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True crime: O segredo sombrio por trás dos documentários de crime

Quando “Dahmer: Um Canibal Americano” estreou na Netflix com grande sucesso, rendendo não só prêmios de Melhor Ator para Evan Peters, mas também uma série de controvérsias. Familiares das vítimas e sobreviventes do assassino criticaram publicamente a atração, argumentando que ela romantizava os crimes e o criminoso.

A polêmica não se restringiu ao âmbito internacional. Assim que os filmes sobre Suzane von Richthofen começaram a ser produzidos, uma onda de comentários negativos inundou as redes sociais, questionando se era ético dar espaço à história de um crime brutal que chocou o país.

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Imagem: Divulgação

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Outro grande sucesso nacional foi “Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez”, lançado em 2022 na HBO Max e tornando-se a produção brasileira mais assistida da plataforma.

Com o aumento exorbitante de ficções e documentários sobre crimes reais, tanto brasileiros quanto internacionais, inundando as plataformas de streaming, surge o questionamento: há uma maneira correta de produzir (e consumir) conteúdo de true crime sem glorificar o criminoso?

Por que nos fascinamos pelo true crime?

Segundo a professora Whitney Phillips, da Universidade de Oregon, nos EUA, três características tornam o true crime atraente para a audiência:

  1. O elemento do mistério.
  2. A satisfação de ver um caso sendo resolvido do conforto do lar.
  3. A ideia de assistir a essas produções para se proteger ou se preparar para possíveis ameaças.

Para Flávia, diretora e roteirista que passou 10 anos trabalhando no jornalismo diário da GloboNews antes de se dedicar aos roteiros de projetos selecionados, o que desperta curiosidade é entender a mente humana.

Ela destaca: “Quando um crime de grande repercussão acontece, um crime que vai contra o que entendemos como o curso natural da sociedade e de nossas relações éticas e morais, isso chama a atenção de todos, e as pessoas se voltam para isso. Não é natural, dentro de nossos acordos sociais, um pai matar uma filha ou estar envolvido na morte de uma filha. Nosso olhar se volta para isso porque toca em nossa natureza, em nosso lado sombrio.”

Os números falam por si só

– “Dahmer: Um Canibal Americano” ficou 3 semanas no top 10 global de filmes em língua não inglesa, chegando ao top 10 em 16 países, incluindo Brasil, Argentina, Croácia, Suíça e Irlanda.

– A série de TV foi a terceira mais popular da Netflix em língua inglesa, com 115,6 milhões de visualizações e mais de 1 bilhão de horas assistidas. Ficou 7 semanas no top 10 global de séries em língua inglesa e alcançou o top 10 em 92 países.

– “Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez” ficou 2 semanas no top 10 global de séries em língua não inglesa, alcançando o top 10 apenas no Brasil.

Como produzir um bom true crime?

Dois podcasts que exploram crimes notórios ganharam enorme sucesso no Brasil quando o formato de true crime ainda dava seus primeiros passos nacionalmente: “O Caso Evandro”, dentro do Projeto Humanos de Ivan Mizanzuk, e “Praia dos Ossos”, da Rádio Novelo, que investiga o assassinato da socialite Ângela Diniz por seu então namorado Doca Street.

Ambos os projetos compartilham uma estrutura similar que os transformou em sucessos. São casos amplamente divulgados em suas épocas, mas com soluções controversas ou questionáveis. Além disso, abordam questões complexas capazes de induzir reflexões sobre a legislação, impunidade e aspectos antropológicos da sociedade.

Em ambos os casos, as repercussões foram além da mera revisitação dos crimes. No caso do “O Caso Evandro”, a Justiça do Paraná decidiu que áudios encontrados pelo jornalista Ivan Mizanzuk, nos quais réus confessam supostos crimes de tortura, podem ser usados como prova em um julgamento de revisão criminal.

Já “Praia dos Ossos” reavivou o debate sobre a polêmica tese da legítima defesa da honra, que absolveu Doca Street no primeiro julgamento. Em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal derrubou o uso dessa tese, considerando-a inconstitucional.

Essa relação entre a investigação de um crime e o que ela revela sobre nós e nossas estruturas sociais é considerada crucial para um bom true crime. O debate não é sobre se o público deve ou não consumir essas produções, mas sim sobre o discernimento entre o que é interessante destacar e o que perpetua estereótipos e pensamentos coletivos prejudiciais.

Flávia ressalta a importância de considerar o ponto de vista ao criar essas obras, enfatizando que cada equipe e produtora aborda ética de maneira diferente. Ela destaca que trabalhou em uma produção recente envolvendo crimes, em uma equipe composta inteiramente por mulheres.

Ela pondera sobre a linha tênue entre mostrar o crime e evitar a exposição dolorosa de vítimas, familiares e sobreviventes. Embora resgatar histórias esquecidas seja valioso, não se deve perder de vista o pensamento crítico. Qual é o preço de dar destaque a assassinos que despertam curiosidade — e, às vezes, fascínio — em pessoas comuns?

A psicóloga Jéssica Martani alerta para os potenciais impactos negativos do consumo excessivo de true crime, especialmente para pessoas com ansiedade e depressão. Ela destaca a importância de observar os próprios limites e estar atento ao que faz bem, já que gatilhos externos podem influenciar o humor e o bem-estar emocional.

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