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Cigarros de chocolate: o que eles têm a ver com o direito penal aduaneiro?


Por Thathyana Weinfurter Assad


Quem não se recorda dos famosos chocolates em forma de cigarro, que foram muito consumidos pelas crianças décadas atrás? Algumas amavam o chocolate, outras não gostavam tanto assim do sabor, mas queriam experimentar, mesmo que por poucos minutos, num plano concreto, o que somente a imaginação lhes permitia alcançar em sua idade: fazer, tal como os adultos, as poses sofisticadas e elegantes que eram acompanhadas, à época, do ato de fumar. Na embalagem da fabricante Pan, havia o título “cigarrinhos de chocolate ao leite” (frase alterada na década de 90 para “rolinhos – chocolate ao leite”) e a foto de um menino fazendo alusão ao ato de fumar (o que também foi modificado, juntamente com a frase). Era sucesso entre a garotada.

Falando em garotada, além da Pan, a própria Fábrica de Chocolates Garoto, na década de 50, lançou os “Cigarrinhos Garoto”. Mas ficou ela mais lembrada pela propaganda hipnótica do “compre Baton, compre Baton”, dos anos 90, do que pelos tais cigarrinhos de chocolate.

Numa (Pan) ou noutra (Garoto), o produto era chocolate, dali não sairia fumaça, nem contaminaria o pulmão, ou ocasionaria todos os malefícios que o cigarro pode causar. Mas o possível estímulo à ideia fez com que a prática fosse proibida.

Afinal, criança e adolescente gostam, por vezes, de parecer adultos. Seja no simples ato de pilotar um carrinho de brinquedo. É como se estivessem praticando, em situações assim, algo que só adulto pode fazer de verdade. A diversão é garantida. Mas nem toda brincadeira já era vista com bons olhos pela legislação e pelas autoridades.

Textos importantes vieram à tona, no ordenamento jurídico pátrio, resguardando, ainda mais, a criança e o adolescente: a Constituição da República de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990, para citar dois de grande importância.

O medo da imitação. O receio de que a diversão fosse depois transformada em vício. A proteção à criança e ao adolescente estava em primeiro lugar.

Aliás, sobre essa temática dos “adultos-espelho”, pode-se observar que, nas atuais propagandas de cigarro (os verídicos), desde a Portaria nº 490/1988, do Ministério da Saúde, são elas acompanhadas, ao final, por advertências, cujos teores alteram, sendo um deles: “O Ministério da Saúde adverte: crianças começam a fumar ao verem adultos fumando”, esta incluída pela Portaria nº 695/1999, do Ministério da Saúde.

Tais advertências, registre-se, foram regulamentadas, após tal Portaria, pela Lei nº 9.294/1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de tais produtos, dentre outros, instituindo, via lei, o que o texto constitucional determinou em seu artigo 220, § 4º.

Nessa esteira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, por meio da Resolução-RDC nº 304, publicada no Diário Oficial da União, de 08 de novembro de 2002, estabeleceu as seguintes determinações: “Art. 1º Proibir em todo o território nacional a produção, importação, comercialização, propaganda e distribuição de alimentos com forma de apresentação semelhante a cigarro, charuto, cigarrilha, ou qualquer outro produto fumígeno, derivado do tabaco ou não”.

Revela-se, em tal Resolução, a preocupação com a existência de alimentos em forma de cigarro ou assemelhados. A mesma normativa, no artigo subsequente, ainda resolveu: “Art. 2º Proibir em todo o território nacional o uso de embalagens de alimentos que simulem ou imitem as embalagens de produtos fumígenos, como cigarros, charutos, cigarrilhas, bem como o uso de nomes de marcas pertencentes a produtos fumígenos, derivados ou não do tabaco”.

A ANVISA, autora da Resolução, é autarquia sob regime especial, criada pela Lei nº 9.782/1999 (conversão da Medida Provisória nº 1.791/1998), e tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população.

Posteriormente, foi editada a Lei nº 12.921/2013, a qual dispõe, em seu artigo 1º, que “Fica proibida a fabricação, a importação, a comercialização, a distribuição e a propaganda, em todo o território nacional, de produtos de qualquer natureza, bem como embalagens, destinados ao público infantojuvenil, reproduzindo a forma de cigarros ou similares”.

Mas o que isso tem a ver, afinal, com o direito penal aduaneiro?

O delito de contrabando (crime tipicamente aduaneiro), conforme já abordei em coluna específica, é norma penal em branco, ou seja, precisa ser complementada com outra(s) norma(s), pois o preceito primário do tipo penal descrito no artigo 334-A, caput, do Código Penal, narra, apenas: “Importar ou exportar mercadoria proibida”, mas não traz quais seriam elas.

A Lei nº 12.921/2013, acima citada, traz um caso de proibição de importação. Ou seja: é proibida, por lei, a importação de produtos e embalagens, voltadas ao público infantojuvenil, que reproduzam a forma de cigarros ou similares. Assim, aquele que importa mercadoria com tais características amolda-se, em tese, ao delito de contrabando.

O artigo 2º, de referida lei, inclusive, estabelece que “O descumprimento ao disposto nesta Lei, sujeita o infrator às seguintes penas, sem prejuízo das demais cominações legais: I – apreensão do produto; II – multa de R$ 10,00 (dez reais) por embalagem apreendida, a ser corrigida anualmente de acordo com a variação do índice de preços nacional utilizado para verificação do cumprimento das metas inflacionárias. Parágrafo único. A multa pecuniária prevista no inciso II do caput deste artigo será duplicada a cada reincidência”.

Isto é: dentre as “demais cominações legais”, no caso da importação de mercadoria ali narrada, está a sanção pelo delito de contrabando.

Na rede mundial de computadores, com pesquisas simples em portais de busca, é possível encontrar, para importação, chocolates em forma de cigarros e charutos. Eles são comercializados em alguns países, sem as mesmas proibições existentes no Brasil.

O preço, normalmente em dólar, certamente ficará barato perto do custo que poderá ter quem realizar importação dessas mercadorias: o preço será, em tese, um processo penal por contrabando.

Mas deixo à ponderação dos leitores algumas questões essenciais: e quando esses produtos não estiverem voltados ao público infantojuvenil, tal como prescreve a lei? Aplicaria a proibição de importação estipulada em Resolução de uma autarquia (ANVISA), para fins de delito de contrabando? Não feriria isso o princípio da legalidade, essencial no Direito Penal democrático? Aliás, como determinar se a mercadoria é ou não voltada a este determinado público? Pela cor da embalagem? Pelo rótulo? Quais seriam os critérios para subsunção à proibição legal?

A Pan, indústria brasileira que ficou famosa pelos tais cigarrinhos de chocolate, hoje comercializa os denominados “chocolápis”. Chocolate em forma de lápis. Embalagem colorida. Talvez um estímulo para que nossas crianças vejam a diversão que há no escrever.

Se a propaganda serve de empurrão ao consumo do produto que está na embalagem, em nosso Brasil, quem sabe, deveriam pensar em fabricar “chocolivros”. Estamos precisando.

_Colunistas-thathyana

Thathyana Weinfurter Assad

Advogada (PR) e Professora

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