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A carnavalização do ensino jurídico

A carnavalização do ensino jurídico

O carnaval se avizinha e, com isto, o alvoroço toma conta de grande parte do país. É a maior festa cultural, uma marca nossa conhecida mundo afora, uma época de festejar e, não raras vezes, extrapolar.

Gostando ou não dos  blocos, trios, escolas de samba ou festas de salão, elas são uma realidade nos quatro (quando não mais) dias de folia.

Mas o que esta data e este período teriam a ver com as ciências criminais? No que o carnaval pode nos auxiliar nas reflexões que necessitamos sobre os assuntos que tocam o mundo jurídico, mormente o jurídico-penal?

Apenas mentes brilhantes como a de Warat são capazes de tal reflexão, naquilo que o autor chama de carnavalização da ciência jurídica.

Este é o momento crucial para que consigamos realizar os devidos questionamentos e as imprescindíveis reflexões acerca do estudo jurídico e, de algum modo, entender a razão das dificuldades vivenciadas na prática.

As reflexões teóricas são as molas propulsoras para que consigamos evoluir e romper com velhos paradigmas que ditam o estado das coisas no campo jurídico.

Entretanto, um juízo praticista acaba por engolir as proposições teóricas e numa visão simplista dos problemas complexos que gravitam em torno do processo penal, zombar da reflexão teórica.

Despido de uma base teórica, o mundo jurídico desconecta-se de sua essência e transfigura-se num puro e simples exercício de poder, sem nenhuma lógica, sem nenhum compromisso com as bases que a estruturam.

Ao lado disso, o saber autoritário (WARAT), passa a determinar o que a sociedade deve valorar ou imaginar, impedindo reflexões que busquem superar ou questionar os conceitos determinados do senso comum.

A ciência responsável deve se situar dentro do contexto político e ideológico vigente e não se pretender neutra, pois a pretensa neutralidade mascara, muitas vezes, o determinismo valorativo de uma sociedade.

Leciona WARAT (1995, p. 337) que o carnaval é um espetáculo originariamente sem passarela. Não existe separação entre atores e espectadores. Todos são participantes, convergem no ato carnavalesco. Não se olha com exatidão o carnaval, ele não é ensinado, mas vivido imaginariamente no plural das fantasias.

O autor sustenta que a ciência deve ser uma literatura de sentido suspenso, uma linguagem que provoque respostas mas não as dê. Afirmando que Pesquisar é provocar e não dar respostas.

E isto seria a carnavalização, esta ruptura com o determinismo, com as verdades prontas e com os mitos que orientam a ciência jurídica e, mais especialmente, a prática judiciária.

A carnavalização permite uma relação da ciência jurídica de forma não culpabilizada com o político e com o ideológico, o que é fundamental para que ela se ocupe do seu papel na efetivação dos valores democráticos.

Enfim, a busca pelas respostas necessita superar o senso comum e romper com as verdades prontas, questionar os determinismos e os valores absolutos, sem o que não se existe uma ciência efetiva.

O estudo jurídico precisa ser carnavalizado para que a ideologia questionadora e contestadora de nossa juventude carnavalesca não se conforme com o atual estado das coisas e passe a fazer parte do grupo que não gosta do carnaval e apenas reclama da folia alheia, enquanto houverem juristas dispostos a carnavalizar, ainda que sejam aqueles que, timidamente, apenas olham de longe a festa, haverá esperança de que as mudanças possam ocorrer.

Semana que vem estou fora da coluna, por razão carnavalesca. Uma ótima semana a todos e carnavalizem, com moderação, mas não deixem de carnavalizar.


REFERÊNCIAS

WARAT, Luís Alberto. Introdução Geral ao Direito II. Epistemologia Jurídica da Modernidade. Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1995.

Daniel Kessler de Oliveira

Mestre em Ciências Criminais. Advogado.

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