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Como funciona uma audiência criminal?

Como funciona uma audiência criminal?

A área criminal não é a mais queridinha profissionalmente, sendo considerada por muitos o “patinho feio” do Direito. Todavia, apesar de não ser a área de maior (e melhor) atuação, é, sem dúvidas, a mais falada por aí nas filas, nos bares, nas redes sociais, nas rodas de conversa, dentre outros.

Essa contradição, entre a prática e o que é falado (muitas vezes sem conhecimento), me fez ter a ideia de escrever textos voltados para essa seara, de forma a contribuir para o esclarecimento do assunto e tentar pôr fim aos boatos e às conversas infundadas.

A bola da vez é a audiência criminal, mas já faço uma ressalva, não conseguirei abordar todos os aspectos, apenas aqueles que considero mais relevantes para a compreensão do tema.

Via de regra, as audiências possuem o mesmo rito ou ritos muito parecidos, sendo que uma grande diferença entre elas é possível de se verificar entre a audiência comum/ordinária e a audiência do rito especial da Lei de Tóxico (já falei sobre a diferença entre os ritos, basta clicar aqui para acessar o texto).

No rito comum, segundo o CPP, primeiro será ouvido o ofendido (vítima), seguido das testemunhas, primeiro da acusação e depois da defesa, com o interrogatório ao final (artigo 400 CPP):

Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

Já no caso da Lei 11.343/06 (Lei de Tóxicos), a diferença é que o interrogatório será realizado no início da audiência, seguido das oitivas das testemunhas (artigo 57 da Lei 11.343/06):

Art. 57. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz.

Deve ser ressaltado que nas audiências do Juizado Especial a defesa deverá apresentar a resposta à acusação, o juiz receberá ou não a denúncia/queixa, passando, então, para a oitiva do ofendido, testemunhas e acusado (artigo 89 da Lei 9.099/95):

Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.

Ademais, segundo o CPP (artigo 401), poderão ser ouvidas 08 testemunhas de cada lado (acusação e defesa), sem se levar em consideração aquelas pessoas que não estão sob compromisso (como a vítima, por exemplo).

Ainda segundo o CPP, após a produção das provas em audiência, as partes poderão requerer a realização de diligências cuja necessidade surgiram de fatos apurados na própria instrução processual (artigo 402).

Na hipótese de não existirem diligências, será dada a palavra à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 minutos, prorrogável por mais 10, para que se manifeste em alegações finais orais, devendo o juiz proferir a sentença em seguida.

Importante destacar que a regra, segundo a legislação, é que a instrução seja encerrada em um único ato, ou seja, as provas serão produzidas, as alegações finais (debates finais orais) realizadas e a sentença proferida.

Claro que, dependendo da complexidade da demanda, o juiz poderá conceder prazo para que as partes apresentem suas alegações finais em forma de memoriais, ou seja, escrita. Nesse caso, a sentença, obviamente, não poderá ser proferida após a audiência criminal, devendo ser feita em um prazo de 10 dias.

Na Lei de Tóxicos também está prevista a realização de apenas um ato, com alegações finais orais, pelo mesmo tempo mencionado anteriormente, e prolação de sentença ao final ou em um prazo de 10 dias após a audiência.

Em sede de Juizado Especial, a oralidade é a regra.

Mas e a audiência criminal mesmo, como ela funciona?

Então, se for no rito comum, a vítima será ouvida, fará o reconhecimento do acusado, se necessário, sendo que a acusação faz as perguntas, depois a defesa e, por fim, o juiz, caso ainda tenha alguma dúvida.

A vítima não presta compromisso de dizer a verdade, diferentemente das testemunhas que, caso não falem a verdade, podem responder a crime.

No caso das testemunhas, a ordem das perguntas será a mesma anterior, ressaltando que se se tratar de testemunha policial, a leitura das declarações prestadas perante a autoridade policial, para fins de saber se ele as ratifica ou não, só poderá ser realizada ao final do depoimento, como forma de tentar extrair o máximo de informação espontânea possível.

Quanto ao interrogatório, seja ele no início ou no final da audiência, o acusado tem o direito de se entrevistar com seu advogado antes de ser interrogado (artigo 185, §5º, CPP), bem como o de não responder as perguntas que lhe serão feitas (artigo 186, CPP), sendo que esse silêncio não pode ser interpretado como sendo uma confissão, tampouco em desfavor da defesa, afinal, na teoria, é a acusação que deve provar a ocorrência do crime e não o acusado provar que não o cometeu, sendo, inclusive, assegurado o direito de não produzir prova contra si mesmo.

Ressalto que se for mais de um réu, os interrogatórios serão separados (artigo 191, CPP).

Por fim, ressalto que tudo isso o que eu disse se aplica mais na teoria do que na prática, pois o que mais se vê por aí são audiências realizadas em desconformidade com o que descrito na lei.

É raro ver uma audiência criminal com alegações finais orais e sentença proferida em audiência. O que mais se vê são audiências redesignadas, em continuação, com alegações finais por memoriais e sentença proferida em gabinete.

Igualmente, o que mais acontece é o juiz ainda realizar as perguntas primeiro, como era antigamente, sem dar a palavra inicial ao Ministério Público.

Sem falar do reconhecimento, que quase nunca obedece ao que estabelecido na lei.

Infelizmente, no Direito, a prática não corresponde muito à teoria.

Espero que tenham gostado do texto e até a próxima semana!

Pedro Magalhães Ganem

Especialista em Ciências Criminais. Pesquisador.

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