ArtigosDireito Penal Econômico

Lavagem de dinheiro e crimes tributários

Lavagem de dinheiro e crimes tributários

Sabe-se que o crime de lavagem de dinheiro exige, para sua configuração, a comprovação de que os valores lavados são oriundos de um crime antecedente, sobre o qual devem haver elementos mínimos que baseiem a sua ocorrência, ainda que a culpabilidade reste extinta. 

Isto é, processualmente, a justa causa para a propositura da ação penal pelo cometimento do crime de lavagem de capitais exige, para além da autoria e materialidade dos atos de branqueamento imputados, imprescindível também a comprovação de que os valores lavados advém de infração penal antecedente.  

Neste contexto, seguindo as disposições legislativas contidas na lei 9.613/98, o produto ou proveito econômico de qualquer infração penal estão aptos a passar pelo processo criminoso que visa ocultar sua origem, não havendo mais, no ordenamento jurídico pátrio, um rol taxativo que disponha os crimes antecedentes da lavagem de bens ou valores. 

Portanto, as normas brasileiras admitem, além das infrações criminais “comuns” – entendidas estas como aquelas de conhecimento rotineiro do cidadão médio e que, por sua maior frequência no seio social, encontra latente proximidade com os agentes passivos do delito. Fato este que ocasiona, ainda, o surgimento de ocasionais especialistas interdisciplinares em áreas de segurança pública, apesar de deterem formações e práticas profissionais distintas. 

Todavia, a problemática da antecedência criminosa apta a gerar o objeto material do crime de lavagem de dinheiro encontra problemas para a comprovação da dúplice justa causa inerente a este delito quando a pretensão acusatória contém a materialidade objetiva em relação a um crime tributário.  

Nesta linha, o estudo dos crimes englobados pelo sub-ramo do Direito Penal econômico denota alto grau de abstração não só quanto ao agente ativo e o caráter plúrimo e controverso dos bens jurídicos tutelados, mas também quanto ao próprio objeto material da prática delitivo-tributaria, a qual denota inexorável dificuldade de apuração por meios concretos, fazendo com que ocorra, no mais das vezes, pretensões condenatórias lastreadas em arcabouço probatório englobado por elementos incendiários.

Desta feita, nos cabe tecer algumas considerações sobre os crimes tributários e sua aptidão para originar o objeto jurídico da lavagem de dinheiro, antecedendo, desta forma, o branqueamento de capitais. 

Para tanto, iremos nos focar no crime de sonegação fiscal, previsto no Art.1º da lei 8.137/90, o qual trata-se de supressão ou redução do tributo devido, por meio de: 

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; 

III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; 

IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; 

V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação

Desta forma, considerando que o crime de lavagem de dinheiro é definido como a conduta ativa de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal” (PRADO, 2014, p. 376), compreende-se, à vista disto, que só se pode “lavar” os valores que, conforme alhures mencionado, representam acréscimo patrimonial, direta ou indiretamente, de crime ou contravenção penal.

Destarte, caberia indagar acerca do real acréscimo patrimonial resultante do crime de sonegação, apto a tornar-se objeto de lavagem, visto que, tal delito, apesar de possuir em seu núcleo subjetivo o inadimplemento das obrigações legais para com o fisco, decorrentes do anelante pacto social, tipifica-se mediante a fraude empenhada para burlar a satisfação da “dívida” fiscal, conforme cátedra de Luiz Régis Prado (2014, p. 270):

Portanto, não é suficiente para a configuração do tipo a supressão ou redução do tributo, mas exige-se também que sejam consequência de um comportamento anterior fraudulento.

Assim sendo, a conduta do dirigente empresarial que empreende meios fraudulentos para suprimir o pagamento dos tributos incidentes sobre determinado produto ou operação, com a finalidade de aumentar os lucros de sua atividade empresarial – acrescendo-se que a finalidade é indiferente para o crime em apreço – dificultaria, para o intérprete e operador do direito, enxergar o acréscimo patrimonial ilícito decorrente da conduta.

