ou “escondê-los”, consoante a fria e cega letra da lei. Segundo esta corrente, exigem-se atos adicionais que levem às demais fases acima mencionadas, como por exemplo, a tentativa de reintegrar os bens à economia formal.

Ao que se percebe, esta linha de pensamento compreende que o termo “ocultar” é tido e exige finalidade específica de dar aparência lícita aos valores auferidos em conduta anterior criminosa, isto é, deve haver um certo “quê” de subjetividade, não bastando por si só a mera intenção de esconder os valores.

Por outro lado, existem estudiosos que sustentam a materialidade da lavagem de dinheiro unicamente na simples não revelação de valores, pois afinal, segundo eles, a legislação sequer exige a reintrodução dos valores nos ciclos da economia para configurar o tipo penal da lavagem. A materialidade da lavagem exsurge, assim, tão somente pela adequação da conduta do agente ao significado do dicionário.

Filiamo-nos à primeira corrente, na qual o mero ato de esconder valores provenientes de delitos anteriores é conduta atípica: para que se materialize a lavagem de capitais, é preciso comprovar a intenção de mascarar e de reintroduzir os valores ilícitos na economia, pois é disso que é feita a lavagem.

É bem verdade que o princípio da legalidade estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei, expresso no artigo 5º, inciso II, da CF. Todavia, mais do que a letra fria da lei, é preciso compreender a intenção do legislador ao criar as normas, saber os motivos que o levaram a usar certos termos em detrimento de outros.

No caso da lavagem de capitais, certa é a intenção de punir, não apenas a dissimulação dos valores, mas a sua reinserção na economia formal com aparência de licitude. Não fosse assim, estaríamos diante do crime de favorecimento real, com apenamento mais brando, e não do crime de lavagem de capitais. Mas isto é assunto para outro dia. lei de lavagem de dinheiro lei de lavagem de dinheiro lei de lavagem de dinheiro

Karla Sampaio

Advogada Criminalista e Bacharel em Administração de Empresas. Especialista em Direito Penal e Direito Penal Empresarial, com atuação no RS e nos Tribunais Superiores, em Brasília.

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