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E se a violação de prerrogativas da advocacia fosse criminalizada?

E se a violação de prerrogativas da advocacia fosse criminalizada?

A ideia do projeto E SE? é incentivar os leitores do Canal Ciências Criminais a pensar sobre o futuro do sistema criminal brasileiro como um todo e permitir reflexões sobre a forma como estamos o conduzindo. Semanalmente serão formuladas perguntas envolvendo temas polêmicos, com a finalidade de estimular debates e discussões.

Pergunta de hoje

E se a violação de prerrogativas da advocacia fosse criminalizada?

Respostas

Diante dos vários casos de abuso das prerrogativas dos advogados que temos visto nos últimos tempos é natural que se pense em criminalização de atos que afrontem tais direitos. Antes de afirmar qualquer posição a favor ou contra uma iniciativa legislativa desta, é imprescindível refletir sobre o princípio da necessidade da pena ou de intervenção mínima. Este princípio serve como limitador da intervenção do Estado na vida humana, de maneira que o Direito Penal deve ser considerado de ultima ratio. A intervenção penal estatal só se justifica para a proteção de direitos fundamentais, fora destas balizas deve ser considerada como abusiva. Tal princípio exige como parâmetros de avaliação da necessidade de atuação penal do Estado na proteção de bens jurídicos a resposta a três quesitos: 1) Há carência na proteção a um bem jurídico? 2) Há alternativas a penalização da conduta? 3) Há eficácia concreta na sua criminalização? A resposta positiva a qualquer um destes três questionamentos faz com que a atuação penal seja injustificada, consubstanciando apenas uma medida de hipercriminalização/hipertipificação, o que merece ser evitado. Sem poder me alongar muito, entendo que talvez a criminalização dos atos contrários às prerrogativas dos advogados não ultrapasse o segundo requisito, uma vez que a tutela civil e administrativa destes direitos se demonstra suficiente. O que se pode questionar é a devida atuação dos órgãos de controle daqueles que descumprem tais direitos, por exemplo o CNJ, o CNMP e as Corregedorias de Polícia. O simples fato de não punirem efetivamente o abuso de prerrogativas diz mais sobre a indisposição destes órgãos para cumprir seu papel do que a respeito da necessidade de criminalização de condutas que ofendam o bem jurídico em questão. No mais, é importante diferenciar qualquer tentativa de tutela penal das prerrogativas dos advogados da criminalização do desacato, a qual já fora, inclusive, considerada inconvencional de acordo com o Pacto de São José da Costa Rica e, consequentemente, inconstitucional em decisão do STJ. Ao que me parece, o crime de desacato, embora se diga pela doutrina que detém como bem jurídico o respeito à função pública, indicia uma tutela de valor moral no qual não se poderia questionar atos praticados por aquele que atue como longa manus do Estado. Este tipo de criminalização não respeita o princípio anteriormente citado, uma vez que ele exige a tutela de bens jurídicos reais, de direitos fundamentais. Não haveria, portanto, a carência de proteção a um bem jurídico, mas sim a um valor moral. Todavia, no caso das prerrogativas dos advogados, estamos falando sim de direitos, o que permite que se debata sobre a possível criminalização que aqui foi analisada.

JOSÉ MUNIZ NETOAdvogado, Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal e Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais (Univ. de Lisboa)


Esta hipótese levanta uma das maiores celeumas que vivenciamos na atualidade, diante de um protagonismo exagerado de Juízes dentro do Processo Penal. Já se discute muito acerca da espetacularização do Processo Penal brasileiro. Senhores, de acordo com a CF, o Advogado é indispensável para administração da Justiça. Lembro-vos que o Advogado não está subordinado a Juiz e promotor, muito pelo contrário, o Advogado está no mesmo patamar de igualdade que os citados. Todavia, vivemos em tempos sombrios dentro do Processo Penal brasileiro, uma vez que o Advogado está sendo marginalizado, menosprezado pelas Autoridades Públicas, pelo simples fato de “Autoridade”, ou melhor dizer: “Abuso de Poder”. Muito me surpreende artigos, entrevistas etc., de Juízes, Promotores e Delegados, aludindo que a criminalização de prerrogativas é uma banalização do Direito Penal. Ao meu ver, só me parece que essas figuras arbitrárias têm medo do Advogado fortalecido. Ora, pensemos bem, se o advogado está no mesmo patamar que essas autoridades, por que só existe crime para proteção do ego das citadas? Como, por exemplo, o desacato. Se o Advogado é menosprezado, tem sua atividade profissional cerceada, por que não poder punir esses infratores que a todo custo tentam demonstrar superioridade e levantar a voz para calar o Advogado com ameaças esdrúxulas de que irão prendê-lo? Os senhores já chegaram a ler algumas propostas de criminalização de ofensa à prerrogativa? Vejam: a) impedir o exercício da profissão; b) impedir o auxílio da OAB em caso de prisão; c) impedir o acesso de documentos judiciais; d) impedir a retirada dos autos de processos finalizados por até 10 dias, mesmo sem procuração; e) impedir de ter vista dos processos judiciais ou administrativos; f) impedir o profissional de auxiliar seus clientes durante investigação; g) ser preso, antes do trânsito em julgado, em local que não seja Sala de Estado Maior; h) afrontar a inviolabilidade do escritório ou o sigilo entre advogado e cliente. Percebem que não há nenhum abuso nas proteções acima citadas?! Na verdade, já é um direito inerente ao Advogado, e que o tempo inteiro é cerceado por essas Autoridades sem nenhum preceito fundamentado, apenas por nítido abuso do poder que exerce. Enquanto o Projeto de Lei 8.347/2017 não é totalmente aprovado, esperamos por esse histórico dia, onde poderemos advogar com a garantia de que não haverá nenhum ultraje ao nosso serviço. Senhores, vale o desafio, neste intervalo, da advocacia combativa do dia a dia, onde enfrentamos, desde agentes penitenciários a Juízes e Promotores, exatamente, todos os dias. É extremamente estressante ter que implorar ou saber conduzir com muita cautela pela vontade própria do servidor público para prestar o “favor” para os Advogados realizarem o labor. A criminalização pela violação de prerrogativas é essencial para garantir a voz do povo e para permitir a advocacia exercer sua atividade plena. Logicamente, não é com afronta e gritos, mas dignamente dentro de seus padrões éticos e urbanistas. Devemos buscar ainda mais informação e conhecimento técnico para enfrentar nossa rotina.

MACKYSUEL MENDES LINS – Advogado e Pós-graduando em Ciências Criminais


A nossa Constituição prevê, em seu artigo 133, que o advogado é indispensável à administração da justiça, ou seja, ao advogado cabe resguardar os direitos do seu cliente frente ao poder coercitivo do Estado. Porém, para que esses profissionais possam exercer seu trabalho da forma mais plena possível, eles devem possuir ferramentas que garantam a excelência da sua atuação, quais sejam, as prerrogativas que estão elencadas no Estatuto da Advocacia, nos artigos 6º e 7º. Lá estão expressos os Direitos que o advogado detém para melhor efetuar seus serviços na defesa dos direitos do cidadão. No entanto, não são raros os casos que essas prerrogativas são violadas, onde advogados são muitas vezes humilhados, rebaixados, ridicularizados e impedidos de atuar plenamente. Diversas são as reclamações chegadas até a OAB, onde só resta para essa emitir uma nota de repúdio a quem violou as prerrogativas do douto profissional. Uma vez que essa violação torne-se um crime, algo poderá ser feito, e toda vez que um magistrado, promotor, autoridade policial, etc, desrespeitar tais prerrogativas, o advogado poderá tomar todas as medidas cabíveis para que aqueles respondam pelas suas atitudes, o que, provavelmente, fará com que pensem duas vezes antes de desrespeitar a autoridade de um advogado, assim também certificando um fortalecimento no Estado Democrático de Direito.

FELIPE S. MACEDO – Acadêmico de Direito (URCAMP)


Recentemente, observamos a violação de prerrogativas da advocacia com a prisão da advogada Valéria dos Santos, enquanto exercia seu pelo direito de trabalhar em uma audiência. O caso da referida advogada foi um dos poucos que restou noticiado, vindo a tomar grande repercussão midiática, apesar de, cotidianamente, advogados terem suas prerrogativas atingidas no exercício legal da profissão. Encontra-se em tramitação, e muito provável de logo ser sancionado, o Projeto de Lei n.º 8.347/2017, o qual torna crime violar direitos dos advogados. Aprovado o aludido projeto, será alterado o Estatuto da Advocacia, podendo cominar pena de 1 a 4 anos de prisão a quem atacar os direitos e prerrogativas da categoria. Lastimoso, ao menos para mim (futuro advogado), ver a advocacia, essa profissão tão digna e honrosa, ser aviltada da forma como vem sendo. Logo, entendo ser de suma importância tornar crime o desrespeito para com a advocacia, penalizando, assim, aqueles que tentam atrapalhar ou impedir o exercício da profissão.

MARTIN GROSS Acadêmico de Direito


Atualmente, o instituto da ampla defesa enfrenta tempos sombrios no Brasil, em que constantemente essa garantia é violada pelas subjetividades dos aplicadores do Direito. Portanto, se a violação de prerrogativas fosse criminalizada no Brasil, os defensores poderiam exercer suas atribuições de forma segura e Constitucional, evitando as constantes afrontas ao longo de uma defesa plena. Em um tom mais prático, advogados não seriam mais presos por exercerem as suas prerrogativas de forma ampla e visarem exclusivamente as defesas de seus clientes.

GABRIEL CARVALHO DOS SANTOS Acadêmico de Direito e pesquisador


Atualmente, o flagrante desrespeito às prerrogativas nos faz pensar qual o verdadeiro valor da advocacia. A advocacia, de outrora, instrumento persecutório da defesa, da justiça (aquilo que advém do que é justo), o fiel da balança entre a sanha vindicativa e o Estado que confiscara a vítima; está hoje sofre ataques ostensivos, buscando seu enfraquecimento, seu acovardamento, muitas vezes de forma gratuita e explícita… Estamos hoje mais para a criminalização do exercício da advocacia que para a criminalização do descumprimento às prerrogativas, infelizmente. Mas o que talvez não devamos nos esquecer é que são as prerrogativas que permitem ao advogado lutar pelo seu cliente, que permitem que a busca pela justiça não seja algo intangível. Não sei se criminalizar o desrespeito e a violação seja o caminho, mas tenho certeza que a concretização do acesso à justiça para todos passa pelo respeito às prerrogativas.

MYRNA ALVES DE BRITTO – Bacharelanda de Direito (UFRRJ)


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Redação

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