Justiça de transição: Brasil é o país que menos julgou crimes da Ditadura
Em meados dos anos 1970, Brasil, Paraguai, Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai eram os países da América do Sul que estavam enfrentando ditaduras militares.
Cada um desses regimes foi marcado por particularidades, apesar dos elementos em comum – o pano de fundo da Guerra Fria, os conflitos internos que colocavam grupos de esquerda como ameaça à ordem nacional, o princípio da doutrina de segurança nacional.
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E o mesmo se pode dizer do período posterior, a redemocratização. Cada país decidiu lidar de forma única com os crimes cometidos pelo Estado e com o processo de desmilitarização da política. Essas escolhas reverberam até os dias de hoje, diz a historiadora argentina Marina Franco, que pesquisa o tema.
Argentina foi o país que melhor superou a ditadura
Em 1983, quando o civil Raúl Alfonsín assumiu a presidência, foi criada a Comisión Nacional sobre Desaparición de Personas (Conadep), que tinha a função de investigar os crimes contra direitos humanos cometidos entre 76 e 83, os anos do regime.
O general Jorge Rafael Videla, que governou o país entre 76 e 81, foi condenado a prisão perpétua. Até março de 2022, a Justiça condenou outras 1.058 pessoas em 273 sentenças por crimes relacionados ao terrorismo de Estado.
Para a historiadora, a Argentina é um caso particular de transição.
“O que aconteceu na Argentina foi que existiram as condições políticas para que pudesse haver justiça transicional. Essas condições políticas são três, para mim, muito claras”. destacou. “As Forças Armadas saem de cena completamente derrotadas e fracassadas. Deixaram o poder com um fracasso político terrível, com um fracasso em uma guerra desastrosa – a Guerra das Malvinas -, com um fracasso econômico e uma crise atroz.”
Brasil é um exemplo do lado oposto
O Brasil é o país que menos julgou crimes da ditadura. Foi apenas em 2011 que a Comissão Nacional da Verdade foi criada para analisar os delitos cometidos durante o período em que os militares estiveram no poder.
Em seu relatório final, no ano de 2014, 377 nomes foram apontados entre os autores de graves violações aos direitos humanos.
A lei de anistia sancionada em 1979 pelo regime militar segue em vigor no país e foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010 – o que significa que a grande maioria dos civis e militares envolvidos nos crimes durante o período não pode ser julgada.
A primeira condenação de um agente ocorreu em 2021. Um juiz federal responsabilizou o delegado aposentado Carlos Alberto Augusto pelo sequestro de Edgar de Aquino Duarte nos anos 70 (o entendimento foi de que o sequestro é um crime continuado e, portanto, não coberto pela lei de anistia).
Em fevereiro de 2022, contudo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região acatou um recurso da defesa, que alegava prescrição do caso, e extinguiu a punibilidade do ex-delegado.
“A ausência de políticas de Estado no Brasil, para mim, é um dado fundamental para entender algumas das coisas que acontecem no país”, atentou Franco. “As políticas de Estado de memória, de justiça, as políticas educativas sobre as ditaduras geram efeitos de transformação social.”
Fonte: BBC News Brasil