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A política penal neoliberal e o provimento pela criminalização

A política penal neoliberal e o provimento pela criminalização

O Estado abstencionista que, sob a alegação de austeridade, extrai direitos de características sociais, enquanto permanece com as suas benesses intactas incrementa o poder punitivo como consequência da subtração desses direitos fundamentais erigidos pela Constituição do Povo.

Loïc Wacquant ressalta que essa política penal é resultado de um ‘paradoxo central do projeto neoliberal’ em que se pretende incrementar ações que, segundo o autor, demandam:

[…] “mais estado” nas áreas policial, de tribunais criminais e de prisões para solucionar o aumento generalizado da insegurança objetiva e subjetiva que é, ela mesma, causada por “menos Estado” no front econômico e social nos países avançados do Primeiro Mundo. (WACQUANT, 2007, p. 203)

Prover um Estado Penal militarizado e discursos do avanço do poder Estatal em que se queira um consenso popular por mais prisões, mais tipos penais e um maior controle social advém da necessidade que, segundo Wacquant (2007), se resume em:

abafar e conter as desordens urbanas geradas nas camadas inferiores da estrutura social pela simultânea desregulamentação do mercado de trabalho e decomposição da rede de segurança social. Também permite que os eleitos para cargos majoritários contenham seu déficit de legitimidade política com a confirmação da autoridade estatal nessa limitada área de ação, em um momento no qual têm pouco mais a oferecer a seus eleitores. (WACQUANT, 2007, p. 203)

Estado neoliberal

Decorrem daí os discursos populistas do provimento pela criminalização, os quais alcançam grande parte da população fragilizada, por meio da imposição do medo, que advém tanto do apelo midiático quanto da própria situação que o Estado neoliberal os colocou, privando-os do mínimo existencial.

Assim, o ilustre criminólogo argentino Zaffaroni assevera que:

Os políticos latino-americanos são pressionados por soluções imediatas, mas os tempos de mudança social não são os da política, marcados pela proximidade das eleições. A averiguação e o assédio constantes lhes condicionam condutas desconfiadas e até paranoides. A criminologia midiática vale-se do mesmo veículo de que o político atual necessita: a TV. O político atual costuma ser algo assim como o ator ou a atriz de telenovela, passa a ser um telepolítico. Porém, diferentemente do ator ou da atriz profissional, não pode mudar o personagem, ele fica preso ao seu papel. (ZAFFARONI, 2011, pp. 213-214)

Dessa feita, os políticos são tomados por impulsos pelos quais a criminologia midiática, sustentada pelo neoliberalismo, é o único ‘estudo’ do crime, difundido e conhecido pelo agora ‘telepolítico’.

Essa política penal é operacionalizada por estes atores em um contexto de contínua militarização, decorrente do que a estudiosa Julia Valente (2017), autora sobre este processo no interior e exterior das polícias, descreve como resultado de uma ‘cidade global’[1] que através desse novo conceito de ‘pólis’ seria necessário um Estado que

[…] ocupa e passa a controlar territórios militarmente, gerando novos campos para a expansão do capital. No Rio de Janeiro, como em outras ‘cidades globais’ de países periféricos, para o sucesso do projeto é necessário conjugar intervenções urbanísticas com o antigo tema da ‘ordem urbana’. A cidade-empresa supõe/propõe a despolitização da cidade, sua negação enquanto espaço político (polis). Além disso, nem todos os setores sociais podem ser contemplados pelo projeto, mas apenas alguns tipos de cidadãos, dentre os quais não estão os pobres. (VALENTE; Julia, 2017, p.16)

Essa tríade – mídia, políticos (des)instruídos pela criminologia midiática e o neoliberalismo –, em suas diferentes facetas atuantes na política penal Estatal, seja no embelezamento, higienização ou na criação de um novo conceito de ‘polis’, origina uma agenda de enfrentamento que, segundo o renomado autor argentino​, está:​

[…] quase sempre em oposição a qualquer tentativa de construção do Estado social e, regra geral, com interesses justapostos aos de outras corporações ou grupos financeiros, dado o considerável volume de capital que controlam. (ZAFFARONI; 2011, p. 211)

Todos esses fatores acarretam no enfrentamento bélico criando o fenômeno da ‘militarização das clivagens urbanas’[2], o qual ceifa diversas vidas anualmente de policiais militares e da população civil. Ademais, essas políticas de grande monta produzem gastos públicos nos quais a contrapartida em resultados se mostram ausentes, vide a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro.

Neste contexto militarizado ditado pelo avanço do Estado Mínimo e desmantelamento de direitos trabalhistas e previdenciários conquistados a duras penas é que faz com que as políticas públicas penais se demonstrem ineficazes em sua essência, porém eficazes em seu discurso.


REFERÊNCIAS

CERQUEIRA, Coronel Carlos Magno Nazareth. Sonho de uma polícia cidadã. Organização: Ana Beatriz Leal, Íbis Silva Pereira e Oswaldo Munteal Filho. Rio de Janeiro: NIBRAHC, 2010.

SCHULTZ, Kirsten. Perfeita civilização: a transferência da corte, a escravidão e o desejo de metropolizar uma capital colonial. Rio de Janeiro, 1808-1821. Revista Tempo, Niterói, vol.12, n.24, p 5-27, 2008.

VALENTE, Júlia Leite. UPPs: governo militarizado e a ideia de pacificação. Rio de Janeiro: Revan, 2016.

WACQUANT, Loïc. Rumo à militarização da marginalização urbana. Discursos, p. 203 – crime, direito e sociedade, Rio de janeiro, ano 11, n 15/16.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.


NOTAS

​[1] Cidade Global, conforme a autora, anteriormente se designava e se aplicava ao diagnóstico de um processo histórico concreto experimentado por algumas metrópoles do Primeiro Mundo. Com o passar do tempo, o termo foi apropriado para designar também um paradigma de cidade a ser buscado. A busca por se tornar uma “cidade global” é o que vem orientando o modelo neoliberal de gestão urbana adotado por cidades que desejam se inserir em uma boa colocação em um ranking de cidades atrativas internacionalmente.

[2] ​​Segundo Cerqueira (2001), seria a ausência Estatal no âmbito social, em que se figura a preponderância de atividades policiais militarizadas auxiliadas e aceleradas pela militarização do tráfico de drogas nas favelas.

Thiago Soneghett Cotta

Pesquisador do Núcleo de Criminologia e Política Criminal (UFPR). Graduando em Direito (UFPR).

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