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Tráfico internacional de animais e o relevante papel da Aduana brasileira


Por Thathyana Weinfurter Assad


Ao analisarmos “O Homem Vitruviano” (1492), de Leonardo da Vinci, percebemos a precisão matemática com que traçou o corpo humano. Da pintura renascentista extrai-se uma série de interpretações, mas quero focar, aqui, numa delas: o antropocentrismo. O homem no centro de todas as coisas.

Durante muito tempo, na história da humanidade, o homem foi colocado como “centro” do Universo. As relações do homem com o meio ambiente deveriam ser compreendidas de modo a satisfazer as necessidades e desejos humanos. E, pelo que a história nos retrata, é possível perceber o estrago que o homem causou no meio ambiente: lixo, poluição, desmatamento, extinção de espécies. Afinal, por que ele precisaria olhar para algo além do próprio umbigo? Sua relação utilitarista com o meio ambiente gerou consequências catastróficas no equilíbrio deste. E o aquecimento global, por exemplo, com todas as suas repercussões, está aí para nos cobrar parte (e apenas parte) desta dívida.

O direito ao meio ambiente está listado apenas na chamada terceira dimensão dos direitos fundamentais. A preocupação com o meio ambiente equilibrado, inclusive para as próximas gerações, passou a figurar, a partir do século XX, como tópico de alguns debates no âmbito internacional.

Era preciso, pois, voltar os olhos ao meio ambiente. E, em se tratando de Brasil, a atenção a ele tem uma razão ainda maior. Conforme dados do Ministério do Meio Ambiente, o Brasil

“(…) ocupa quase metade da América do Sul e é o país com a maior diversidade de espécies no mundo, espalhadas nos seis biomas terrestres e nos três grandes ecossistemas marinhos. São mais de 103.870 espécies animais e 43.020 espécies vegetais conhecidas no país.”

Dados mais precisos podem ser encontrados no Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil pois as pesquisas acerca da biodiversidade brasileira não param. Poderia ser uma notícia maravilhosa, não fosse ela acompanhada de uma tão triste quanto chocante: o tráfico de animais (sem contar todo o estrago feito no âmbito da flora). Cingindo-nos à fauna, segundo dados do PEA (Projeto Esperança Animal), que é uma Entidade Ambiental, qualificada como OSCIP, e que tem o objetivo de propiciar harmonia entre os seres humanos e o planeta:

“O tráfico de animais silvestres no Brasil representa a terceira maior atividade ilícita do mundo, em termos de recursos mobilizados, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas.

É um tanto difícil calcular o quanto o tráfico de animais silvestres movimenta por ano no mundo, por ser uma atividade ilícita, mas conforme alguns dados, estima-se que alcance U$ 10 bilhões/ano. No Brasil certamente podemos falar em torno de 10 a 15% do comércio mundial, ou seja, o equivalente a U$ 1 a 1,5 bilhões/ano.”

Percebe-se, pois, que a situação é alarmante. Quando se fala, especificamente, no âmbito internacional deste tráfico, tem-se que: 

Alguns países entram na rota internacional como intermediários, locais onde os animais passam pouco tempo até que sejam encaminhados ao seu destino final. Esses pousos intermediários localizam-se em cidades da Colômbia e do Paraguai (na América Latina), de Portugal, Espanha, Rússia e França (na Europa) e do Japão (na Ásia). O mais grave desta situação é que, este comércio, além de ilegal, é insustentável, ou seja, são animais retirados da natureza sem qualquer racionalidade.

Diante de tal panorama, perguntamos: qual a tutela jurídica que a legislação brasileira tem para casos assim? E, também, qual o papel da Aduana brasileira? O artigo de hoje, portanto, foca-se na preocupação que devemos ter com o crime de “tráfico internacional de animais” e com o relevante papel da Aduana brasileira em seu combate.

Pois bem. A nossa Constituição da República de 1988, ao tratar especificamente sobre o meio ambiente, veio estipular que:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…) VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Sobre a proteção à fauna, a Lei Federal nº 5.197/1967 traz importantes definições e, no tocante às sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, temos a Lei Federal nº 9.605/1998.

Nesta última lei, em seu artigo 29, § 1º, inciso III, estabelece-se a conduta criminosa do denominado “tráfico internacional de animais” e, logo na sequência, o § 3º define “espécimes da fauna silvestre”:

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas: (…)

III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. (…)

§ 3º São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.

A pena abstratamente cominada é baixíssima, o que denota que a preocupação maior de nosso legislador ainda não está voltada à proteção da fauna.

Independente disso, é crime. E, como tal, caso ocorra no âmbito do comércio exterior, deve ser combatido. A Aduana brasileira, que integra a Receita Federal Brasileira, subordinada ao Ministério da Fazenda, tem, dentre suas preocupações, coibir o tráfico de animais no âmbito das importações e exportações. Conforme missão institucional apresentada em seu sítio eletrônico, ela

“também subsidia o Poder Executivo Federal na formulação da política tributária brasileira, previne e combate a sonegação fiscal, o contrabando, o descaminho, a pirataria, a fraude comercial, o tráfico de drogas e de animais em extinção e outros atos ilícitos relacionados ao comércio internacional.”

Se formos, por curiosidade, analisar notícias de jornal, com apreensão de animais silvestres brasileiros negociados no mercado clandestino, ficaríamos alarmados com os valores, em tese, praticados. Araras, tucanos, tartarugas, papagaios, macacos sendo ilegalmente comercializados e exportados.

A pergunta que remanesce é: quem pagará, de fato, esta conta?

_Colunistas-thathyana

Thathyana Weinfurter Assad

Advogada (PR) e Professora

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