Queremos dizer: nas circunstâncias narradas, o dinheiro metodologicamente apelidado de “negro” – por não ter contra si efetivados os ônus tributários – passa também a ser “sujo”, em razão do empreendimento de meios fraudulentos utilizados para reduzir ou suprimir a incidência fiscal. Todavia, não houve qualquer acréscimo ao patrimônio do sujeito ativo.

Neste sentido, Pierpaolo Cruz Bottini (2016, pag. 115), em cristalina explanação sobre o tema refletido:

A exposição de motivos do Poder Executivo do texto original da lei de lavagem de dinheiro (EM 692/MJ/1996) é bastante enfática “(…) o projeto não inclui nos crimes antecedentes, aqueles delitos que não representam agregação ao patrimônio do agente, de novos bens, direitos, ou valores, como é o caso da sonegação fiscal. Não há, em decorrência de sua prática, aumento de patrimônio com a agregação de valores novos. Há, isto sim, manutenção de patrimônio existente em decorrência do não pagamento de obrigações fiscal. (EM, item 34)” 

Exemplifica-se – com a mesma situação ilustrativa adotada pelo autor -, para maior elucidação, a situação de um servidor público que pratica ato de ofício em benefício de uma empresa de cartão de crédito para, em troca desta atuação, deixar de pagar uma fatura no valor de 10 mil reais. O servidor estaria deixando de recolher aos cofres públicos as quantias devidas a título de tributos, mantendo seu patrimônio e, por esta razão, os referidos valores não seriam passíveis de branqueamento.

Não obstante, nos cabe pontuar que o mencionado autor discorda de tal assertiva, sustentando a compreensão de que os crimes contra a ordem tributária produzem resultado material, e por isso geram produto. Por exemplo, a sonegação fiscal pode se dar pelo recebimento de restituições oriundas do fisco ou pelo não pagamento de recursos que deveriam ser pagos ou transferidos, por meio das condutas caracterizantes dos crimes tributários – no caso em tela, o Art.1º da Lei 8.137/90.

Seguindo esta linha, entender-se-ia que os 10 mil reais não pagos pelo servidor público passariam a representar parcela maculada de seu patrimônio, eis que “remanesceu em decorrência de um comportamento ilícito” (BOTTINI, 2016, pag.116).

Apesar disto, impende-se notar que, no exemplo exposto, os valores que constituem vantagem patrimonial a favor do servidor público decorrem, em realidade, da prática de crime contra a administração pública, tipificado pela prática de ato de ofício pelo servidor, podendo amoldar-se ao tipo penal previsto no Art. 321 do Código Penal, o que faria com que os valores ilicitamente maculados decorram não de crime tributário, mas de espécie delitiva diversa.

À vista do exposto, destituídos de qualquer pretensão de esgotar o tema proposto, poder-se-ia compreender que interpretar o resultado material dos crimes tributários como elemento apto a gerar proveito econômico bastante para o processo de lavagem de capitais, amoldando-se ao tipo penal do Art.1º da Lei 9.613/98, seria alargar o uso do direito penal como meio de coação ao adimplemento às relações fiscais, suscitando um efeito inutilizados do patrimônio que se macula por não ter sido recolhido aos cofres públicos.


REFERÊNCIAS:

NETO, Eduardo Salomão. Sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, um casal disfuncional. Disponível aqui. Acesso em: 29 fev. 2020.

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários a nova lei 9.613/1998, com as alterações da lei nº 12.683/2012. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. 


Quer estar por dentro de todos os conteúdos do Canal Ciências Criminais?

Então, siga-nos no Facebook e no Instagram.

Disponibilizamos conteúdos diários para atualizar estudantes, juristas e atores judiciários.

Leonardo de Tajaribe da Silva Jr.

Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). Pós-Graduando em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). contato: leonardotajaribeadv@outlook.com

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo