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Você defenderia um estuprador?

Você defenderia um estuprador?

Um dos crimes que reputo ter maior risco de haver injustiça – para ambos os lados – é o crime de estupro, porque em muitos casos – senão na grande maioria – a palavra da vítima é a única prova dos autos.

Não raras às vezes o crime de estupro é cometido na clandestinidade, sem qualquer testemunha. 

Fato que se agrava quando a vítima é criança ou adolescente, pois em muitos casos o abusador é alguém da família ou próximo.

Nesse contexto, partindo do pressuposto que a única prova materializada no processo é o depoimento da vítima, quais seriam os caminhos que a defesa do acusado deve permear?

Você defenderia um estuprador?

Em primeiro lugar, vai depender em qual momento o advogado se habilitará. Se desde o início da persecução penal – fase policial –, devemos nos atentar a cada detalhe do depoimento da vítima. Tudo que a vítima relatar deverá ser confrontado, seja através de prova testemunhal,documental ou pericial. Num processo que atuei, a vítima afirmou que no ano de 2017 tinha participado de uma palestra sobre ‘educação sexual’ na escola.

Ela afirmou que a partir dessa palestra ficou sabendo o que era abuso sexual e que quando tinha 6 anos teria sido abusada pelo padastro. Isso há 10 anos atrás. Ao detectar a informação, protocolei um ofício na escola que a vítima estudava, solicitando a relação de palestras realizada no ano de 2017 sobre educação sexual. A diretora informou que naquele ano não ministraram qualquer palestra sobre educação sexual. Uma ‘verdade’ desmentida que fragiliza o seu testemunho.

Se a atuação do advogado iniciar na fase da apresentação da resposta à acusação, tudo que foi produzido anteriormente deverá ser analisado, principalmente o  laudo psicológico ou psicossocial emitido, normalmente, pelo CREAS ou psicólogo (a) da rede municipal ou estadual.

Vale registrar que o CREAS não deve emitir qualquer juízo de valor. Relatório que deve ser contestado se for atribuído alguma conclusão precipitada ao acusado. Recomendo a leitura da portaria CIB/SP 19/2018, Nota técnica 02/2016 SNAS/MDS, Decreto Federal 9.603/2018 e da Lei 13.431/2017.

Se no decorrer do processo a única prova for a palavra da vítima, mesmo assim, devemos no engajar em buscar elementos – como já dito – que desqualifiquem a palavra da vítima. Seja contradições, mentiras, possíveis invenções, falsas memórias, testemunhos que se oponham aos fatos, provas documentais que certifiquem o local que o acusado estava entre outros elementos do caso concreto.

Mesmo havendo apenas um testemunho incriminador, alguns juízes, com base no princípio do livre convencimento motivado, condenam os acusados a penas exorbitantes. 

O princípio do livre convencimento motivado consiste na forma de valoração das provas que estão nos autos pelo magistrado, sendo imposto a ele que decida de maneira motivada, ou seja, fundamentada. 

Motivação e fundamentação não se confunde com intuição, que podemos descrever como um sentimento, uma sensação ou pressentimentos.

Havendo dúvida razoável do crime, deve, a princípio, o magistrado absolver o acusado.

Vale lembrar que o ônus da prova da acusação compete ao Ministério Público, conforme artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal, ressaltando que o juiz tem a discricionariedade de determinar diligências que julgar relevantes para amparar o processo.

A propósito, sobre o assunto, preleciona MIRABETE: 

Ônus da PROVA (onus probandi) é a faculdade que tem a parte de demonstrar no processo a real ocorrência de um fato que alegou em seu interesse. Dispõe a lei que a PROVA da alegação incumbe a quem a fizer, princípio que decorre inclusive na paridade de tratamento das partes. No processo penal condenatório, oferecida a denúncia ou queixa cabe ao acusador a PROVA do fato típico (incluindo dolo e culpa) e da autoria, bem como das circunstâncias que causam o  aumento da pena (qualificadoras, agravantes etc.); ao acusado cabe a PROVA das causas que excluem a antijuricidade, culpabilidade e punibilidade, bem como circunstâncias que impliquem diminuição da pena (atenuantes, causas de diminuição da pena etc.), ou benefícios penais. (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 11.ª ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 474-5)

Assim sendo, havendo fragilidade das provas contidas nos autos, as quais não servirem de suporte para se impor, com a certeza necessária, uma condenação ao acusado, a defesa deve, com a devida atenção aos fatos, senão em postular pela concessão do decreto absolutório, haja vista a presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo.

Você defenderia um estuprador?


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Rodrigo Urbanski

Professor. Advogado Criminalista. Especialista em Ciências Penais e Direito Constitucional.

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