Artigos

Como ‘Pokémon Go’ impacta nossas relações espaciais e sociais?


Por Vitor da Matta Vivolo


Nas últimas semanas, as redes sociais brasileiras foram inundadas por notícias sobre o aplicativo ‘Pokémon Go’ e sua grande expectativa de lançamento no país. No momento, o jogo apenas pode ser acessado (legalmente) em terras estrangeiras, fazendo com que sua repercussão nas mesmas já seja capaz de nos revelar interessantes discussões sobre novas relações sociais e espaciais nos espaços urbanos.

O principal objetivo de ‘Pokémon Go’ é capturar os cento e cinquenta e um “monstrinhos” (lembremos que a franquia é batizada pela abreviação de pocket monsters, “monstros de bolso”) da primeira geração, disponível primeiramente aos consoles gameboy através das versões green / blue / red / yellow, no fim dos anos noventa. O jogo estimula a circulação de seus participantes pela cidade em que vivem, utilizando-se da tecnologia GPS dos celulares, vibrando a cada nova aparição de pokémons a serem capturados. Além disso, os jogadores podem conquistar ginásios pokémons (uma espécie de “ponto turístico de batalha”) e defendê-los de seus adversários.

Um dos primeiros problemas causados socialmente pelo jogo se dá através da arbitrariedade de escolha geográfica de certos ginásios e regiões de aparição de pokémons. Nos Estados Unidos, diversas igrejas e residências revelaram-se pontos de batalha no jogo, provocando que as proximidades fossem constantemente perambuladas por transeuntes imersos em seus celulares (a qualquer hora do dia e noite). Tal característica no aplicativo é geralmente atribuída a monumentos histórico-turísticos ou praças, fazendo com que certos “treinadores pokémons” (sim, este é o termo correto para se referir aos jogadores) ultrapassassem alguns limites de utilização do espaço público e privado. Já há registros de invasão de propriedade, obviamente.

Outra polêmica se deu ao descobrirem que até mesmo o interior do Museu norte-americano dedicado à memória do Holocausto era “povoado” por pokémons, fazendo com que visitantes por lá jogassem durante as visitas, distorcendo os ares de solenidade e sobriedade da temática histórica abordada. Uma infeliz coincidência? Os pokémons lá disponíveis eram Koffings, criaturas que expelem gás tóxico e venenoso… O aplicativo fora recentemente banido pelos mantenedores do museu.

Niantic, a empresa responsável pelo desenvolvimento de “Pokémon Go”, aparentemente não se manifestou sobre os ocorridos e sequer respondeu qualquer tentativa de contato. Privacidade  e consentimento geográficos não são postos em pauta pelos desenvolvedores, ou seja, não há como proibir que alguma propriedade seja utilizada pelo GPS do jogo como área de captura ou batalha pokémon.

Buscando amenizar conflitos, alertas de segurança estão sendo constantemente emitidos por órgãos policiais estrangeiros, reiterando o primeiro aviso que se manifesta na abertura do game: “Lembre-se de sempre estar alerta! Esteja atento às  suas proximidades!”. Jogadores têm circulado livremente por regiões desconhecidas de suas cidades, realizando descobertas nem sempre agradáveis. Logo durante as primeiras semanas de lançamento, usuários encontravam cadáveres em regiões desoladas e tornaram-se alvo de quadrilhas de assalto (que utilizavam itens virtuais para atrair grande quantidade de pokémons e, consequentemente, treinadores, às posições de suas emboscadas). Um treinador canadense quase foi preso por, acidentalmente, cruzar a fronteira de seu país com os Estados Unidos em busca de boas capturas no seu mapa virtual.

A questão da segurança é importante alvo de debate. Ao instalarem o aplicativo (informação inclusa nos termos e condições de uso) através do registro de suas contas pessoais no Gmail, os jogadores dão acesso irrestrito de seu correio eletrônico – leitura, envio, exclusão dos mesmos… –  à empresa Niantic. Tal aval, se não corrigido manualmente pelo usuário em configurações de privacidade do Gmail, permanece desapercebido e suscita discussões em relação à quantidade de exposição a que nos submetemos diariamente de maneira inconsciente.

Por detrás da fachada divertida e nostálgica da franquia, tenhamos em mente que lidamos com um jogo capaz de rastrear deliberadamente nossa circulação pela cidade, além de ter acesso à câmera dos nossos celulares. Não precisamos viver em paranoia digna de George Orwell, claro, mas saibam que a própria CIA vazou um suposto release de normas de comportamento a seus espiões e membros à paisana que queiram capturar pokémons nas horas vagas. Dentre eles: “Evite jogar em áreas em que não queira ser geo-rastreado”, “utilize um nome de treinador que não possa ser associado a você”, “crie uma conta descartável no Gmail” e “ao ativar a câmera, esteja ciente de placas de ruas e veículos ao redor” (capazes de revelar sua localização).

Além disso, “Pokémon Go” não traz grandes inovações ao gênero, utilizando-se de tecnologias de “realidade aumentada” até mesmo inferiores às já disponíveis em jogos como “The Majestic” (1999), cujo pedido de acesso às informações pessoais de seus usuários se “justificava” pela trama inserir ligações telefônicas, e-mails e fax reais nos aparelhos de seus jogadores. O sucesso desse antecessor, no entanto, sequer aconteceu, pois fora impactado pelos acontecimentos de 11 de setembro… Ninguém mais se interessava por ligações assustadoras de um game quando uma ameaça terrorista pairava no ar.

É palpável que a adaptação móvel da franquia se alimenta da nostalgia de seus fãs, de suas memórias afetivas em relação aos pokémons e às horas da infância passadas em companhia do joguinho. Se pensarmos bem, verificamos que, em “Pokemon Go”, não há trama a ser seguida, mistérios a serem desvendados ou objetivo maior além de “andar por aí e capturar pokémons”. Ainda não foram feitos grandes avanços em relação a interação social entre jogadores no aplicativo, resumidas às batalhas de ginásio. Um gigantesco contraste aos jogos da Nintendo.

Não cometerei a hipocrisia de negar que estamos ansiosos pelo lançamento nacional do jogo, mas reforço que o carinho pela franquia, por si só, não deve torná-la imune a críticas técnicas ou de comportamentos sociais incitados pelo aplicativo. Meu conselho final aos futuros jogadores é: olhem por onde andam e big pikachu is watching you.

 


REFERÊNCIAS

“Here are the CIA’s Possible Security Guidelines For Pokémon Go”. Disponível aqui.

“Pokémon and the Great Unknown”. Disponível aqui.

“Pokémon Go Has Created a New Kind of Flâneur”, Disponível aqui.

“Pokémon Go: why our dark world needs escapism more than ever”. Disponível aqui.

_Colunistas-VitorMatta

Vitor da Matta Vivolo

Historiador. Mestrando em História. Pesquisador com ênfase no Século XIX e Belle Époque.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo