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Afinal, para que serve a resposta à acusação?


Por Mariana Py Muniz Cappellari


Até 2008, em sede de instrução criminal, falávamos da chamada defesa prévia, cujo prazo de três dias iniciava-se na audiência de interrogatório, já que primeiro ato processual, após citação. Costumeiramente, a defesa prévia se mostrava genérica, valendo para efeitos de declinação do rol de testemunhas, no mais das vezes.   Entretanto, a reforma parcial do CPP de 2008 transformou esse cenário, na medida em que, no procedimento comum, inseriu a resposta à acusação em substituição a defesa prévia, transferindo o interrogatório para último ato da instrução, em nome do devido contraditório e da ampla defesa.

Nesse contexto, não por menos o caráter conferido a resposta à acusação de obrigatoriedade, sob pena de nulidade e, também, de remessa dos autos à Defensoria Pública para que o faça, em caso de não constituir o acusado advogado a tanto, chegando-se a conferir deficiência de defesa, acaso genérica se mostre a peça.

Não por menos, também, a referida peça tem sido solicitada nos exames da OAB, que se sabem ora nacional. É que a resposta à acusação se mostra de singular importância na medida em que se manifesta como o meio eficaz ao controle dos excessos acusatórios.

Num primeiro momento, tencionamos a sua utilização com o intuito de busca da rejeição da denúncia, nos termos do artigo 395 do CPP. Ainda que a reforma tenha num primeiro instante inserido uma celeuma no que diz ao marco de recebimento da denúncia, prevendo duas hipóteses; no caso, tem-se que será na resposta à acusação que a defesa poderá demonstrar ao juízo o equívoco do primeiro recebimento, acaso não atendidos os requisitos do artigo 41 do CPP, que ensejam a inépcia da denúncia, logrando-se trabalhar nesse plano com a denúncia genérica, por exemplo, e com a classificação do crime, já que em sede de sentença poderão incidir os artigos 383 e 384 do CPP, delimitado o juízo ao princípio da congruência.

Também, poderá se laborar com a ausência dos pressupostos processuais e das condições da ação, valendo relembrar que a doutrina divide os pressupostos processuais em de existência, aqueles sem os quais o processo não existe, como órgão dotado de jurisdição, pedido e partes; e de validade, aqueles que sem os quais se diz como inválido o processo, como a capacidade do juiz, ingressando nesse ponto a competência e a imparcialidade, a capacidade das partes (para ser parte, para estar em juízo e postulatória), uma acusação regular, citação do réu, procedimento adequado, ausência de litispendência e coisa julgada.

No que diz com as condições da ação, sabe-se que para a doutrina majoritária, estas encontram amparo na legitimidade de partes (ativa e passiva), no interesse de agir (necessidade, adequação e utilidade do processo) e na possibilidade jurídica do pedido (fato típico), para além das condições específicas, como, por exemplo, a representação.

Entretanto, sabemos da crítica que com maestria encabeça LOPES JR. (2014), o qual dá conta da errônea importação de categorias do processo civil, que sequer mais lá se encontram, como a possibilidade jurídica do pedido, para o processo penal, razão pela qual assenta as condições da ação penal na prática de fato aparentemente criminoso, o que inclui o raciocínio analítico tripartido de crime, ou seja, necessidade de fato típico, ilícito e culpável; na punibilidade concreta, pois ausentes causas extintivas da punibilidade; na legitimidade de parte e na justa causa. Aliás, no que diz com a justa causa, embora a doutrina discorde no sentido de tratar-se de condição da ação penal, é fato que esta encontra disposição junto ao já citado artigo 395 do CPP, ensejando a rejeição da denúncia, no caso de sua inexistência, se traduzindo esta, portanto, no ‘fumus commissi delicti’, ou seja, um lastro mínimo probatório de autoria e de materialidade que indique da possibilidade do manejo do processo criminal.

Ainda, é na resposta que intento para a aplicação da absolvição sumária, consoante o disposto no artigo 397 do CPP, o qual autoriza a absolvição acaso presente causa manifesta de exclusão da ilicitude, da culpabilidade, salvo a inimputabilidade e, nesse ponto, inserimos também as chamadas causas supralegais; a atipicidade do fato, trabalhando-se para além da tipicidade formal com a tipicidade material, por certo; e da extinção da punibilidade do agente, logrando aplicação o disposto no artigo 107 do CP, como prescrição, decadência, perempção, renúncia, lei penal mais benéfica, retratação, perdão, entre outros.

E é também aí que sinalizo a prova que pretendo produzir, se o quiser, pois não nos esqueçamos de que o acusado conta com o direito à prova, entretanto, pode dele não querer fazer uso, haja vista encontrar-se sob o manto do estado de inocência, o qual não lhe impõe qualquer carga probatória, cumprindo a defesa a melhor estratégia, no intuito de obter favorável formação da convicção do juízo a sua tese, ou, até, pelo fomento da dúvida, a qual também ampara o acusado.

Por outro lado, o artigo 396-A do CPP dispõe que é na resposta à acusação que o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, inclusive, oferecendo documentos e justificações, especificando as provas pretendidas e arrolando testemunhas. No que tange à prova testemunhal, tem-se prazo fatal, na medida em que a juntada de rol a destempo nem sempre é possível, pois ainda que em nome da ampla defesa, o decreto de nulidade na espécie não é absoluto, quanto mais quando é fenômeno a relativização das nulidades no processo penal, gerando a necessidade de comprovação do prejuízo sejam elas de natureza relativa ou absoluta, e mesmo que esse prejuízo se revele de forma inconteste.

Sendo assim, nos parece de singular importância à resposta à acusação, eis que promove o saneamento do processo desde o seu início, evitando processos temerários que no mais das vezes se transmutam em uma pena ao acusado. Sim, pois responder ao feito criminal também importa em restrições, mormente pela possibilidade de a qualquer tempo ter-se privada a liberdade. Outrossim, ao proceder ao controle dos excessos de acusação, logram-se menos gastos ao Estado, e, atualmente parece que é somente por meio da lógica econômica que se consegue obter a apreensão e o interesse pelo seu argumento, fortalecendo a nítida separação dos papeis necessária ao asseguramento do sistema processual penal acusatório, além, é óbvio da gestão da prova, medida essencial e salutar a construção de um processo penal democrático.


REFERÊNCIAS

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

Mariana

Mariana Cappellari

Mestre em Ciências Criminais. Professora. Defensora Pública.

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