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As marcas causadas pela máquina punitiva

As marcas causadas pela máquina punitiva. Em sua obra “Na Colônia Penal”, publicada em 1919, Kafta apresentou brilhantemente a crítica ao devido processo legal, bem como as violações perduráveis até os dias atuais. Em meu artigo “As verdades e as formas jurídicas em Na Colônia Penal”, publicado em 2019, expus como o sistema judicial é arbitrário, violador dos princípios basilares do Direito Penal.

É de suma magnitude que o acusado tenha respeitado os direitos e garantias a ele inerente, tendo assim sua inocência preservada e prevalecida sobre a acusação. Esse sistema é questionado por Michel Foucault, na obra “A verdade e as formas jurídicas”. Kafta e Foucault se convergem perfeitamente sobre os questionamentos acerca da legitimidade das instituições jurídicos-penais.

Na colônia penal, há um aparelho executório no qual ocorre a pena capital. Sabemos que em nosso ordenamento jurídico não é permitida a pena de morte (salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, da CF/88), mas muitas pessoas são mortas interiormente após sofrer violações de sua dignidade, após não conseguir apagar as marcas que uma prisão causa no ser humano.

Na obra há um sujeito condenado à morte, porém esse não teve o direito de se defender das acusações que lhe foram imputadas:

– Ele conhece a sentença?

-Não, disse o oficial, e logo quis continuar suas explicações.

Mas o explorador o interrompeu:

– Ele não conhece a própria sentença?

[…] – Seria inútil anunciá-la. Ele vai experimentar na própria carne” (Kafka, 1986, p. 39 e 40).

Isso não ocorre somente em obras literárias. Já presenciei casos próximos a mim. Num deles, em particular, um inocente fora preso injustamente, e ninguém quis ouvi-lo. A mídia não quis expor a verdade dos fatos.

Agora pergunto: e esse inocente que foi levado a uma prisão onde os elementos indesejados da sociedade são isolados? Onde sofreu fome, sede, danos físicos e psicológicos, muitos desses irreparáveis. Como ele poderá voltar a ter uma vida normal, sem levar essas marcas da prisão? Como restaurará sua dignidade?

Muito além da tortura, a máquina punitiva deixa marcas. Os presos que tentam voltar para o mercado de trabalho depois de ressocializados não conseguem, pois essas marcas não estarão somente em sua pele, mas também no seu passado e nos papéis. A sociedade é punitiva, preconceituosa e isola esses elementos como se faziam nas colônias penais. .

Fundamento basilar da República e pilar do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana vai muito além do respeito, sendo a garantia das necessidades vitais do cidadão. Alexandre de Moraes, em sua obra “Direito Constitucional”, define dignidade como: 

Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade. 

Finalizei o artigo anterior com a seguinte reflexão:

“Acreditai e Esperai”, acreditai que haverá um sistema penal justo e eficiente, no qual todos os acusados terão seus direitos respeitados, esperai e vede que num futuro próximo teremos orgulho do nosso sistema jurídico penal.

Infelizmente, nosso ordenamento jurídico ainda tem muito o que evoluir, buscando uma maior imparcialidade, respeitando o que é previsto no artigo 5º da Constituição Federal. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Devemos respeitar os direitos e garantias do acusado, que, por sua vez, deve ter sua inocência preservada e prevalecida sobre a acusação.

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