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Viagem ao submundo carcerário


Por Diorgeres de Assis Victorio


Dedico este humilde artigo ao meu pai Nedeyr Victorio que veio a falecer no dia 15 do presente mês, em virtude do acometimento de doenças. Ele nunca teve condições de compreender o fato de eu ser colunista deste Canal e nunca leu artigo algum, mas sei que agora onde está pode compreender os fatos com mais clareza. Fique na Paz meu amado pai. Nós te amamos muito e a sua ausência muito nos entristece.

Este artigo tem por objetivo analisar o que fora divulgado amplamente nas redes sociais, onde verifiquei que os membros destas achavam um absurdo o que foi por milhares de vezes compartilhado. Mas o que seria então essa notícia que fora massivamente tão divulgada? Trata-se da notícia do “G1 Globo” na qual nos informa que a Corte Interamericana de Direitos Humanos em uma visita a maior cadeia do Brasil teria encontrado algumas irregularidades.

O que seria essa tal corte? Ao analisarmos o REGULAMENTO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, poderíamos resumidamente dizer que:

“A Corte Interamericana é um dos três Tribunais regionais de proteção dos Direitos Humanos, conjuntamente com a Corte Europeia de Direitos Humanos e a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos. É uma instituição judicial autônoma cujo objetivo é aplicar e interpretar a Convenção Americana. A Corte Interamericana exerce uma função contenciosa, dentro da qual se encontra a resolução de casos contenciosos e o mecanismo de supervisão de sentenças; uma função consultiva; e a função de ditar medidas provisórias.”

Mister se faz mencionar que os Estados das Américas adotaram uma série de instrumentos internacionais que se converteram na base de um sistema regional de promoção e proteção dos direitos humanos, conhecido como o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, através deste sistema foram criados dois órgãos destinados a velar por sua observância: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Convenção Americana é também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. Importante mencionar que o Brasil, dentre vários outros países, ratificaram a Convenção Americana e reconheceu a competência contenciosa da Corte. A função principal da Comissão é a de promover a observância e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização dos Estados Americanos nesta matéria.

A composição atual da Corte é de sete juízes de vários países membros, dentre os quais o juiz Roberto F. Caldas que é do Brasil. Importante também mencionar que as sentenças do Tribunal são definitivas e inapeláveis (são vinculantes). A Corte desempenha função contenciosa na qual supervisiona o cumprimento de sua sentença. Essa supervisão funciona do modo pelo qual a mesma solicita informações ao Estado sobre as atividades desenvolvidas para dar cumprimento à sentença no prazo estipulado pela Corte. Com essas informações, a Corte pode apreciar se realmente houve cumprimento da decisão e baseado nessas informações informar a Assembléia Geral a situação do cumprimento da sentença.

A problemática nisso tudo, é a implementação efetiva das decisões da Corte, pois não acredito que existam mecanismos efetivos para executar as decisões da Corte. Mas porque eu estou dizendo isso? Digo isso porque já houve outras visitas da Corte ao nosso país. Vejamos alguns exemplos:

RESOLUÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DE 22 DE MAIO DE 2014 MEDIDAS PROVISÓRIAS A RESPEITO DO BRASIL (ASSUNTO DO COMPLEXO PENITENCIÁRIO DE CURADO);(Os Juízes Roberto F. Caldas e Diego García-Sayán não participaram do conhecimento e da deliberação da presente Resolução)

RESOLUÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS DE 14 DE NOVEMBRO DE 2014 MEDIDAS PROVISÓRIAS A RESPEITO DO BRASIL ASSUNTO DO COMPLEXO PENITENCIÁRIO DE PEDRINHAS (Os Juízes Roberto F. Caldas e Diego García-Sayán não participaram do conhecimento e deliberação da presente Resolução) 

RESOLUÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 1, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2015 MEDIDAS PROVISÓRIAS A RESPEITO DO BRASIL (ASSUNTO DO COMPLEXO PENITENCIÁRIO DE CURADO) (O Juiz Roberto F. Caldas não participou do conhecimento e da deliberação da presente Resolução)

Se os prezados leitores observarem, não é primeira vez que essa Corte fez uma visita ao Complexo Penitenciário de Curado, inclusive editou duas resoluções. E se notarem as irregularidades encontradas nas resoluções constataram que existem muitos pontos em comum.

Quanto ao que foi noticiado nas redes sociais sobre o tal ‘Minha cela, minha vida’, que inclusive presos pagavam por um aluguel de uma cela, na verdade por um pedaço da cela, tenho a informar que presencio isso há mais de 20 anos, inclusive venda de colchões e alugueis dos mesmos. Presos “mais bandidos” escolhem as melhores “jegas” (camas) e celas mais distantes dos agentes de segurança penitenciária, ou que ficam para o lado da muralha, que são mais fáceis de serem feitos “tatus” (túneis para fugas).

Encontraram também presos dividindo colchões (já vi casos em que, nem colchão para serem divididos existiam, não existiam os chamados enxovais (lençol, fronha, calça, camisa e etc). Quanto a Corte encontrar celas lotadas com uma quantidade insuficiente de banheiros, digo que isso também é “normal” nas cadeias que já visitei, inclusive no Rio de Janeiro existem os famosos presos morcegos (que são assim conhecidos pelo fato de morarem pendurados na parte superior das celas nas grades em redes improvisadas, já vi presos que eram amarrados para dormirem, pois não existia espaço no chão para ele dormir deitado e também já vi casos de presos que revezavam para dormir, porque se todos resolvessem dormir ao mesmo tempo não havia espaço para todos deitarem ao chão.

Também relataram problemas com armas na Unidade (o que também não deixa de ser “normal” dentro de um presídio), abusos com visitantes quanto as revistas (o que também ocorre há dezenas de anos). Constaram casos de mortes violentas dentro da Unidade. Mas na cadeia quanto mais for violenta a morte, mais poder ganhará o homicida dentro da hierarquia do crime. Há uma disputa para ver quem é o mais sanguinário e histórias de verdadeiros filmes de terror são contadas nas radiais das prisões brasileiras. Cabeça de criminoso é um troféu para muitos, beber sangue, picar pessoas, derretê-las na cal virgem com a ajuda da descarga do “boi” também é utilizado.

O que me causa espanto é a quantidade de pessoas que ficaram abismadas com a situação dessa cadeia, mas pergunto: “O que a sociedade pensa que é uma cadeia na verdade? Que situações os membros de nossa sociedade acham que esses seres humanos tentam sobreviver? Acham que na cadeia o Estado dá tudo e que não existe um comércio ilegal de celas e outros objetos que são fornecidos pelo Estado?”

Não sei, mas acho que na verdade nossa sociedade também está acreditando no Papai Noel, ou se faz de louca! Advirto a sociedade, se a mesma continuar a agir dessa maneira ela sofrerá cada vez mais sérios problemas quanto à criminalidade organizada.

_Colunistas-Diorgeres

Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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