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Vestimenta do réu e julgamento pelo Tribunal do Júri

Vestimenta do réu e julgamento pelo Tribunal do Júri

A norma insculpida no artigo 5º, XXXVIII, “d” da Constituição Federal, assegura ao Tribunal do Júri a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida: o Tribunal é composto pelo Juiz-Presidente – juiz togado ao qual caberá a direção e a condução do procedimento – e pelo Conselho de Sentença –  formado por sete cidadãos escolhidos através de sorteio que decidirão, por intermédio de quesitos, a absolvição ou a condenação do acusado. 

O Tribunal do Júri é um procedimento bastante peculiar inserido na legislação penal pátria, posto que permite o julgamento do povo através do próprio povo, consistindo em uma abertura democrática no Poder Judiciário. A discussão procedimental acerca do julgamento pelo Tribunal do Júri não nos cabe nas curtas linhas deste artigo. O que se busca discutir, porém, é a estigmatização do sujeito submetido a julgamento trajando vestimenta fornecida pelo sistema penitenciário

Não raro o réu – que aguarda ao julgamento preso ou que está encarcerado por razão diversa – é encaminhado ao plenário de julgamento com roupas padronizadas (uniformes), fornecidas pelos presídios brasileiros. Aos nossos olhos, porém, tal fato viola não apenas o princípio da dignidade, mas a presunção de inocência do acusado, uma vez que os jurados, ao se depararem com a utilização de tão relevante símbolo do sistema carcerário, – consciente ou inconscientemente – acabam por pré-julgar o réu.

Este é o fundamento, inclusive, da regra insculpida no artigo 474, §3º, do Código de Processo Penal, que dispõe que “não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período de sua permanência no plenário do júri, salvo se necessário à ordem dos trabalhos ou à segurança dos envolvidos”. Neste mesmo sentido, a Súmula Vinculante nº 11 editada pelo Supremo Tribunal Federal leciona que o uso de algemas só é lícito nos casos em que houver risco ou resistência. A utilização das algemas deve ser, inclusive, justificada por escrito

Vestimenta do réu

O uso da vestimenta fornecida pelo presídio – assim como o uso de algemas – estigmatiza o acusado perante o Conselho de Sentença. Os jurados, como se sabe, decidem de maneira desmotivada e julgam sem expor as suas razões: deste modo, o uso desta vestimenta (tão simbólica), pode comprometer a imparcialidade do respectivo Conselho de Sentença. 

Ora, se é mesmo possível supor-se a contaminação dos jurados – que, como se sabe, não têm dever de fundamentação de suas decisões – pela utilização das algemas em plenário, porque não anular-se a maioria esmagadora dos julgamentos no júri, quando presos os acusados? Os uniformes de presidiários não imporiam juízos de desvalia em relação aos réus?

O Superior Tribunal de Justiça, provocado a enfrentar tal questão, no (recente) julgamento do RMS 60575/MG entendeu pela nulidade do julgamento em que se indeferiu – sem justificativa aparente – o uso de roupas civis pelo réu encarcerado. 

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua vez, enfrentou – de forma mais aprofundada e crítica – a discussão em comento: no Habeas Corpus Criminal nº 2129627-62.2019.8.26.0000, a referida Corte autorizou o uso de trajes civis durante o julgamento pelo Plenário do Júri para que fosse assegurado o pleno exercício do princípio da presunção de inocência. 

Já o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, no julgamento da apelação criminal nº 0001188-72.2012.8.10.0060, entendeu que a submissão do réu a julgamento com roupas do cárcere violaria os princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia, vedação ao tratamento desumano, e, além disso, afrontaria a garantia de paridade de armas no processo penal, uma vez que o uso da vestimenta teria o condão de influenciar negativamente os jurados responsáveis pela formação do veredicto. 

No entanto, em todas as referidas (e importantes) decisões, houve efetivo pedido da defesa para o uso da vestimenta civil, tendo sido negado pelo magistrado presidente da sessão do Tribunal do Júri. Nos atrevemos ir além: pouco importa o pedido da defesa.

Se o mero uso de vestimentas carcerárias arranha princípios basilares do réu submetido a julgamento em plenário, a solução é simples: não se deve submeter a julgamento ninguém trajando uniforme de presídio. Assim como não se deve submeter a julgamento ninguém algemado. Medidas bastante simples e efeitos – garantias penais e processuais penais efetivamente respeitadas – significativos.


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Marion Bach

Advogada (PR) e Professora

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