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Autoridades jogando com vidas no Espírito Santo

Autoridades jogando com vidas no Espírito Santo

Na queda de braço entre governo e polícia militar (e sua “greve” considerada ilegal), borbulham narrativas sensacionalistas que elencam qualquer desses como vítima.

Agem como se numa grande mesa de poker, fazendo suas apostas e blefes (enquanto brincam com vidas), típico dos que naturalizaram e cristalizaram em si o princípio da autoridade como regente de vidas.

Da parte da PM, convocações à violência estrondosamente difundidas e replicadas (a polícia como protagonista da organização e difusão de vídeos, áudios, imagens etc.), violências variadas, cada qual extremamente comemorada, celebrada, acompanhadas de jargões batidos (contem com o Superman), sentimentos de felicidade, anúncios e profecias por parte da aludida polícia, de que estaria “tudo liberado”, “o pau vai comer”, acompanhando ávida cada situação a ser difundida, muitas delas oxigenadas e potencializadas por suas próprias atuações “secretas”.

Não há que se falar, portanto, em efeitos “sem polícia” no Espírito Santo, eis que, a todo instante houve polícia oxigenando e energizando violências, alimentando cada anúncio, bombardeando convocações e promoção do medo.

Muitos dos assassinados foram pessoas linchadas, e sobram indícios de acertos de contas e pessoas marcadas para morrer, entre situações atreladas à asnática guerra às drogas, e a retirada parcial dos controles das autoridades regentes sobre os negócios, seja passando carta branca diretamente, seja simplesmente contando e aguardando as disputas por novas diagramações no poder local, celebrando resultados favoráveis à ideia do caos e anarquia, em sua acepção mais rasteira do senso comum.

Entre celebrações e convocações várias, além de teatros um tanto quanto mal feitos ao explicitarem que se encontravam impedidos de trabalhar, aos poucos, tanto a polícia militar quanto o governo, tiveram suas imagens próprias desgastadas. Ninguém abandonou sua mão até então, e se desafiam à batalha de resistência e imagem.

Tanto o exército quanto a força nacional foram aplaudidos pelos que, ante a queda de braço envolvendo polícia e governo, sonham com mais controles e autoridades (como se o problema desde o início não fossem os mundos, projetos e produções repressivas dessas mesmas autoridades, e que ensinam a delas depender, condicionando-nos às culturas repressivas, razão de Estado, razão de governo).

Na queda de braço entre polícia e governo do Espírito Santo, cada qual empregando qualquer método para “vencer”, enquanto conta com o definhamento do outro, não há ingenuidade ou “vítima”.

Apenas interessados.

A imaginação punitiva acaba de ser alimentada de forma incomensurável no Espírito Santo (que se mostrou um grande laboratório) e seus achatamentos devem perdurar de forma devastadora nas produções do senso comum criminológico.

Servidão voluntária e fascínio por controle austero reforçados, entre amor por autoridades e suas hierarquias (amabilidades forjadas, estrategicamente programadas para legitimar o amanhã).


Nota: Para melhor entender a situação do Espírito Santo e sua cronologia acerca da paralisação  da Polícia Militar e suas ressonâncias, conferir o escrito de Acácio Augusto: “Polícia para quem precisa de polícia: um relato sobre o banho de sangue no ES e os aplausos ao exército” (leia AQUI).

Guilherme M. Pires

Doutor em Direito Penal (UBA). Advogado.

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