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Anticorrupção e Criminal Compliance: origens e antecedentes dos programas de integridade

Se no primeiro artigo da presente coluna tivemos a oportunidade de apontar que o compliance representa um novo objeto de trabalho na ciência jurídica e seu conceito deve ser delimitado no sentido de discutir a necessidade de antecipar riscos no âmbito da atividade econômica empresarial, devemos agora pontuar as origens e os antecedentes que levaram à consolidação desses programas de integridade e de conformidade à Lei.

Conforme leciona NIETO MARTIN, é certo que o compliance faz parte de um fenômeno de americanização que os ordenamentos jurídicos europeus estão experimentando. O instituto nasce e se desenvolve nos Estados Unidos da América. (NIETO MARTIN; 2015, p.27)

Os primeiros programas apareceram com a criação da Security and Exchange Commision (SEC), Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos da América, na década de 30, quando se passou a exigir que as empresas estabelecessem controles internos. Mas foi nos anos 80, em decorrência de graves escândalos financeiros em Wall Street, que a própria SEC passou a exigir que as agências que operavam no mercado financeiro implementassem de maneira rígida medidas de organização interna. A Insider Tranding and Securities Enforcement Act, de 1988, consagrou este tipo de medida com o monitoramento de operações financeiras.

As fraudes corporativas ocorridas no início dos anos 2000 nos Estados Unidos com a empresa Enron, seguido de casos similares com a WorldCom, Tyco e Adelphia, fizeram com que o sentido da implementação de programas de conformidade com a Lei ganhassem uma orientação mais punitiva. A resposta legislativa ao escândalo com a Enron veio com a Lei Sarbanes-Oxley (SOX) de 2002, com o intuito de promover reformas nas práticas comerciais norte-americanas bem como implementar a exigência de programas de avaliação dos riscos e controles internos nas empresas. Esta Lei trouxe uma mudança geral no sentido de que os controles voluntários passaram a ser, agora, obrigatórios.

Destaca-se nesta normativa a obrigatoriedade de mecanismos que protejem investidores, estabeleçem programas internos com o objetivo de melhorar a transparência e confiabilidade, princípios éticos e deveres de auto-obrigação. Também, é de se notar a internacionalização da SOX, no intuito de difundir a propagação de regras de conformidade à Lei e de boa governança empresarial. (SILVEIRA; 2012, p. 5)

Ainda, o combate à corrupção é outro grande fator que contribuiu para o desenvolvimento dos programas de compliance. Na mesma linha da evolução acima narrada, foram os Estado Unidos, no ano de 1977, o primeiro país a se comprometer com o combate a corrupção no plano internacional. O Foreign Corrupt Practices Act, FCPA, foi parte de uma reação da opinião pública contra o escândalo de propina paga pela empresa Lockheed Aircraft Corporation a funcionários públicos estrangeiros. No início da década de 1970, a empresa que enfrentava dificuldades financeiras, precisou ser resgatada pelo governo norte-americano e posteriores investigações comprovaram que a empresa havia pagado aproximadamente U$ 22 milhões a funcionários de governos estrangeiros para garantir ou manter contratos para venda de aeronaves. (PAGOTO; 2013, p. 54)

Apesar da rigorosa inserção do tema corrupção no contexto dos programas de integridade para empresas multinacionais, verificou-se que as corporações norte-americanas que estavam sujeitas ao FCPA acabavam ficando em desvantagem em relação às empresas de outros países. Assim, em 1993, após a eleição do Presidente Bill Cinton, este assunto foi objeto de atenção por parte do governo norte-americano e duas perguntas foram feitas, quais sejam, (i) por que a corrupção internacional de repente apareceu no topo das prioridades do Estados Unidos? e (ii) quanta desvantagem competitiva o FCPA trouxe para o mercado?

Para a primeira questão, o Secretário de Comércio dos EUA, ao iniciar um programa que empreendeu grande esforço para aumentar o comércio internacional e as exportações do seu país, notou que alguns parceiros comerciais envolviam os chamados “big emerging markets”, ou seja, os “mercados emergentes”. Ocorre que, 3 (três) dos países considerados os maiores mercados emergentes, China, índia e Indonésia, apareciam no topo da lista do Ranking internacional que mede a percepção da corrupção. Também, a administração identificou “grandes setores emergentes”, que incluíam energia, saúde, informação e transporte, que tinham forte regulação estatal em muitos países ou até mesmo a eles pertenciam.

Durante as investigações dos escândalos de corrupção nos anos 70, empresas desse mesmo setor foram citadas por terem feito pagamentos suspeitos a funcionários públicos estrangeiros. Para a segunda questão, verificou-se que o crescimento de mercados emergentes e a sua consequente tolerância à corrupção causaram distorções no mercado. Assim, a administração de Bill Clinton empreendeu esforços para que outros Estados, principalmente aqueles membros da OCDE (Organização para a cooperação do desenvolvimento econômico) tomassem medidas de combate à corrupção internacional. (ELLIOT; 2005, p. 939)

A aplicação rigorosa e agressiva da legislação norte-americana do FCPA pelo Department of Justice (DOJ) e pela SEC, impulsionou a criação de importantes convenções internacionais de combate à corrupção. Reflexo disso foi a criação do UK Bribery Act, Lei Anticorrupção criada no ano de 2010 pelo Reino Unido, considerada uma das legislações mais rigorosas do mundo

O Brasil é signatário e tem em sua legislação os reflexos do movimento acima descrito, como por exemplo, (i) a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, promulgada pelo Decreto n. 5.687/2006, (ii) Convenção Interamericana contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto 4.410/2002 e (iii) Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, chamada de convenção da OCDE, promulgada pelo Decreto n. 3678/2000.

Os referidos tratados dispõem e obrigam que cada país deverá tomar as medidas necessárias ao estabelecimento das responsabilidades de pessoas jurídicas pela corrupção, por exemplo, de funcionário público.

No ano de 2012, entrou em vigor no Brasil a Lei 12.683/2012, que alterou a Lei 9613/1998, de Lavagem de Capitais, e estabeleceu diversos deveres de controle, dentre eles de identificação de operações suspeitas e sua comunicação as autoridade competentes e, em janeiro de 2014, entrou em vigor a Lei Anticorrupção, que consolidou de vez essa postura autorregulatória empresarial.

Nas próximas colunas trataremos especificamente dos reflexos na legislação brasileira de todo o movimento acima descrito. Ate lá.


REFERÊNCIAS

ELLIOTT, Kimberly Ann. Corruption as na International Policy problem. In: Heidenheimer, Arnold. JOHNSTON, Michael. Political Corruption: concepts and contexts. New Jersey: Transaction Publishers. 2005.

MARTIN MARTIN, Adan. El cumplimiento normativo. In: MARTIN, Adan Nieto. LASCURAIN SANCHEZ, Juan Antonio. CORDERO, Isidoro Blanco. FERNANDEZ, Patricia Perez. MORENO, Beatriz Garcia. Manual de Cumplimiento penal en la empresa. Valencia: Tirant lo blanch. 2015.

PAGOTO, Leopoldo. Esforços globais anticorrupção e seus reflexos no Brasil. In: DEBBIO, Alessandra Del, MEDA, Bruno Carneiro, AYRES, Carlos Henrique. Temas de Anticorrupção e Compliance. Rio De Janeiro: Elsevier, 2013.

SILVEIRA, Renato Mello Jorge. Criminal Compliance: Os limites da cooperação normative quanto à Lavagem de Capitais. In: Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 56/2012, abr/2012.

Rafael Guedes de Castro

Advogado (PR) e Professor

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