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Nas entranhas da Deep Web, a face oculta da Internet

Por Bernardo de Azevedo e Souza

Recente levantamento da União Internacional das Telecomunicações, uma agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), constatou que existem 3,2 bilhões de internautas no mundo. Se há 15 anos os usuários representavam 6,2% da população mundial (cerca de 400 milhões), atualmente o índice se encontra em 43%. A despeito dos avanços nos últimos anos, 4 bilhões de pessoas em todo o globo ainda não possuem acesso à Internet, sobretudo nos países menos desenvolvidos, onde, de um total de 940 milhões de pessoas, apenas 89 milhões estão conectadas.

No Brasil, quase metade (48%) da população utiliza a rede mundial de computadores. Conforme dados da Pesquisa Brasileira de Mídia, o percentual de pessoas que a usam diariamente cresceu de 26% (2014) para 37% (2015). Na comparação entre os dois últimos anos, constata-se que a habitualidade também aumentou. Em 2014, os usuários das novas mídias ficavam conectados, em média, 3h39min por dia durante a semana e 3h43min nos finais de semana. Hoje, os internautas ficam 4h59min e 4h24min, respectivamente, patamar que superou as horas expostas à televisão. A preferência pela utilização dos aparelhos celulares como principal ferramenta de acesso à Internet tem aumentado nos últimos anos, notadamente pela influência das redes sociais. Entre os internautas, 92% estão conectados, sendo 83% no Facebook, 58% no Whatsapp e 17% Youtube.

De toda essa gama de usuários, a grande maioria acessa somente o conteúdo disponibilizado na denominada Surface Web, que, de modo objetivo, se refere àquelas páginas que podem ser encontradas por meio dos motores de busca em geral (Google, Yahoo e Bing, etc.). O internauta que deseja saber mais sobre “Internet”, por exemplo, encontrará cerca de 4.210.000.000,00 resultados sobre o assunto no Google, 3.850.000.000,00 no Yahoo e 3.710.000.000,00 no Bing.[1] Apesar do altíssimo número de resultados apresentados, na casa de bilhões, a Surface Web representa surpreendentemente apenas uma pequena parcela da rede. Há todo um universo abaixo desta superfície que é desconhecido pela maioria dos usuários. Trata-se da face oculta da Internet, o que se convencionou denominar Deep Web.

O termo, em verdade, foi criado por Michael K. BERGMAN, pesquisador que há mais de uma década desenvolveu o software Bright Planet, especializado na coleta, classificação e pesquisa de conteúdos contidos no lado obscuro da rede. Em oposição à ideia de superfície (superficialidade) contida na palavra Surface Web, a expressão Deep Web remete ao significado de profundeza (profundidade), estando aqui abrangidos todos aqueles conteúdos que as pessoas não conseguem encontrar utilizando os motores de busca tradicionais.

Para se referir à Deep Web são frequentemente empregados outros termos, tais como Hidden Web ou Invisible Web. Há, no entanto, divergência entre os pesquisadores sobre a terminologia mais adequada. Alguns autores entendem, por exemplo, que o complemento “invisível” é incoerente por denotar algo inatingível, fora de alcance, o que não é verdade, visto que, com as ferramentas necessárias, é possível acessar os conteúdos não alocados na Surface Web. Nesse sentido, Hidden Web ou Deep Web seriam termos mais apropriados.

Em face da inexatidão da terminologia, no decorrer dos últimos anos foram desenvolvidas diversas analogias com a finalidade de melhor compreender a rede profunda. A primeira (e talvez a mais conhecida) é a analogia do iceberg. Nela, a Surface Web é representada pelo topo, visível e facilmente acessível, embora pequeno em termos de conteúdo; enquanto que a Deep Web é retratada pela base, a parte submersa que não se pode enxergar e cujo tamanho exato não se pode precisar:

  iceberg

Para compreender a Deep Web também se utiliza a analogia do barco pesqueiro. De acordo com esta concepção, proposta por BERGMAN, os mecanismos de busca tradicionais seriam equivalentes a pequenos barcos pesqueiros: apesar de lançar suas redes no vasto oceano, só são capazes de capturar uma pequena parcela dos peixes (páginas), aqueles que se encontram na superfície (Surface Web), conforme ilustração a seguir:

rede 1

Para pescar mais peixes (ou seja, encontrar mais páginas/resultados), é necessário um barco mais equipado, que atire suas redes em maior profundidade (Deep Web) e, com isso, aumente o alcance, como na figura ora colacionada:

rede 2

Há, por fim, a analogia da árvore. A Surface Web estaria aqui representada pela parte superior da árvore (caule, flores, folhas e frutos), onde estariam os motores de busca (Google e Yahoo), os browsers (Internet Explorer e Opera) e as redes sociais (Facebook e Twitter). Já nas raízes estariam os diversos níveis de profundidade da Deep Web, desde torrents (extensão de arquivos utilizados para download de músicas, filmes e arquivos) até informações altamente sigilosas das agências governamentais dos Estados Unidos:

árvore

Todas estas analogias buscam demonstrar que a Deep Web assume uma dimensão inimaginável se comparada à Surface Web. Todavia, até o presente momento não há exatidão no que diz respeito ao seu tamanho. Para alguns especialistas, representa 80% das páginas existentes na Internet. Sob a ótica de outros experts, abarca 99% de todo o conteúdo da World Wide Web, enquanto a Surface Web apenas 1%. Uma corrente ainda mais radical afirma que a profundidade do conteúdo total na Deep Web equivale a 400 a 500 vezes aquele existente na superfície. Talvez a sinceridade do empresário de tecnologia Anand Rajaraman seja a opção mais sensata para o momento: “Eu não sei, para ser honesto, que fração. Ninguém tem uma boa estimativa de quão grande é a Deep Web”.

Para finalizar, cabe salientar que o estudo da Deep Web encerra inúmeras dificuldades, desde a escassez de obras nacionais e internacionais acerca da temática até os riscos a que se sujeita o usuário ao decidir acessar as entranhas da rede. Como dito na coluna anterior, em termos de tecnologia, sempre haverá os dois lados da moeda (usos e abusos), e o anonimato proporcionado pela face obscura da rede acaba ensejando determinados comportamentos delitivos. O internauta que se aventura neste universo sem adotar as devidas ferramentas de segurança pode acabar se deparando, ainda que involuntariamente, com atividades ilegais como terrorismo, pornografia infantil e comércio de armas e drogas. Mas, afinal, quais são os cuidados que o usuário deve ter ao acessar as profundezas? Como investigar os crimes que lá são praticados?  O usuário que acessa esta rede, mesmo com os cuidados necessários, poderá ser rastreado? É possível que todo o conteúdo da Deep Web venha a ser indexado no futuro pelos motores de busca?

Eis alguns dos questionamentos que tentaremos desvelar nas próximas semanas.

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[1] Pesquisa realizada na data de 04/08/2015, às 21h05min.

_Colunistas-BernardoSouza (1)

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